Capítulo 23

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Março de 2021

Tempestades. Trovoadas. Os céus derramam suas lágrimas profusas e constantes. O tempo está desabando e as gotas pinicam na minha pele, mas nem consigo me importar. O mundo está de luto. E eu gostaria de saber por quem. Ou pelo quê. Talvez até o universo esteja consternado com o maldito dia de hoje.

— Que droga de vestido!

Olho para trás, tentando ver através das gotas da chuva que atrapalham minha visão. Charlotte se embaraça tentando levantar a cauda de seu longo vestido branco rendado para conseguir andar até mim.

— Não venha até aqui, sua roupa irá sujar — oriento — além de borrar sua maquiagem e estragar o penteado.

— Como se eu me importasse com isso — Lottie se emburra ao meu lado, tomada pelo dilúvio.

— Seu futuro marido não irá gostar nada disso — zombo.

Ela faz cara feia para mim e solta um resmungo de consternação.

— Eu não quero me casar, Anne...

— Eu sei, eu sei..., mas o que você quer que façamos? Eu já tentei conversar com seu pai e até falei com a minha mãe. Mas não adiantou em nada. Ambos não ouviram nada do que eu disse. Você sabe — suspiro.

Uma pausa.

— Vamos fugir.

— Seria fabuloso — sorrio.

— Estou falando sério, Anne. — Ela pega minhas mãos junto às suas — Podemos fazer isso. Roubaremos um navio qualquer e partiremos, para bem longe daqui. Sobreviveremos surrupiando ali e acolá. Pense... seria perfeito. Você poderia ser a capitã e faríamos nossa própria tripulação. Poderíamos conhecer todas as ilhas, sem os chatos dos nossos pais orquestrando tudo...

Pisco, pensando. Eu quero isso. Seria perfeito, é claro. Mas nada é tão simples assim, Charlotte está falando apenas o lado bom da fuga. Tudo poderia dar errado. Eu quero mesmo arriscar?

— Lottie, eles nos encontrariam. Eu sei que sim e tudo ficaria ainda pior — declaro meu medo a ela.

— Tudo bem. Foi uma ideia boba — ela compreende —, então parece que teremos um casamento — Charlotte faz careta.

— É, parece que sim — imito-a. — Mas ouça. Vai ficar tudo bem, ok? Eu estarei aqui e mesmo que não poderemos fugir, ainda teremos nossa própria tripulação um dia — entrego-lhe um meio sorriso.

— Claro — ela tenta devolvê-lo.

— Ai, meu Deus — um resmungo próximo nos faz ficarmos alertas — saiam já daí!

Emma aparece com dois guarda-chuvas transparentes e coloca um sobre nós, eu o pego revirando os olhos. Já é desnecessário à essa altura.

— O que estavam pensando? — ela grita, quando adentramos a varanda — Malditas sejam! Olhem só para isso! O vestido está todo arruinado...

Charlotte e eu trocamos um olhar de desconsideração, nem um pouco incomodadas com a situação, chega a ser cômico. Me seguro para não sorrir.

— Vá já para cima, Charlotte e troque-se imediatamente. Antes que seu pai veja essa insolência — minha mãe apalpa seu cabelo.

Começo a subir as escadas com a noiva.

— Você não, Anne. Fique. Já causou problemas o suficiente por você — Emma ordena.

Dramática. Fico no pé da escada, observando Charlotte sumindo no corredor.

Coração PirataOnde histórias criam vida. Descubra agora