Capítulo 15

16 5 38
                                    

      Toc toc...
      Ouço alguém batendo na porta. Meu corpo para na hora. Olho para a porta, de onde mais batidas saem. Preciso pensar em um plano rápido. Pois sei quem são.

      Após muito tempo espiando, uma chance apareceu. Precisávamos descobrir o que há na casa desse homem e o que acontece nas reuniões. Mas ele simplesmente nunca saia. Mas hoje, o homem tinha finalmente saído. A porta estava trancada, mas eu consegui abrir. Mas agora, os dois caras estão lá fora batendo na porta. Esperando que o homem abra para eles. Mas quem está dentro da casa sou eu!

      Instintivamente pego o que tem de mais valor por aqui, alguns pães doces, entro no quarto de maneira  silenciosa. Eles continuam batendo. Minha barriga ruge ao sentir o cheiro do pão. Eu estou salivando! Depois de dias catando frutas e até mesmo ter comido um lagarto assado, ter um pãozinho, mesmo dos mais simples, é como um banquete.
     — Acho que ele saiu Phil.
     — Mas ele nem nos avisou.
     — Talvez ele esteja dormindo.
     — E se... Ele tomou o veneno?
     — Por que ele faria isso, seu animal?
     — Não sei...
     — Bate de novo, mais alto dessa vez.
     Eles cochicham e continuam batendo. Isso já não é culpa minha, o cara que saiu. Mas eu também preciso sair daqui. Se o homem chegar eu estarei frita!
     — O que estão fazendo aqui? — uma voz diferente aparece, deve ser o cara que saiu.
     — Temos novidades, senhor, mostre a ele Phil.
     — Aqui fora?
     — Sim, seu besta quadrada! — às vezes sinto dó do medroso.
     — O rapaz tem razão, se é algo importante, temos que entrar.
     Ouço a porta ser aberta. Devagar, me escondo atrás da porta. Era um lugar muito óbvio, mas eu não consigo pensar em um lugar melhor. De qualquer forma, se o cara me ver, eu apago ele. Ouço passos e ranger de madeira, parece que estão se sentando à mesa. Ouço mais alguns ruídos que parecem ser de mais alguma coisa abrindo.
     — Estamos avançando rápido na sintetização. Já criamos um pouco...
    Controlo a respiração para ouvir toda a conversa.
     — Está pronto para o primeiro teste, senhor.
     — Muito bem... Vou levar isso aqui ainda hoje. Vocês serão recompensados em breve.
     — Podemos ir junto senhor? Eu gostaria muito de ter a oportunidade de conhecer as espécimes.
     — Vocês ainda não podem, mas continuem se esforçando.
     — Estamos nós esforçando há um ano, senhor! — a voz do medroso Phil, agora soava mais alta.
     — Ainda não é o suficiente! — o homem esbravejou. Parece que a parceria não era boa.
      — Eu concordo com o Phil, faz muito tempo que estamos trabalhando nisso, junto com vocês! Deixamos nossa casa pra ajudar vocês! Vocês nós prometeram fortuna e poder! Mas até hoje só fiz tirar veneno de aranha e cobra como se fosse ordenha de vaca!
     — Já chega! — o dono da casa bate a mão na mesa e me assusto. Tenho certeza de que o medroso e o irritado também se assustaram — Se eu ouvir, mais uma reclamação, falo com a Ordem para 'tirar' vocês do plano! Entenderam?
      Houve um silêncio perturbador na casa.
      — Entenderam?— ele repete, mas algum pigarro faz sua voz falhar e soar muito mais engraçada do que assustadora. Não consigo resistir e o riso vem, tento segurar, mas, a risada ecoa pela casa. Oops.

      Sou a pior espiã do mundo! Eu simplesmente acabei de soltar uma alta e longa gargalhada na casa do inimigo. Eu tento segurar e respirar, mas a porta é aberta e o cara entra. Aqui não havia nada que eu pudesse fazer, eu vou ser pega. Talvez vão me torturar e fazer perguntas. Paro de rir, paralisada pelo medo. Eu tô muito ferrada!

