. . . . . ╰──╮ 25. Ayana╭──╯. . . . .

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Eu não tenho muita certeza
De como devo me sentir
Ou o o que devo dizer
Mas eu não tenho, não tenho certeza
Não tenho muita certeza qual a sensação
De aguentar todo dia
Silverchair - Miss You Love

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"Seguro as lágrimas a cada segundo que passa e torço para ser forte, mas tudo o que sinto é um vazio imenso e uma solidão sufocante. Esse vazio que cresce e me consome me puxa cada vez mais para o meio da escuridão, me mostrando o quanto meu fim pode ser mais desejável do que a vida que me aguarda." (Diário de Ayana)

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Ainda com a emoção abalada, senti como meu mundo se quebrava ainda mais ao ver de maneira repentina Kai mudar. Diante de mim não estava o homem pela qual eu havia me apaixonado. Ali diante de mim estava o homem que eu havia conhecido no primeiro dia. O homem assustador que sabia que a sua palavra era lei.

Olhei os antigos nobres tumultuados com ferros derretidos prendendo seus braços que estavam em carne viva e senti um calafrio. A dor da perda seguia forte, mas destratar ainda que fossem nossos inimigos era errado. Eram seres humanos e podiam ter sido simplesmente amarrados para julgamento... ou talvez, não fosse um julgamento que Kai estivesse buscando.

"Você não enxerga o demônio por baixo da pele de um ser humano?", lembro de alguém perguntando para Nilo, mas a memória não era muito forte na minha cabeça.

Não perguntei, não inicialmente. Tentamos conseguir qualquer carroça que estivesse mais ou menos boa para carregar os corpos de tanta gente e seguimos em silêncio. Kai racionava e dividia a comida que ainda tínhamos e não falava nada, mesmo assim atendeu cada um de nós. Não deixou que nada essencial faltasse para qualquer um.

Os prisioneiros eram puxados e não recebiam mais do que o necessário para ficarem vivos. Kai não permitia mais do que isso, não permitia conversa com eles e de repente eu vi como o meu posto ali já não valia nada. Mesmo que me ouvissem, eu via nos olhos de cada um ali que a palavra final era de Kai e não minha.

– Kai – depois de pelo menos três dias resolvi chamá-lo. Era uma sorte que chegaríamos na manhã seguinte, porque infelizmente os corpos começavam a cheirar mal – O que irá fazer com os prisioneiros? Eles irão morrer desse jeito.

– Vou conseguir respostas – ele falou de maneira categórica e cortante.

– Vai torturá-los? – de repente senti todo o corpo tremer.

– É uma ótima definição para o que eu irei fazer – ele respondeu jogando um pedaço de madeira na fogueira que havíamos feito.

– Você não pode fazer isso – falei ainda com os olhos arregalados – eles têm o direito de irem a júri.

– Eu não dou a mínima para o direito deles – ele me olhou com raiva e eu dei dois passos instintivamente para trás – então, eles têm direitos por eu ter mantido eles vivos?

– Não – tentei não recuar mais – mas não morreram em campo de batalha, então eles têm direito a um julgamento.

– É isso que você repete para você mesma quando lembra dos nobres que você matou? Que não tem problema porque estavam em campos de batalha?

– Eu nunca torturei ninguém! – gritei deixando minha frustração por vê-lo daquela maneira sair – eu não sou assim.

– Mas eu sou – sua voz seguia moderada, não havia subido ou se alterado em nenhum momento apesar da raiva em seu olhar – e volto a dizer, não me importo se eles têm ou não esse direito. Eu não vou levá-los a um tribunal para que um bando de gente que ficou na segurança das pedras de um palácio possa julgá-los.

– Você não pode ir contra a lei – falei mais alto no desespero.

– Eu sou a lei – ele enfim gritou – você me lembrou disso várias vezes e já que me empurraram para um trono e uma guerra que eu não tinha o mínimo interesse, então agora as coisas serão do meu jeito e eu não faço julgamentos para lixos.

– Eu entendi – falei ao me dar conta do óbvio, eu esperei que ele fosse diferente, mas ali estava a verdade – você me deixou claro que não se importava com o que eu ou a minha gente pensava e eu tentei me enganar achando que isso não era verdade.

– Sinto muito ter te desapontado – ele grunhiu – nunca menti sobre quem eu sou.

– Não – minha voz saiu triste – eu que peço perdão, majestade. Por ter esquecido o meu lugar.

Ele forçou o maxilar, mas independente do que ele iria falar, eu não estava disposta a ouvir. Me reverenciei como eu deveria fazer e saí de perto dele. Nossas ideias não eram iguais. Eu sonhava com um mundo livre e ele pelo visto não ligava de usar seu poder como rei para que a sua vontade fosse cumprida. Eu não sabia dizer quem estava certo, se eu ou ele. Talvez os dois estivéssemos errados, mas ele havia me deixado claro ali quem ele era perante mim e aquelas palavras me doeram muito mais do que eu gostaria de admitir.

Dois mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora