Capítulo 9

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      Levei tanto tempo para chegar ao acampamento que nem notei que havia amanhecido. O sol começava a arder, mas eu não achava o Hak. Eu estava ansiosa para contar a novidade, mas onde ele estava? Talvez eu tenha demorado tanto que ele foi atrás de mim? Dou uma risada, não, não poderia ser isso, mas eu não sabia onde ele estava, e não sei se gritar por aí seria uma boa ideia.
     Espero sentada pelo que parecem horas, até que acabo cochilando. Não sei quanto tempo se passou. Acordo com a voz do Hak me chamando. Abro os olhos e vejo o Hak me encarando, ele estava muito irritado. Acho que realmente demorei demais.
      — Onde você estava??
      Me levanto e me estico, dormi toda torta, sinto dores no corpo.
      — Eu andei por muito tempo, acabei entrando em uma floresta muito densa, depois voltei pra te contar a novidade, mas você não estava aqui.
      — Tu entrou na floresta e nem percebeu...?
      — Foi isso.
      — Tu comeu os cogumelos que eu disse para não comer?
      — Eu tenho uma irmã que é bruxa e a outra é ninfa da natureza, eu sei quais cogumelos são venenosos! E não, eu não comi nada.
      — Cheirou alguma coisa?
      — Eu só me distraí.
      — Não pode se distrair em uma missão!
       — Olha, tava muito chato ficar andando e...
       — Tu comeu uma folha estranha e entrou na floresta.
       — Quer me deixar falar? Seu bocó! — eu estava começando a me irritar.
      — Vai fala, cubo de gelo!
      — Olha, às vezes quando eu tô fazendo algo muito chato, — olho pra ele com olhar de zangada desafiando ele a me interromper novamente — eu acabo me perdendo em pensamentos, quase como se estivesse dormindo de olho aberto.
      Ele olha pra mim com uma cara de riso.
      — Eu entendi, Karen.
      — Ah, que bom!
      — Mas tu lembra pra onde fica essa floresta?
      — Perfeitamente.
      — Certeza?
      — A irmã com péssima memória é a May.
      — Você também!
      — Você quer ir ou não?
      — É, vamos lá conferir.
      Ele levanta e começa a andar, eu sigo na direção da floresta e ele me segue.
      — Como estamos com a comida?
      — Ah, Karen!! Não me diz que tá com fome de novo!? — ele diz em um tom desesperado.
      — Um pouco na verdade — ele arregala os olhos.
      — Tanta folha por aí!
      — É venenoso!
      — Tu não morre!
      — Mas eu sofro! Não morro mas fico sentindo todos os efeitos!
      Lembro de quando caí do prédio e me recordo de cada dor.
      — E a terra?
      — É sério?
      — Rico em nutrientes!
      — Você andou comendo terra foi?
      — Eu não!
      — Depois eu que sou a brisada né?
      — É!
      — É que temos que pensar em outras fontes de alimento.
      — Já pensei nisso.
      — Que ótimo, então me diz sua ideia!
      — Vou assar você!
      — É o que?
      — Tem razão deve ter um gosto ruim.
      — Hak?
      — Hmmm? — ele ri.
      — Tu tem demência né?
      Após uma caminhada longa e muita conversa chegamos na floresta que eu tinha achado. A noite tinha chegado trazendo ventos frios e deliciosos. Hak e eu paramos e olhamos para a imensidão á nossa frente.
       — Tá legal. Fica aqui que eu vou sobrevoar, só pra ter certeza que não tem nada demais.
      — Ficar aqui? Parada?
      — Tu tem asa? — ele me olha de cima a baixo e reviro os olhos pra ele.
      — Posso conseguir asas com algumas palavras.
      — Tu não sabe nem rimar! Agora fica aqui, senão agente vai se desencontrar e vamos perder nossas coisas.
      Concordo muito a contra gosto e fico parada esperando. Ele abre as enormes asas e levanta vôo. De onde estou, consigo ouvir o bater de suas asas que aos poucos vai soando mais longe, dou uma olhada lenta ao redor e cruzo os braços. Eu odeio esperar. Eu sempre fui de buscar, de ir pra cima e de fazer acontecer. Mas ficar parada esperando como uma criança, não era algo que eu goste de fazer. Após um tempo, ouço o som das asas do Hak e olho pra cima, ele me vê e pousa perto de mim, batendo a asa no meu rosto no processo.
       — Ai! Seu morcego piolhento!
       — Foi sem querer! — ele ri.
       — Achou alguma coisa? — me afasto e ele encolhe as asas, fico curiosa — Onde você guarda essas asas?
       — Não vi tudo, é uma grande floresta, mas em tudo o que olhei, tá limpo!
       Vou até o Hak e começo a olhar suas costas, encosto a mão procurando alguma abertura. Hak rapidamente se afasta no primeiro toque.