      O homem está de costas para mim, posso ver que usa roupas de soldado e a cabeça raspada. Eu ia ser pega com pãezinhos na mão. Talvez ele pense que sou uma ladra de comida. Eu não tenho posse total dos meus poderes de gelo e sequer posso fazer algum feitiço. A única coisa que vem à minha mente, é a minha mente. Não sei se isso vai funcionar, mas tenho que tentar. Aproveito que o cara não se virou para mim e faço uma conexão mental com ele, eles riram da sua voz,  sussurro na mente dele. O homem toma um susto e pressiona a cabeça com as duas mãos, com força. Volte de costas e pergunte do que estão rindo. Só meu pai poderia ter o controle mental de alguém. Eu consigo apenas conversar, mas eu precisava arriscar. Uma voz na mente como se fosse um pensamento, e o choque da ligação psíquica deveria deixar ele confuso. Ele retorna a sala sem me ver. Parece que funcionou!
      — Vocês... Riram de mim...? — ele soa quase como um bêbado.
     Ouço passos dos caras próximo ao quarto. Dois de vez! Tento fazer a mesma coisa. Respiro fundo e consigo criar uma linha com os dois, bem na hora em que um deles colocou o pé no quarto. Respiro novamente e tento fazer o mesmo. Nós rimos da sua voz. Acho que eles se movem. Nós rimos da sua voz. Nós rimos.
     — Nós rimos da sua voz. —  eles repetem em coro.
     Eu me sinto cansada, mas não posso deixar que se lembrem de mim. Eu não sei apagar mentes como meu pai. Mas Luise disse que só falo lorotas, era hora de falar algumas. Faço ligação mental com os três e sinto cansaço novamente.
      — Já chega! — relembro a voz do capitão com rouquidão, repito as risadas, mas na voz do irritado e do medroso. Preciso sentar... Sussurro na mente deles com veemência, ouço passos arrastados e som de cadeira de afastando. Caminho devagar até a sala ainda mantendo o contato psíquico. Eles se sentam. Saio da casa e fecho a porta. Só então quebro a ligação psíquica. Olho para longe mas tudo começa a ficar branco, sinto uma dor muito forte na cabeça e tontura. A última coisa que me lembro é do rosto do Hak.

                              Hak.

     Karen entra na casa e eu começo a seguir o cara. Pelo porte e jeito de falar, parece ser um soldado, talvez um capitão aposentado. Ele usa roupas verdes de camuflagem e tem a cabeça raspada. Mas é possível ver que tem cabelo grisalho. Espero que ele me leve a alguma boa pista. Mas ele apenas anda por ali. Ele para em um lugar e olha para o céu. Depois volta a andar. Então ele se aproxima de algumas pedras e levanta uma delas. Me aproximo sobre os galhos lentamente e vejo em sua mão um objeto. O reflexo do sol bate no objeto fazendo a luz bater no meu rosto. Mudo de ângulo e vejo melhor. Ele tem um telefone!
     Ele disca alguns números, pelo som reproduzido consigo descobrir que número é, anoto mentalmente.
      — Bom dia Erik, estou com quase tudo pronto aqui, deve terminar hoje... Sim... Sim... Devo entregar amanhã... É claro... Sim, sim... Sem problemas... O que faço com os dois caçadores de inseto? Sim, sim, entendi... Perfeitamente...
      Ele passa um bom tempo apenas ouvindo, ou esse Erik falava demais ou ele estava em uma lista de espera.
      — Até mais Erik.
      O homem começa a retornar. Eu espero que a Karen já esteja bem escondida. Retorno rápido para ver se ela ainda está lá dentro ou se já saiu. Provavelmente se houver comida, ela deve estar lá. Mas quando chego perto, os dois patetas se aproximam da casa e batem na porta. Espero que a Karen não abra a porta para eles, é tudo o que peço. Eles conversam e continuam batendo. Preciso saber se a Karen ainda está lá!
      Tento pensar em uma forma de distrair os caras, eles parecem estar brigando. Mas a casa está silenciosa, não há como saber se ela já saiu. O capitão retorna e conversa com eles. Eles entram na casa e então desço ao chão, permanecento entre os arbustos. Procuro com os olhos, por algum sinal, alguma pista mal feita que ela tenha deixado.

