. . . . . ╰──╮ 27. Ayana╭──╯. . . . .

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Tua palavra, a tua história
Tua verdade fazendo escola
E a tua ausência fazendo silêncio em todo lugar
O anjo mais velho - O Teatro Mágico

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"Como eu gostaria de dar um último abraço em vocês... um sonho impossível e maluco... Nunca gostei de despedidas, então aqui eu deixo meu 'até breve'. Argus e Hagne, mandem um beijo para todos e espero vê-los do outro lado novamente." (Diário de Ayana)

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Chegamos à capital de Khur carregados de tristezas, isso era inevitável. Todas as vezes era a mesma coisa. A fileira de pessoas aglomeradas aos cantos das ruas dava um ar ainda mais pesado para a nossa chegada. Fomos em silêncio, quarteirão após quarteirão, até dar no castelo de Gotter, o lugar que deveria ser a minha residência, mas servia apenas para refugiar os cidadãos que ainda não haviam conseguido fugir da ilha.

Ao som de uma marcha bélica criada apenas com o intuito de amenizar a situação terrível que era uma guerra, percorríamos a extensão de terra tentando manter a cabeça erguida. As diversas pessoas enfileiradas nas ruas estavam anormalmente silenciosas; algumas atiravam flores à passagem do cortejo fúnebre com os poucos corpos que conseguimos recuperar. Os jovens mais corajosos se juntavam atrás dos poucos sobreviventes e levantavam algumas flores azuis, brancas e vermelhas mostrando o respeito por aqueles que haviam lutado bravamente.

Quando me aproximei do castelo, ergui o olhar para a plataforma acima, onde lorde Daneel nos esperava. Suas perdas haviam sido grandes também. Soube de algumas das suas lutas e não havia palavras para amenizar a dor do meu amigo. Mesmo assim ele havia decidido dedicar seu precioso tempo para mostrar seu respeito por todas aquelas pessoas que haviam morrido por uma causa que eu esperava que fosse nobre o suficiente para justificar tantas perdas.

Kai estava estranhamente silencioso ao meu lado. Apesar da nossa briga, ele seguiu ao meu lado e aquilo me desconcertava. Ele continuou me ajudando e me pedindo para comer. Ele parecia querer me mostrar que não importava o quanto eu o afastasse, ele estaria para mim quando eu precisasse dele. Eu sabia que aquilo podia ser pesado para alguém do outro lado, sabia o quanto uma guerra podia destruir aos poucos a alma de qualquer um, mas ele não reclamou, não desmereceu a nossa dor e nem desmoronou com a nossa derrota.

Diversas tumbas já haviam sido abertas no cemitério atrás do castelo e me dirigi diretamente para lá. Famílias que recebiam a notícia de última hora deixavam-se chorar e serem carregadas por aqueles que estavam mais fortes para fazê-lo.

Vi com o coração pesado a mãe de Trix e Argus se aproximar, ela primeiro parou na minha frente com os olhos banhados em lágrimas, talvez pensando no que fazer. Ela ameaçou a refazer seus passos, mas quando voltou seu corpo novamente para mim, eu senti o rosto arder com seu tapa. Logo senti o outro lado arder com a mesma intensidade, a intensidade da dor de perder um filho amado.

– Você o tirou de mim com suas ideias loucas de liberdade e esqueceu que não passamos de insetos nesse mundo – sua voz era raivosa e dolorida. Vi de canto de olho a indecisão nos olhos de Kai, ele parecia querer parar aquilo, mas eu pedi com a mão baixa que ele não fizesse nada – Agora ele está livre, não está, Milady? Agora ele não vai mais sentir dores ou chorar a morte de alguém próximo. Pelo menos, quando vocês deixavam esses malditos contratos acontecerem, nós tínhamos comida e nossos próprios tetos para nos proteger. Não víamos nossos filhos irem para a guerra e não perdíamos tanta gente para doenças tão banais.

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