Acordos

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Jão Romania:

O bolo se forma em minha garganta assim que eu passo pela porta de entrada do escritório da Palhares Midia. Era nostalgico voltar a esse lugar depois de 18 anos. Claro, algumas reformas tinham sido feitas, móveis foram trocados de lugar e as manchas de sangue do carpete bege deixaram de existir, mas estranhamente o desconforto na minha barriga era o mesmo da última vez em que eu estive aqui.

— Sejam bem-vindos, o Sr. Palhares está os aguardando logo aqui, me acompanhem.

Forço os meus pés a darem um passo em seguida do outro, ignorando totalmente todas as memórias que insistiam em me infernizar.

Renan e eu seguimos, sendo surpreendidos pela figura tão familiar nos encarando assim que entramos no espaçoso escritório.

— Quando minha secretária me confirmou a sua visita eu jurei ser uma piada de mau gosto da parte dela.
Fernando estava sentado do outro lado de seu escritório, acomodado em sua majestosa cadeira de couro exibindo um sorriso tão convincente que eu poderia ter certeza de que ele já sabia do real motivo da minha vinda.

— Sr. Palhares.

— Jão Romania.
Ele brinca com meu nome em seus lábios.

— Suponho que você seja o Renan?

Meu amigo educadamente confirma o cumprimentando.

— Posso imaginar que a vinda até aqui é um mistério para o seu pai.

Decido ignorar o seu jogo de palavras e simplesmente ir direto ao assunto.

— Estou saindo da Sound Company.

— Está saindo da gravadora do Carlos? Do seu pai?

Confirmo.

Um breve sorriso salpica de seus lábios, ele estava completamente fascinado pela mais recente novidade, poderia até sentir os seus pensamentos gritando daqui.

— E está disposto a continuar a sua carreira com a minha gravadora, eu suponho.

— Sim.

Rapidamente algo muda em seu semblante, como se ele estivesse lembrado de algo que passou despercebido, com sobrancelhas franzidas o homem me encara tentando entender toda a situação.

— Vocês estão aprontando, vocês dois e seu pai. Não sou criança, João Vitor.

Renan adota uma postura mais séria se curvando para frente.

— Porque faríamos isso?

— Para jogar a minha gravadora na lama.
Sua convicção era tão grande que eu mesmo duvidei das minhas reais intenções.

— Isso não faz o mínimo sentido, estamos mais preocupados na carraira do Jão, você pode imaginar o porquê disso.

— Li as últimas notícias.

— E então?

— Mas por que sair da Sound Company? Você está envolvido em algumas coisas recentemente mas nenhuma delas implica na gravadora.

Suspiro impaciente.

— O assunto não é esse.

— Então por que eu deveria assinar qualquer contrato com a família do meu inimigo? Você pode ser muito pior que ele, não confio nenhum um pouco em vocês.

— Por que eu sou diferente do meu pai. Olhe, eu não vou nenhum pouco com a sua cara, você é tão podre quanto o meu pai, mas eu sou um adulto e sei separar a minha vida profissional da pessoal. Se eu vim aqui, Fernando, é porque Renan e eu vimos uma oportunidade que favorece a minha carreira, não estou implorando para assinar um contrato só estou mostrando o meu interresse, não seja tão prepotente assim.

Nos encaramos por um grande período de tempo, travando uma pequena guerra.

E então sou olhar desvia, ele se levanta dando a volta em sua mesa até parar ao meu lado. Fico em pé me impedindo de me sentir inferior a ele.

— Nos encontramos amanhã de manhã aqui, irei mandar o meu advogado trazer os papéis e discutimos melhor a decisão.

Fernando estende a mão para mim na esperança que eu a aperte.

Olho para o meu empresário, e quase que imperceptível ele ascena confirmando.

Só então estendo a mão apertando a do homem.

A curiosidade dentro de mim me invade, eu daria tudo para saber em que momento ele mudou tão ligeiramente a sua decisão, ele parecia convicto demais para mudar a ideia tão abruptamente.
 
Deixo o questionamento de lado, pelo menos por um breve instante enquanto o celular de Fenando toca em cima da sua mesa.

O homem chacoalha a cabeça assim que avista o seu celular.

— Perdão, preciso atender.

Ele rapidamente atende a chamada.

Poucos segundos depois um sorriso estende o seu rosto de um canto ao outro e seus olhos ficam marejados.

Era desconfortável ver aquele homem sorrindo genuinamente ao ponto de praticamente chorar,  não quero soar como um megero mas cresci escutando constantemente uma série de histórias sobre como ele e sua ganância destruíram tudo que ele e meu pai tinham construído juntos, era praticamente como enxergar o vilão do seu filme favorito fazendo algo doce.

Estranho 'pra cacete.

Olho para Renan tentando desviar o olhar daquela situação esquisita.

Meu amigo encolhe os ombros achando graça na situação.

— Não se preocupe, irei te buscar...
Fernando faz uma pequena pausa como se estivesse ouvindo a pessoa do outro lado.
— Claro, claro, não avisarei a sua mãe vai ser surpresa...
Ele faz outra pausa.
— Também te amo meu filho.

Tento processar toda a informação que eu tinha acabado de escutar.

Mais estranho do que ver o homem da minha frente chorar, é ouvir a sua declaração para o próprio filho.

Fernando tinha três filhos pelo que eu lembrava, os dois mais velhos eu nunca tive muito contato, mas existia Pedro, e pelo o que minha memória não falhava ele não era o pai mais carinhoso do mundo, na verdade ele era bem amargo as vezes.

Não gosto muito de tocar nesse assunto, ele realmente era uma pessoa importante para mim e é triste lembrar a forma que nos separamos.

Só então quando a chamada se encerra que Fernando volta a sua atenção para mim.

— Nos vemos amanhã então?
Pergunto.

— Isso.

E então Renan e eu nos retiramos do escritório, ele um pouco mais animado e eu um pouco mais pensativo do que quando havíamos chegado.

Mas o que importava no momento era que as coisas estavam começando a dar certo, era reconfortante depois de tantos contratempos.







Meu Nêmesis - 𝐩𝐞𝐣𝐚̃𝐨.Onde histórias criam vida. Descubra agora