Disparo para longe, meu coração está acelerado, estou angustiado por continuar calado. Estaciono a moto em uma rua deserta e pouco iluminada, tiro o capacete para respirar melhor. Me questiono se fiz a escolha certa, deixar meus sentimentos de lado em troca da fama, nenhum deles são eternos.
Continuo a viagem preciso chegar em casa antes de ter que pegar a estrada novamente a caminho do aeroporto. Chego no conjunto residencial de prédios baixos, empurro a motocicleta para baixo da escada junto com algumas bicicletas de outros moradores, subo as escadas com cuidado tentando não acordar ninguém, já são 3 horas da manhã. Coloco a chave na fechadura e giro a maçaneta, minha mãe dorme profundamente em seu quarto, ando ao banheiro ligo o chuveiro me despido e entro na água vaporosa, fico ali por algum tempo até voltar a realidade. Após o banho me jogo na cama mas não consigo dormir, permaneço deitado de olhos bem abertos até o amanhecer.
Coloco minhas roupas mal dobradas em uma mochila de mochileiro, olho meu rosto no espelho tenho olheiras fundas embaixo dos olhos, levo a minha bagagem até a cozinha onde preparo um café forte. Noto minha mãe parada logo atrás de mim, encho duas xícaras e me sento a mesa, ela me acompanha e puxa para perto sua caneca laranja.
— Está com uma cara horrível. — fala Katherine esfriando o café.
— Cheguei tarde e não peguei no sono.
— Por causa da viagem? Está ansioso? — questiona.
Levo os olhos ao relógio, os ponteiros marcam cinco e meia da manhã. Bebo rápido a bebida quente, fico em pé e visto a mochila.
— Eu estou bem. — respondo e dou um beijo de despedida.
Dirigi-me a saída, sigo ao ponto de encontro marcado onde uma van nos levará até o aeroporto.
Ando sentindo meus olhos arderem não consigo conter as lágrimas, vou em direção da porta dos fundos me abaixo procurando a chave escondida em um vaso, a encontro e adentro a cozinha escura tropeço em uma cadeira ouço alguém se aproximar.
A luz acende, enxergo duas silhuetas paradas perto do interruptor de luz, são o casal Berenberg. Enxugo os olhos rapidamente com a manga do sobretudo.
— Elionor, está tudo bem? Estava chorando? — abaixo a cabeça e improviso um sorriso.
— Estou bem, foi só um cisco que caiu dentro do meu olho. — eles me olham desconfiados.
— Chegou tarde. — diz Oscar sério.
— Desculpe, acabei ficando mais que imaginei.
— Então se divertiu. — comenta a mulher. — concordo.
— Foi uma noite agitada, estou exausta vou subir.
Passo pelos dois, atravesso a sala e subo ao meu quarto tranco a porta tiro meu casaco e o jogo dentro do armário, me sento na cama arrumada apertando com força meu travesseiro lamentando ter deixado Dag ir. "Poderia ter dito a ele o que sinto, todavia, minhas palavras sumiram como ele na noite."
Fecho os olhos e o rosto belo de Violet surge. "Ele a amou tanto e ainda deve amá-la não tenho nenhuma chance de ocupar o lugar que ela ocupou em seu coração, porém posso tentar lutar pelo meu lugar."
Durmo pouco e me preparo para sair cedo, sem dar explicações deixo a mansão o motorista ainda não chegou. Desço a rua e espero o ônibus que me levará até a Canning Town Station, alguns minutos se passam até o ônibus vermelho e alto aparecer, subo nele e me sento perto da porta, dou um leve cochilo e acordo ao chegar na estação sigo pela plataforma e corro para alcançar o trem branco e azul prestes a partir, me encosto na parede metálica do vagão.
