SUPERNOVA

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Natasha morreu dez anos depois.

Era um dia ensolarado.

Lembro de ter ficado a noite inteira olhando para seu rosto, guardando cada centímetro dele na minha memória. Cada sarda que pareciam constelações em suas bochechas. Cada detalhe. Que eu me lembraria para toda a eternidade.

Sempre me lembrarei de cada mancha de verde em seus olhos. De cada ponto de suas cicatrizes. Das linhas de cálcio em suas unhas. Seus dentes tortinhos. Eu sabia a posição exata de cada um deles. Nunca esquecerei do cheiro de amendoim dos seus cabelos. As machas em seus tons de ruivo, que eram como as manchas de Júpiter. Como ela ficava igual a Marte quando usava vermelho. E como ela desapareceu da minha vida como os anéis de Saturno iriam um dia.

Sempre me lembrarei da explosão galática que acontecia em mim toda vez que eu a via. Da sua respiração difícil e ruidosa. Das suas lágrimas e expressões de dor de incontáveis noites no hospital. Cada vez mais no último ano. Nunca esquecerei que Natasha ama pôr do sol, comer  hambúrguer na minha picape, do seu sonho de patinar nos anéis de Saturno. Sempre me lembrarei de Natasha segurando nossa filha, Star.

A coisinha que mais amo no mundo inteiro. Uma menininha de quatro anos de idade. Que tem sardas, cabelos ruivos. e olhos verdes. Cheira a amendoim e gosta de sentar comigo e olhar as estrelas. Tem o temperamento complicado, chora quando assiste filmes tristes da Disney e gosta de animais.

Nick está com ela agora.

Ele ficou com ela essa noite, quando, chorando, ele deu adeus a filha. Natasha disse que não era um adeus, e sim um até logo. E então fez uma piada, disse que era até logo porque ela ia puxar a perna dele de noite.

Nick sorriu.

Beijou o topo de sua cabeça.

Olhou pra ela uma última vez.

Fechou a porta.

Uma lágrima caiu do rosto de Natasha. Naquela noite, forcei as lágrimas a não rolarem. Meus últimos momentos com Natasha seriam felizes. Esperei ela acordar naquela manhã. Natasha abriu os olhos, olhou para mim.

Eu dei um sorriso leve.

Ela assentiu para mim. Era hora.

Toquei a campainha da enfermeira. Uma hora depois eu carregava Natasha nos braços pela praia de Miami. Ela estava fraca, mal respirando. Eu carreguei ela até o mar, a deitei na areia macia. As ondas vieram e tocaram seus pés. Natasha encarou o céu brilhante e azul enquanto eu me sentei ao seu lado, segurando sua mão. Naquela hora as lágrimas começaram a escorrer silenciosamente.

Natasha me pediu para colocar sua música preferida. A que dançamos em nosso baile. Eu obedeci e deitei ao seu lado, abraçado ao seu corpo enquanto ela olhava para o céu, com as ondas tocando nossas pernas. Eu só conseguia olhar para ela, observando seu peito subindo e descendo lentamente. Ela não conseguia respirar sem a cânula já tinha alguns anos.

- Pode me contar sobre o Sol? - ela pediu.

Engoli em seco.

- Sol é composto a maioria por hidrigênio e hélio... - murmurei, com a voz embargada. - E ele é na verdade branco, nós o vemos laranja pela dispersão dos raios na atmosfera.

Ela fechou os olhos.

- Como outras estrelas, ele é uma esfera de plasma que se encontra em equilibrio hidroestatico entre... as duas forças principais que agem em seu interior. Em sentido oposto ao núcleo solar, estas forças são as exercidas pela pressão termodinâmica produzida pelas... altas temperaturas internas.

Ela puxou o ar com mais força e fechei os olhos, com as lágrimas escorrendo.  

- Continua falando, Steve. Está tudo bem.

- O Sol é uma estrela da sequência principal que contém cerca de 99,86% da massa do sistema solar.

Ela engasgou de leve sob meus braços e a melodia da música ainda tocava, caíndo sobre nós como minhas lágrimas.

- O sol pode ter se formado por ondas resultantes da explosão de uma ou mais supernovas. A maior parte dos metais foram provavelmente... produzidos por reações nucleares que ocorreram em uma supernova antiga.

Natasha tentou respirar. Não estava conseguindo. Eu queria parar, queria impedir o que ia acontecer, mas era como impedir o sol de se pôr.

- A único jeito do sol manter seu hidrogênio em si é queimando a milhões de graus celsius. Mas lentamente ele vai esfriando, e isso não vai ser mais possível. Nesse dia o sol vai morrer.

Fechei os olhos mais forte.

- Como toda estrela, ele vai explodir e todos vamos morrer. Seu brilho poderá ser vista por dez mil anos. Formará uma Nova visível por todo o universo.

Senti Natasha parar de respirar.  

- Ele vai explodir. A maior Supernova de todas.

Abri os olhos. Uma lágrima escorria lentamente pela lateral de sua cabeça, vinda de seus olhos verdes abertos eternamente, sem vida encarando o céu. Os soluços tomaram conta de mim e abracei seu corpo com mais força. Eu chorei por horas abraçado a ela, mesmo com o sol, Natasha ficou gelada em meus braços.

Por fim, as lágrimas morreram em mim. Não sobrou mais nada para chorar. Olhei para o céu também, ainda segurando sua mão.

A maior Supernova de todas.

(...)

Respirei fundo e saltei.

Assim que senti meu corpo voar, a mais completa alegria tomou conta de mim. Soltei todo o ar que segurava, começando a rir sem controle enquanto flutuava. O universo rodava pela janelinha do meu traje de astronauta, eu podia ver as estrelas passando.

Sabia que Natasha era uma delas.

Não tinha nenhuma palavra para descrever o sentimento de se estar no espaço que não fosse Estrelacioso.

Aquilo era Estrelacioso.

Uma gigantesca bola azul entrou em meu campo de visão e as lágrimas rolaram. Chorei como um bebê vendo a Terra pelo lado de fora. Aquela bola azul e insignificante de elementos químicos que flutuavam num vazio eterno e gigantesco que é o universo.

Efêmeros. Minúsculos. Poeira cósmica.

É o que somos. Mas também somos estrelaciosos. E isso é extraordinário.

Meus dedos encontraram a urna, abrindo-a lentamente de frente para mim. Observei as cinzas de Natasha brilharem com a luz intensa do sol, como glitter. Lentamente, os últimos vestígios da forma física de Natasha voaram com liberdade pelo espaço. Minúsculos pontinhos brilhantes, como vemos as estrelas da Terra. Ergui a mão entre as cinzas brilantes, misturando-a com aquilo.

Era tão lindo.

Como Natasha.

Senti que ela estava ali. Me observando. Me abraçando com seu amor eterno. Agora quase tudo que restava dela fazia parte do universo, para toda a eternidade.

Toda vez que eu olhava para Star, eu via Natasha.

Elas eram idênticas, e sei que ela vai viver para sempre nela.

E em meu coração.

Inspirado nela foi o tema do meu doutorado que me colocou na NASA, a frente do programa espacial.

Supernova: morte catastrófica de grandes estrelas.

Supernova - RomanogersOnde histórias criam vida. Descubra agora