CAPÍTULO 25

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      Os dois caminhavam lado a lado tentando manter uma conversa quando Marisa parou de repente no corredor em frente à porta da sala de ballet impedindo-os de entrar.

     — Certo. Agora me diga, o que foi aquilo?

     — Aquilo o quê? — Liam se fez de desentendido.

      Os dois ficaram se encarando por um tempo sem nenhum dos dois desviar o
olhar.

     — Você não vai me dizer, não é. — não era uma pergunta. E os dois sabiam disso. Semicerrando os olhos na direção dele, Marisa continuou. — Tudo bem. Mas
uma hora ou outra eu vou saber o porquê a senhora Taylor estava lhe ameaçando com uma colher de pau. — virando ela entrou na sala sendo seguida por ele.

                              ***

      Liam sentou em uma das cadeiras no canto da sala ao lado da mesa onde Marisa depositou a bandeja. Enquanto ele observava atentamente a sala ela se alongava na barra.

     — Por onde começamos, doutor Liam? — ela perguntou sem parar o alongamento.

     — Eu não sou mais médico. — ele respondeu automaticamente.

     — Como assim? — perguntou olhando para ele pelo espelho.

     Liam ignorou a pergunta de Marisa e continuou.

     — Como vai seu joelho?

     — Bem. Na verdade eu devo agradecê-lo pela dica que me deu. — soltando a
barra Marisa posicionou-se no centro da sala. — Graças a ela eu consegui melhorar a postura nos giros.

      — Fico feliz em ouvir isso.

     Era visível para Marisa que Liam não estava muito à vontade. Sua postura e fala
estavam rígidas, muito diferente da última vez em que se viram no aniversário dele.

                                  ***

       Nos minutos que se seguiram Liam observou os movimentos que Marisa
executava e apesar de não levar em consideração toda a coação e ameaças resolveu realmente ajudar Marisa. Ele poderia não ser mais um médico, mas não era egoísta ao ponto de não ajudar alguém que precisava.

      — Espera! — ele falou com sua voz grave antes dela voltar a repetir novamente os mesmos movimentos. — Vamos tentar algo diferente.

      Levantando ele foi até o centro da sala ficando de frente para Marisa a distância
de um braço.

     — Já ouviu falar da memória do corpo?

     — Não.

     — Bem, como eu posso explicar? — ele olhou para o bosque através da janela
antes de começar. — O nosso corpo tem memória. O nosso cérebro não é o único que carrega nossas memórias, nosso corpo também faz isso.

     — Você está falando de reflexos? — Marisa perguntou confusa.

     — Não. Reflexos são apenas respostas rápidas e involuntárias do corpo, que
independem da nossa vontade. O que eu quero dizer é que seu corpo nunca esquece as coisas que ele sente, ou faz. Observe.
Liam andou de uma ponta a outra da sala voltando para o mesmo lugar.

     — Viu o que eu fiz?

     — Andou pela sala como um maluco?

     — Sim. Mas esse não é o ponto. Eu andei porque o meu cérebro deu um comando para os meus músculos que fizeram minhas pernas se moverem, mas isso só aconteceu porque eu já fiz isso antes. Uma pessoa que nunca andou não pode fazer o mesmo tão facilmente porque seu cérebro não conhece os comandos e seu corpo nunca
experimentou a sensação de andar. Porém esse mesmo processo ocorre de maneira
diferente quando alguém que já sabe andar quebra a perna e passa meses com ela
imobilizada, quando a pessoa voltar a andar vai fazer isso porque é algo que seu corpo já sabe como fazer. Ele sabe qual é a sensação de por o pé no chão e caminhar.
Entendeu?

      — Você parece um professor falando. — Marisa comentou com as sobrancelhas
franzidas.

     Ao ser comparado a um professor Liam fez uma careta.

     — Basicamente você está dizendo que é o mesmo processo de uma criança
aprendendo a andar?

    — Basicamente sim. Mas no geral uma pessoa que já quebrou a perna tende a ter
medo de cair e se machucar de novo. Ela perde a confiança em si mesmo e passa a agir com cautela evitando colocar muito peso na perna que sofreu a lesão. Assim como você está fazendo. Provavelmente você já caiu e se machucou várias vezes quando estava aprendendo a dançar, mas nunca ligou para isso até se machucar seriamente. Agora quando seu corpo tenta se movimentar seu cérebro o impede como um mecanismo de defesa.

       — E como eu faço pra mudar isso? — Marisa perguntou olhando seriamente
para ele.

       — Primeiro você precisa deixar de ter medo de cair.

                              ***

      Marisa estava frustrada, ela tentou seguir as instruções de Liam, mas nada
parecia estar funcionando como o planejado. Ele estava certo. O medo de cair era seu principal obstáculo.

     — Vamos tentar uma nova abordagem. Vamos usar a visualização. Feche os olhos.

     — O quê?

     — Você sabe o que fazer porque já fez isso milhares de vezes, então feche os
olhos e visualize-se fazendo cada movimento.

      — Isso não vai funcionar.

      — Feche os olhos e visualize. — Liam foi mais enfático.

      Marisa fez o que ele disse. Passados alguns minutos ela abriu os olhos.

      — Agora repita esses mesmos movimentos, de olhos fechados.

      Marisa que tinha se preparado para começar parou e olhou para Liam com uma sobrancelha arqueada.

      — O que você tem a perder? — ele a desafiou.

      Sem dizer nada Marisa se posicionou para uma pirueta simples en dehors de
quarta posição. Fechando os olhos inspirou e começou o movimento.

     — Sem trapacear. — Liam falou quando ela abriu os olhos. — Confie no seu corpo, ele sabe o que fazer.

      Quando Marisa escorregou no giro e estava prestes a cair, os braços de Liam a
seguraram.

     — Você está bem?

     — Sim. Obrigada, seria um belo tombo.
      Ele a ajudou a ficar de pé.

      — Vamos tentar de novo?

     — Não. Isso vai dar certo. Se eu cair e me machucar de novo não vai me ajudar.

      — Não vai dar certo se você simplesmente desistir na primeira tentativa. Porém a escolha é sua.

      Marisa absorveu o que Liam disse. E ele tinha razão.

      — Vamos tentar de novo. — Marisa disse se posicionando no centro da sala e
voltando a fechar os olhos.

     — Talvez isso lhe ajude.

     O som de piano chegou aos ouvidos de Marisa. De olhos fechados ela começou
a visualizar cada passo e sem que percebesse seu corpo foi seguindo os movimentos sem sair do lugar ao ritmo da música.

                                ***

     — Posso fazer uma pergunta? — Marisa assentiu bebendo água. — Porque você
faz os movimentos de frente para o espelho?

     — Ele me ajuda a entender onde eu erro e facilita a correção. E também serve
para representar a platéia.

     — Então você pode fazer tudo aquilo sem olhar para o espelho?

     — Sim.

     — Ótimo. Então agora eu vou ser o seu público no lugar do espelho.

                                ***

       Nos dias que seguiram, Marisa se focou em seguir as dicas de Liam. Antes de
começar cada treino e após o aquecimento ela sentava no chão no centro da sala e
fechava os olhos visualizando cada movimento.

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⏰ Última atualização: Nov 04 ⏰

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