Estou doente? sonhando? tendo um surto psicótico?

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Point of view Marília.

Nunca alguém falou comigo como Maraisa fez ontem à noite, não um colega, não outro frequentador do hospital, e, definitivamente, não um assistente cirúrgico. Reconheço que,
no início, fiquei impressionada por ela ter coragem de usar esse tom comigo, mas o choque e o constrangimento deram lugar a uma dose saudável de interesse e, curiosamente, uma pequena dose de respeito. Eu não consigo tirar o discurso dela da minha cabeça. Eu deveria ter prestado mais atenção a ela antes que ela saísse. Lembro-me dela sendo pequena em comparação ao Dr. Lopez. Lembro-me da sensação de sua mão delicada apertada no meu corpo. Mais importante, eu me lembro de suas palavras afiadas.

Eu sempre achei que eles estavam exagerando o quão terrível você é, mas acontece que eles estavam certos.

Não lhe faltou ousadia. Eu tenho que admitir.

Na manhã seguinte, encontro Naiara em sua mesa lendo uma revista de tricô e pergunto pelo arquivo da funcionária Maraisa. Ela faz uma pausa, virando o meio da página, e então ela olha para mim por cima dos óculos de leitura.

— Para quê você quer isso? — Ela pergunta com uma ansiedade mal disfarçada. — Eu gosto dessa garota. Não vá fazê-la desistir.

Eu reviro meus olhos. — Apenas dê para mim.

É raro Naiara gostar de alguém. Se ela sente a necessidade de defender Maraisa, isso já fala muito sobre seu caráter.

Ela resmunga um pouco mais e então relutantemente se levanta para recuperar o arquivo do RH. Quando ela traz para o meu consultório alguns minutos depois, eu tenho que puxar com força para tirar da mão dela.

Agradeço a ela e coloco o arquivo aberto em minha mesa. Nao sei o que espero encontrar - um dossie delineando sua vida? Detalhes sobre seus gostos e desgostos? Existem apenas algumas páginas. Aprendi seu nome completo: Maraisa Pereira e sua idade: 26 anos. Pelo pouco que me lembro, ela parecia mais jovem na noite passada.

Eu examino seu endereço e de repente sinto que estou perseguindo-a, mas na realidade, qualquer empregador faria isso. Eu quero saber mais sobre a pessoa que estou pensando em contratar. Sobre a educação, diz que ela terminou alguns anos de faculdade antes de desistir, optando por concluir um programa de assistente cirúrgico. Eu viro para a última página e na parte inferior, percebo que não há ninguém listado como seu contato de emergência. Há apenas algumas letras riscadas como se ela tivesse começado a escrever antes de pensar melhor.

Essa linha em branco é um tiro para o meu coração frio e insensível.

Eu fecho o arquivo e empurro de lado. Bebo meu café, procuro e-mails. Abro o arquivo novamente, releio o endereço dela e digito no Google Maps. Ela não mora em uma boa área da cidade, mas também não é exatamente a favela. Eu apago meu histórico de navegação e ligo para Naiara pelo intercomunicador para pegar outra xícara de café. Ela me diz que se eu falar assim com ela de novo, vou receber uma dose saudável de veneno de rato na minha próxima xícara de café.

Eu não posso encontrar seus olhos quando ela o traz para mim. Eu não posso explicar esse sentimento enervante. É como se alguém estivesse pressionando todo o peso no meu peito e tornando difícil respirar.

Meu residente chega logo depois e eu empurro o arquivo de Maraisa na gaveta de cima da minha mesa como se estivesse escondendo um segredo sujo. Ele me trouxe café, mas eu não posso beber. Eu já tomei muitas xícaras esta manhã e me sinto nervosa. Vou ter que ir ao banheiro no meio da minha cirurgia se não tomar cuidado.

— Você teve uma boa noite, Dra. Mendonça? — Ele pergunta com uma energia alegre.

— Você não está aqui para ser meu amigo. - digo. — Você reviu o caso hoje?

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