      — Sai doida! Tá fazendo o que?
      — Eu quero saber onde suas asas ficam!
      — Sai fora! Não vou te mostrar!
      — Não seja tímido! — começo a rir.
      — Vamos voltar e pegar as coisas.
      De repente tive uma ideia.
      — Tem razão Hak! — paro de rir.
      — Vamos lá.
      Hak começa a andar e sigo ele, mas aos poucos tento ficar para trás para tentar ver algo nas costas dele.
       — Você vem aqui!
       Hak se vira e pega meu braço, me colocando do seu lado. Seguro o riso e continuo caminhando.
      — Se você contar é mais fácil!
      — É uma transformação, Karen!
      — Como uma metamorfose? — sorrio.
      — É!
      — Uma transformação...
      — É!
      — As asas surgem nas suas costas!
      — É!
      — Como uma borboleta!
      — É!— ele para e se dá conta do que concordou — Não!
      Começo a rir e Hak vai pra cima de mim. Começo a correr dele.
      — Volta aqui, Karen!
      Continuo correndo e rindo, mas ele acaba me alcançando.
      — Calma aí borboleta!
      — Aaaaaaah — ele solta um rosnado feroz, acho que nunca tinha visto o Hak fazer isso.
      Eu já tinha visto o Ian rosnar de raiva, a Luise quando eu perturbava ela, e o Kieran uma vez quando nós dormimos juntos, mas o Hak eu nunca de ouvido. Paro de rir e olho no fundo dos olhos dele.
      — Uau... Você acabou de ser promovido depois dessa!
      — Tá bom. — ele me solta e continua a andar.
      — Agora você é mariposa!
      — Karen!!
      Continuo a rir e volto a correr.
      Hak rapidamente me pega e caímos no chão. Enquanto tento fugir rolamos na areia, era uma luta patética, mas era épico para nós. Já cansados, levantamos sem dizer nada e voltamos para o acampamento, completamente sujos e suados, amarelos de poeira. Arrumamos as mochilas e andamos até a floresta recém encontrada.
      — Qual o melhor lugar?
      — Um que seja perto do rio, mas não tanto, em uma clareira.
      Andamos mas não encontramos uma clareira. Ao invés disso encontramos uma caverna que era espaçosa, mas bem escondida. Averiguarmos e encontramos insetos que moravam ali.
      — Aaaaaaah!
      Eu gritava a cada aranha que via, e sentia náuseas com as enormes lacraias. Hak pisava e queimava cada uma. Saio e uso o canivete para apanhar algumas plantas que serviriam de vassoura. Fiz tudo de maneira improvisada, mas funcionou.
       — Tadan!
       — Olha! Até que sabe fazer alguma coisa!
       — Cala a boca! — coço meu braço.
       — Varre aqui. — ele aponta.
       Começo a limpar, retirando algumas folhinhas e insetos mortos. Eu sentia uma coceira chata no meu corpo, e quando olhei, eu tinha manchas vermelhas.
       — Hak...
       Ele olha pra mim e seu queixo cai. Em seguida ele solta uma gargalhada.
       — A vassoura né?
       — Sim...— a coceira começava a surgir no meu rosto.
       — Eu deveria prestar mais atenção quando a Maggie começar a falar de mato, né?
       — Sim. — ele continua rindo e limpando— Primeira vez que te vejo com tanta cor! Branco e vermelho! — ele ri.
       — Você também é branquelo!
       Após muita limpeza, temos uma ' caverna, doce caverna ' e eu toda inchada.
       — Vamos dar um jeito em você.
       — Ah obrigada Hak!
       Ele começa a colher umas plantas e amassar sobre uma das pedras da caverna. Tinha um cheiro horroroso.
      — Vem cá.
      — Ah não... — enrugo o nariz.
      — Agora é só passar onde tá coçando.
      — Então tá...
      O problema é que a coceira tinha se espalhado por todo meu corpo. Tiro a blusa ficando apenas de sutiã.
      — Aaah que nojo Karen!
      — Para de mimimi! Até parece que nunca viu uma mulher de sutiã na vida.
      — As outras mulheres são gatas!
      Dou risada e começo a passar a pasta fedorenta. Passei no rosto e nos braços e na clavícula também, começo a passar nas costas, mas não consigo alcançar alguns pontos que coçavam pra caramba!
     — Taaa, deixa que eu te ajudo!
     Hak me faz virar e passa a pasta nas minhas costas, ele esfrega aquele geleia fria, e a coçeira começa a aliviar. Ele trás alguns cogumelos e assa para nós. Colocamos sal para dar sabor, e quando tenho certeza que estou sequinha, vamos dormir. Recuperar as energias para andar no meio do nada amanhã.
    
     
     

     
      
     
      

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