      Sem sucesso me aproximo da casa e fico na parte de trás da casa. Talvez a Karen tenha se escondido em algum lugar por aqui. Ouço sons abafados do que parece ser uma confusão. Os ruídos aumentam e então me aproximo um pouco da parte da frente. A conversa para de forma abrupta, eu paro na mesma hora. Há um silêncio. Alguns passos e depois silêncio. Novos sons de passos e o silêncio dessa vez permanece. Tudo está muito quieto. Nenhum barulho se segue. Será que um matou o outro? Parecia absurdo demais. Penso em voltar para a caverna, afinal, não vi nenhum sinal da Karen por aqui. Ou talvez ela tenha sido pega. Essa é a hipótese que parece ser mais provável, Karen sempre foi desastrada... Se ela foi pega... Achei que seria mais fácil ela espionar uma casa vazia, mas não imaginava que o capitão voltasse tão rápido. Mas se ela foi pega... Sem poder usar todos os seus poderes, ela pode ser torturada... Se algo acontecer com ela, o Josh vai me matar!

      O desespero toma conta de mim por uns segundos. Tento pensar. A Karen é realmente um desastre total mas o Josh não colocaria ela nessa missão se soubesse que ela poderia falhar. Imagino onde ela pode estar.
      Penso em uma forma de abrir a porta de maneira silenciosa. Ou entrar pelo telhado. Mas ouço outros passos, dessa vez, passos arrastados. Ouço barulho de madeira sendo arrastado no chão. Uso meus dons de ar para subir até o telhado. Coloco a mão na estrutura e ouço mais passos arrastados. Dessa vez também ouço o barulho da porta sendo aberta. Me aproximo e ouço alguém sair com dificuldade. É a Karen!

       Ela sai e pelo jeito que anda não parece bem, ela olha ao redor e pelo movimento que faz, parece estar prestes a desmaiar. Desço do telhado bem a tempo de pegá-la antes que caia no chão. Olho rapidamente para trás e seguro ela firme em meus braços ela está segurando um pacote com pães doces? Não penso muito, apenas a levanto e seguro ela e os pães. Corro pela floresta desviando dos obstáculos. O céu está laranja, a noite está caindo sobre nós. Quando chego na caverna, estava tudo completamente escuro, mas eu podia ver a lua entre as folhagens e galhos.
      Chego na caverna e pego o saco de dormir dela. Estico no chão e coloco ela cuidadosamente sobre o saco de dormir. O pacote escorrega de seus braços. Verifico as vias aéreas dela, a respiração está lenta, mas há respiração.
     — Ela saiu... E depois desmaiou.
     Mas o que fez ela desmaiar? Olho para seus lábios carnudos em busca de algum vestígio de algo que ela pode ter bebido. Nada. Procuro sinal de pancada na cabeça, solto a corda e seu cabelo praticamente explode na minha cara.
     — Como alguém pode ter tanto cabelo?
     Sua pulsação também está lenta, sentir a veia do seu pescoço sob meus dedos me dá uma vontade de mordê-la. Não vejo nenhum sinal de machucado nela. Examino tudo mais uma vez. Abaixo o zíper da roupa até um pouco acima dos seios pra que ela respire melhor. Se eu abaixar mais ela pode ter uma ideia errada de mim.
    — Vamos lá folha de papel... Acorde!
    Dou tapas leves em seu rosto.
    — Acorda sua patricinha branquela mimada!
    Sacudo o corpo dela, mas ela simplesmente não acorda. Paro e analiso de novo.
     — Acho que ela aproveitou para dormir.
    Coloco as mãos no rosto frustrado. O que aconteceu lá dentro? Por que ela não acorda?

O doce sabor dos insultos Onde histórias criam vida. Descubra agora