. . . . . ╰──╮ 52. Kai╭──╯. . . . .

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Se você está sozinho nesta vida
Os dias e noites são longos
Quando você achar que já se cansou
Desta vida
Para aguentar firme
R.E.M. - Everybody Hurts

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"Nunca imaginei que teria que me despedir de você tão de repente. Nosso tempo juntos foi lindo e eu realmente acreditei que venceríamos todos os desafios, mas o destino nos mostrou que não somos capazes de fugir dele. Sempre vou valorizar as memórias que criamos, as risadas que compartilhamos e o amor que encheu nossos corações. Por favor, saiba que meu coração dói enquanto escrevo estas palavras e sei o quanto eu te feri durante esse tempo." (Início de uma carta deixada para Kai no fim do diário de Ayana)

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Eu queria chorar, mas não conseguia. Imaginava que se eu chorasse, todo aquele peso sumiria de cima dos meus ombros.

Distanciei Ayana naquela tarde. O que eu poderia fazer? Queria conseguir a resposta. Eu queria uma resposta.

Uma morte iminente provoca impacto. Quando descobrimos que a pessoa que amamos vai por decisão própria ao encontro da morte parece uma dor ainda pior. Aquela parecia ser a jornada mais difícil da minha vida.

Desespero, impotência, angústia, solidão... As paisagens a minha frente me pareciam todas sombrias e não parecia existir a luz de uma saída.

Nunca fui de me abrir com nenhum dos meus amigos, com exceção de Luc, que para o meu azar não estava ali comigo. Resolvi que mesmo assim, precisava desabafar. Procurei Aylin e Yugo, eles me ouviram com um pouco de assombro nos olhos. Era a primeira vez que eu me mostrava da maneira que realmente me sentia, fraco.

Yugo cresceu comigo nas ruas e nas ruas mostrar fraqueza era o mesmo que morrer. Aylin eu conheci não fazia tanto tempo, mas viveu infernos como nós.

Eu queria chorar, mas não conseguia...

– O que eu faço? – perguntei por fim, depois de soltar de maneira automática tudo o que eu sentia – Quero só amarrá-la e levar ela embora. Manter essa maldita barreira e que se dane os problemas daqui... é isso que eu quero fazer.

– Isso talvez combine com você – Yugo falou com a voz mais compreensiva do que eu esperava – mas não combina com ela.

– Mas e meus filhos? – a pergunta surgiu de maneira desesperada na minha voz.

– Kai – Aylin abafou um soluço – a corrente marinha não está deixando o barco sair daqui. Se quer a minha opinião, eu acho que devemos ancorar, arrumar o navio e levar Ayana a força, mas se o que ela disse sobre não ter alternativa estiver certo, seria melhor você estar preparado. Tenho a sensação de que a força do mar está obedecendo alguém no fim das contas.

– O que você quer dizer? – perguntei olhando enfim para ela. Seus olhos estavam vermelhos, indicando o quanto ela já havia chorado.

– Eu acho, que o pai das lâmias está nos puxando – ela suspirou – sinto muito, eu... eu quero ficar com os meus pais um pouco.

Ela se levantou, destroçando por completo o meu coração. Eu me afundei na minha dor e havia negligenciado a dor da minha amiga. Os pais dela estavam no navio e não sobreviveriam, muito possivelmente ela também não.

Aquela verdade me perfurou de novo a alma e a dor era tão real, que parecia superar qualquer dor física que eu já houvesse sentido.

Aylin e Ayana estavam certas, por cerca de tres dias, mesmo que ancorássemos o navio longe da costa, cada hora que passava, era possível ver com mais precisão a terra firme.

No fim, cedemos. A comida tinha acabado e ficar no navio seria morrer lentamente também.

Descemos do navio como se entrássemos no nosso próprio enterro, o que não era de todo mentira. Caminhamos em silêncio pela areia da praia e quando estávamos chegando perto do que eu julgava ser apenas árvores, eu escutei um pequeno assobio na minha direção e senti um grande impacto contra as minhas costas.

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