Ao som das gotas salpicando contra as janelas há um perfil delineado pela luz doentia de um monitor. Os dedos descansam no ar, preparados para encontrar as letras desgastadas do teclado. Os cílios ralos e desajeitados enviam sombras pontiagudas para as maçãs elevadas, as narinas dilatam sutilmente conforme o oxigênio penetra no momento. O silêncio invade os tímpanos, bloqueando a inquietante chuva, criando uma barreira, um casulo, produzindo um chiado mudo e opressor. Um suspiro escapa pelos lábios e o som oco do ar sendo sugado pela boca quebra a quietude suprema.
Os azuis surgem lentamente, surgindo do esconderijo acolhedor da escuridão. Há tanto no brilho indefinido que reflete a janela nas irises. O tique de um relógio ressoa ao longe, quebrando dentro do casulo, conforme a repetição dos segundos revela a força do tempo diante da fútil vontade de parar tudo. As buzinas atravessam o vidro, invadindo o pequeno espaço com um arrepio que escorre pela coluna, levando o tronco rígido para frente. As vértebras estalam conforme se encaixam adequadamente, impulsionando a eletricidade orgânica para os dedos agora tremeluzentes. Os azuis focam nas letras despojadas perfeitamente no alinhamento do papel artificial, a última frase ainda inacabada. Ele poderia finalizar o texto, concluir aquele momento com um ponto, evitando, assim, as vírgulas e as diferentes possibilidades que uma continuação pode oferecer. Ele poderia encerrar aquele momento quebrado pela realidade, pelo tempo e, diabos, por essas buzinas desgraçadas que infernizam. Ele poderia, mas... A caixa de mensagem apita, avisando que ele tem uma nova mensagem.
- Louis? - É Charllote com seus trejeitos carinhosos e preocupados. Pausa. - Louis? - Outra pausa, menor dessa vez. - Acho que você já saiu, mas se estiver, sei lá, no banho... Enfim, espero que não tenha se esquecido de hoje. E se não esqueceu e está... - Pausa. - Só venha.
Louis poderia, mas não. O arquivo é salvo, incompleto, e a área de trabalho surge, revelando a empresa que criou aquele monitor. O computador é desligado e os dedos deslizam pela franja, empurrando os fios para o lado. Outro longo suspiro, acompanhado por uma mordida na parte interna da bochecha.
- Tsc! - Louis resmunga, esfregando as mãos contra a testa, deixando o ar sair de seu organismo. Olhos fechados novamente, pálpebras trêmulas devido à falta de oxigênio. Os lábios abrem contra sua vontade e a garganta golfa goles de vento, estufando o peito e sufocando a vontade inumana da mente preguiçosa.
Ele levanta e coça a parte de trás da cabeça repetidas vezes antes de murmurar algo ininteligível. Quinze minutos depois ele está vestido (jeans preto, camisa de botão, botas de cano curto, sobretudo e cachecol), a mão desliza sobre o cabo do grande guarda-chuva que estava enchendo um balde com a reminiscência da chuva. Mais um suspiro e, pronto, o tilintar das chaves anuncia para o apartamento vazio que ele vai sair.
*
O piano é acompanhado por badulaques de uma bateria suave, os talheres quicam contra os pratos e as risadas brincam entre os goles de champanhe. Niall gesticula fervorosamente para alguns convidados sobre seu novo sistema de som, que emite as notas musicais perfeitas daquele jazz suave. Os olhos circulados por linhas de expressão brincam com os lábios sorridentes do loiro, que segura uma taça perigosamente cheia.
- Está se divertindo? - Charllote envolve o peito de Niall por trás, os pés esticados ao máximo na sapatilha dourada.
- Eu sempre me divirto quando você está por perto. - Ele sorri e vira o tronco, depositando os lábios contra a bochecha delicada dela.
- E vocês também, assim espero. - Ela sorri, sentindo o beijo cálido do loiro em seu cabelo enquanto os três homens elogiam o jantar e a casa. - Não se esqueçam de pegar a sobremesa, por favor. Se vocês não comerem esse aqui vai passar a manhã toda comendo. - Ela se desvencilha de Niall com uma cotovelada de leve e, em meio aos risos, se desvencilha, pronta para o próximo círculo de convidados.
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Ugly Boy | Larry Stylinson
FanfictionO passado, recheado de suas rachaduras, quando ignorado deixa de reconhecer sua temporalidade. Ele retorna, faz-se presente. Puxando suas pernas com a correnteza de seus próprios sentimentos, aquilo que ficou no tempo volta. Apenas para mostrar que...