CAPÍTULO 1

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Condado de Dutchess, NY

MARÇO DE 1962


       O sol refletia na copa das árvores e causava uma explosão de cores em tons de verde, amarelo, vermelho, rosa e laranja, era o começo da primavera. Marisa olhava a paisagem montanhosa que passava pela janela do trem sem realmente vê-la. Em outro momento ela estaria aproveitando a beleza do lugar. Porém não hoje. Não tinha concordado com aquela viagem. Tinha sido voto vencido. Seus pais e irmão insistiram em dizer que seria bom tirar um tempo e se afastar da cidade enquanto se recuperava de seu acidente. E o local escolhido foi a cidade natal de seu pai em Eudora, no condado de Dutchess, NY.

     Seu irmão Christian estava indo com ela, ele aproveitaria para cuidar dos negócios da família enquanto estivesse por lá. Eles estavam sozinhos em uma cabine de primeira classe, sentados um de frente para o outro. A viagem de uma hora e meia parecia não ter fim. Os dois estavam em silêncio desde que se instalaram na cabine e enquanto ela fingia apreciar a paisagem ele lia um jornal que comprou na estação.

    — Deveria aproveitar a paisagem e as belezas à margem do rio Hudson. A região de Hudson Valley é famosa pela sua beleza. — falou Christian sem tirar os olhos do jornal.

    — Não deveria estar lendo?

   — Eu posso apreciar a vista e ler ao mesmo tempo. Eu sou multitarefas. — ele levantou os olhos para olhá-la — Eu sei que está chateada, mas isso é para o seu próprio bem. E você sabe disso.

  — Eu saber e querer fazer são coisas diferentes. Não sou mais criança e posso tomar minhas próprias decisões. — Marisa continuou olhando pela janela quando respondeu.

  — Sei que pode, mas nesse caso estaria se machucando ainda mais. — ele olhou para a perna direita dela que estava apoiada em cima da poltrona onde ele estava sentado.

   Marisa olhou para sua própria perna e franziu as sobrancelhas, sabia que o agravamento de sua lesão tinha sido sua culpa. Há tempos já estava sentindo dores no joelho mas preferiu ignorá-las. Sentir dores depois de horas de ensaios diários era normal para uma bailarina. Mesmo sentindo dores se forçou a continuar com os ensaios até que seu joelho não aguentou. Um desgaste na articulação no joelho direito lhe tirou da remontagem do espetáculo O Quebra Nozes, ela se empenhou tanto no papel de Rainha das Neves. Era o espetáculo mais aguardado no Natal, foram meses de ensaio. Tudo precisava sair perfeito, ela era jovem e já tinha conseguido ser a segunda premiere danseuse aos dezenove anos. Poucas eram as bailarinas que conseguiam essa posição com tão pouca idade. Porém tudo foi em vão. Ela se machucou e outra bailarina ficou com o papel. Estava de licença da Compagnie de Ballet Leroy até se recuperar totalmente. O médico tinha sido claro. Precisava de repouso e dos malditos analgésicos se quisesse voltar a dançar em três meses. O pior eram as intermináveis sessões de fisioterapia. Mas já tinham se passado sete meses e mesmo depois de ter sido liberada pelo médico ainda não conseguia voltar aos ensaios, o menor dos movimentos e já sentia uma fisgada. Seu corpo ainda não estava pronto para voltar. Fora o que Céline Leroy diretora artística da companhia dissera ao lhe dar férias forçadas.

   Christian dobrou o jornal, o colocou de lado e se esticando tocou a mão da irmã.

   — Precisa se cuidar. Você vai voltar a dançar quando estiver pronta.

   — Só que está demorando demais Christian! Você mesmo viu, eu não consigo fazer um fouetté. — ela tinha lágrimas não derramadas nos olhos. — E se eu não puder voltar?

MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO APAGAOnde histórias criam vida. Descubra agora