Uma hora se passa, penetro o aeroporto de concreto e vidro, avisto grandes filas para comprar passagens, olho ao redor procurando por Dag não o encontro. Enxergo acima escrito em quadrados grandes negros em letras amarelas o horário de saída dos voos, percebo que está em cima da hora do voo para Nova York partir. Disparo empurrando todos que estão em meu caminho indo em direção da ala de embarque, as portas de vidro estão fechadas e a atendente que confere os bilhetes se afasta seguindo para um pequeno intervalo. Observo pelo vidro a aeronave decolar, zangada e descontente bato com as mãos na porta, minha chance foi perdida.
Vago em sentido da estação de metrô, desço os degraus cinzentos vagarosamente sem querer retornar para casa, resolvo pegar um trem para Beaconsfield onde terei um tempo sozinha. Dentro do vagão quase vazio minha única companhia é um homem deitado de modo desengonçado em um banco a frente com seus tênis All Star surrados e sujos. Encosto a cabeça na janela observando a paisagem passar depressa.
A locomotiva avança por um túnel deixando tudo um breu, atenta deslumbro a luz em seu final, a locomotiva passa por trilhos em uma ponte alta atravessando o Rio Tamisa. Desço em Marylabone embarcando em um novo trem para terminar os vinte minutos de trajeto. Ao fim do deslocamento me distancio da silenciosa Beaconsfield Station em direção do bosque em seu entorno.
Sinto algo úmido tocar meu rosto percebo pequenos flocos de neve caírem das nuvens, estendo a mão verificando se é real já que é raro nevar neste mês, começo a penetrar os meios entre os enormes pinheiros. Sigo a trilha estreita que me leva a velha capela, avisto sua torre aproximo-me e invado seu ambiente empoeirado e sombrio, os santos continuam abandonados e as aranham correm por suas teias onde pequenos mosquitos esperam a morte. Sem sol os reflexos coloridos do vitral quebrado quase não é visível, passo a passo subo a escada em caracol até o topo, as paredes de pinturas renascentistas desbotadas estão ainda mais descascadas, a grande janela continua aberta e os pombos arrulham nas telhas. Me movo ficando diante da janela, levanto os braços me segurando no beiral de madeira e subo no telhado pontudo, me equilibro andando até a parte mais alta, de lá contemplo as terras Gregory, o bosque, as plantações e pomares, a fumaça da chaminé da cabana e no centro de tudo as ruínas do casarão.
Ando cuidadosamente sobre as telhas lisas, dou um passo em falso escorregando, apavorada consigo me segurar em uma calha, ela parece se desprender do telhado aos poucos com meu peso. Grito por socorro, minha voz ecoa, luto para continuar segurando o metal áspero que corta minha pele, com um estrondo a calha enferrujada se solta me jogando contra a parede braços me seguram, assustada fito o rosto duro de Dag.
— Você não partiu. — falo espantada.
— O que pensou que estava fazendo, Elionor? — pergunta preocupado.
— Este lugar me faz lembrar de você, quis ver a paisagem que tanto admirou durante o tempo que passou nesta torre. — ele me encara e coloca meu rosto em suas mãos grandes.
— Não quero perdê-la. — diz com seus olhos fixos em mim. — Ontem quando disse que devíamos seguir nossas vidas eu menti, pois eu quero fazer parte da sua.
— Eu fiquei com medo que não sentisse o mesmo por mim. — respondo sentindo meu coração na garganta.
Dag aproxima o rosto do meu, nosso narizes gelados se tocam e então sinto o calor de seu beijo, minhas orelhas fervem, o tempo parece parar em nossa volta. Mais um ciclo do destino termina para iniciar o futuro.
Fim
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O Bosque dos Esquecidos (The Woods of the Forgotten)
FantasiaInglaterra 1984, uma jovem órfão completa seus esperados 18 anos para seguir a busca por seu irmão mais novo que foi adotado e afastado dela há 4 anos, mas seus planos mudam quando é engolida por um bosque de pinheiros que a leva a um estranho loca...