17 - Conexão

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Marcelo

Pergunto para a Bia aonde vamos e ela faz mistério. Apenas confirma o Uber sem me deixar ver o destino, mas acabamos num restaurante sofisticado na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas.

- Eu sempre quis jantar aqui. - admite, ao descermos do carro.

- Por que nunca viemos?

Ela olha ao redor.

- É meio romântico, né? Não fazia muito sentido a gente vir.

Dou risada e a abraço.

- Sempre fez sentido, a gente é que perdeu tempo.

Somos direcionados à nossa mesa e escolhemos uma taça de vinho tinto enquanto nossos pratos são preparados.

Sinto que Bia me trouxe aqui porque precisa falar de nós e quero muito que se sinta confortável para dizer o que quiser. Mas enquanto ela comenta qualquer coisa aleatória, me lembro daquela vez em que fez esse mesmo convite e fomos almoçar juntos. A vibe era diferente... Era uma Bia entusiasmada, vibrante. Naquela época eu não fazia ideia do que tinha em mente, mas sabia que estava vivendo o seu melhor momento, sendo mãe da Bê.

Hoje não existe mais aquele entusiasmo. Ela não vibra mais faz muito tempo e quando o Rafael deixou transparecer o quanto desconfia que a morte da nossa filha foi fraudada, muita coisa pareceu fazer sentido na minha cabeça.

A principal delas é essa negação da Bia. Quando ela perdeu o pai, só tinha sete anos e enquanto eu, no alto da minha maturidade dos doze anos tentava explicar que o Elias não voltaria mais, ela deitou em meu ombro, triste, chorando, mas consciente de que ele tinha partido e me disse:

- Ele morreu, eu sei. Nunca mais vou vê-lo de novo. - e passou algumas semanas numa tristeza sem fim, mas logo voltou a reagir.

Com a Bê não teve isso. Nas primeiras semanas ela praticamente viveu à base de calmantes e não podia mesmo raciocinar, mas depois ela encasquetou que a Bê não tinha morrido e nunca mais tirou isso da cabeça.

- Está me ouvindo? - ela interrompe minhas lembranças, tocando em meu braço.

- Oi! Me distraí... Desculpe.

Ela me encara com esses olhos azuis que eu amo tanto, tentando entender o que me fez não prestar atenção nela.

Dessa vez quem se distrai é ela ao ver chegar um casal com a filha. Acho que é a única criança aqui e a menina parece feliz em comer em seu restaurante favorito - é o que a pequena acabou de dizer ao garçom.

Ela deve ter uns cinco ou seis anos. Não tem as características da Bê, mesmo assim vejo Bia suspirar ao ver a mãe cochichar algo no ouvido da filha e as duas riem, apontando para o pai.

Bia disfarça e tenta abstrair, puxando uma conversa qualquer, mas sei que passou um filme em sua mente. Ela sente que está perdendo o crescimento da nossa branquelinha e isso a deixa atordoada.

Nossos pratos chegam e ela se desliga um pouco da família feliz ao lado.

Depois do jantar, alugo um pedalinho na Lagoa e enquanto pedalamos, toco no assunto proibido:

- O que sente de verdade em relação a Bê? Que certeza é essa que você tem? Sei que já falamos disso há algum tempo, mas eu tinha outro ponto de vista.

Ela para de pedalar e recosta no banco. Suspira e responde:

- Não sei explicar. Quando percebi que estava com a menstruação atrasada e que podia estar grávida, não precisei de muito tempo pra sentir a Bê dentro de mim. Eu sabia. Tinha uma certeza absurda de que não era mais só eu, tinha alguém morando em mim. Eu levei três semanas para encarar um teste, mas a resposta estava clara para mim desde antes dos sintomas surgirem. Eu sentia a Bê! A presença dela, a energia dela... Só sei que eu sentia. E eu nunca deixei de sentir.

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