Dizer que a viagem de volta é um sacrifício não passa de um entendimento comum. Louis sentou-se à janela e jurou não tirar os olhos do próprio reflexo no vidro, Harold sentou em outro acento, ou é o que ele acredita, pelo menos. A falta de palavras se processou em um consentimento silencioso comum, nenhum dos dois precisava pronunciar mais palavras depois daquela noite. Os azuis procuram qualquer indício de que ele poderia se mostrar triste, mas com o quê? Qual seria o motivo de ele ficar triste? Nada foi feito para ou contra si. Foi sua própria petulância e, também, teimosia, que o fizeram enxergar uma realidade inexistente.
Louis levanta os olhos e analisa os lábios desidratados ao passo que os ouvidos captam a repetição que o trem produz ao deslizar contra os trilhos. É quase como uma batida de coração, ele pensa. Tu-tum tu-tum. Tu-tum tu-tum. As pupilas se encontram com suas cópias envidraçadas e o peso da verdade o atinge. Tu-tum tu-tum. Como ele pôde achar que era certo usar alguém como um experimento social para solucionar os próprios problemas? Tu-tum tu-tum. Como ele pôde pensar que poderia ajudar alguém que tem problemas com vícios? Tu-tum tu-tum. Por que ele não para de pensar em si, quando o problema é exatamente esse? Tu-tum tu-tum.
A culpa agarra os pulsos e o envia em um mergulho solitário em um lago congelado de verdades sóbrias. Pessoas responsáveis não chamam viciados para irem morar em suas casas, não pensam que podem solucionar os problemas dos outros com interesses particulares e, muito menos, fingem gostar dos outros por esses interesses. Ele precisa se lembrar dos motivos de ter parado de se drogar. Foi uma decisão que ele tomou e não um lunático cheio de manias e falsa máscara. Não foi uma réplica fajuta de alguém que segurou sua mão e o fez perceber seus próprios erros. Não. Foram seus erros que o fizeram perceber que ele não existia mais. Que ele, Louis Tomlinson, não existe até então.
Louis observa o próprio rosto, mas o que ele não para de se perguntar é quem é aquela pessoa que ele vê. Será mesmo que sobrou algum pedaço de Louis dentro de si? Quem é essa pessoa que finge emoções e vive uma vida de mentira? Uma vida de papel. Mas só que a chuva já o ensopou e as palavras no papel molhado se borraram e não fazem mais sentindo. Quem é que existe dentro da casca que é Louis Tomlinson? Será que ainda existe alguém ali dentro capaz de encontrar sentido nas poças de seus desentendimentos? Será que ele quer procurar as palavras que se perderam?
O momento de introspecção é interrompido por uma daquelas risadas secretas que lhe chega aos tímpanos. Uma risada que não devia ter sido liberada, que escapa dos lábios e aparenta mais um miado do que um riso em si. Sem a intenção de parar de se punir com perguntas sem respostas, Louis gira o pescoço para poder encontrar a nascente da sonoplastia incômoda. Ah, como ele se arrepende de fazer isso. Os arrependimentos só acumulam e o desprazer culmina em sua carranca inflexível. É Harold, obviamente. Mas não é ele quem ri, claro que não, é um timbre muito agudo. Quem ri é a garota que está enrolada em seus braços.
Por mais que ele queira desviar os olhos, a cena o consome com tanta profundidade que ele simplesmente não consegue. A garota (quantos anos ela teria?) pressiona o corpo contra Harry e deixa mais risinhos escaparem conforme os lábios dele deslizam pela linha do pescoço dela. Louis quer parar de olhar, ele sabe que precisa, mas... Harold espalma contra a parede do trem e força um beijo contra ela, as mãos embaraçando os cabelos loiros. E tudo o que Louis gostaria é poder voltar no tempo e ter deixado tudo como estava. Tudo o que ele precisa é de uma borracha mágica e isso não existe.
Mas, não, ele continua observando enquanto os dois entram no banheiro. E ele continua encarando enquanto Harold sorri e força a entrada da garota antes de si. E é quando ele vai entrar no banheiro que os verdes são lançados exatamente para a posição dos azuis. E como uma flecha atingindo o alvo com perfeição, Louis sente o peso de suas decisões. A pontada de dor aumenta, mas a porta do banheiro se fecha. E ele fica sozinho novamente, só que sem a menor vontade de auto-observação.
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Ugly Boy | Larry Stylinson
FanfictionO passado, recheado de suas rachaduras, quando ignorado deixa de reconhecer sua temporalidade. Ele retorna, faz-se presente. Puxando suas pernas com a correnteza de seus próprios sentimentos, aquilo que ficou no tempo volta. Apenas para mostrar que...