3 - Seguindo em Frente?

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Marcelo

Não consigo assimilar tudo isso que aconteceu. Depressa demais, cruel demais. Ontem eu tinha uma filha. Hoje tenho um pote de cinzas. Que droga de vida é essa que vamos levar sem a nossa branquelinha?

A Bia não tem forças nem para tirar as coisinha da nossa bebê do quarto. Não come, não dorme sem tranquilizantes, não vive. Estou muito preocupado com ela.

Tento de tudo para animá-la um pouco, mas nada surte efeito.

As semanas se arrastam. Tudo continua estranho, frio, fora de rumo.

― Não acha estranho essa menina ter morrido assim? ― pergunta minha avó, um mês depois.

― Assim como, vó? Era um problema muito grave, você acompanhou como a doença apareceu e evoluiu de um dia para o outro.

― Eu sei. Mas não é disso que falei. O jeito como ele chegou aqui... Com aquela urna na mão, como se fosse um pacote de sal. Sei lá... Meu coração não acredita em nada disso.

― Vó, o que você está insinuando?

― Não sei, mas está estranho.

Tento acompanhar o pensamento dela, mas não consigo. Há um laudo de morte, com data, horário, carimbo médico. Se a Bia escuta algo assim, ainda mais vindo de alguém que ela confia plenamente como a minha avó, ela vai se agarrar a essa ideia e não vai sossegar mais.

- Vó, não dê ideias para a Bia. Ela não tem força alguma nesse momento.

Já se passaram 6 meses. Bia continua sem reagir. Largou o trabalho, não vai mais à praia, não se reúne mais com a turma. Só fica trancada dentro daquele quarto. As coisas da Brenda ainda estão no mesmo lugar. Tentamos tirar, mas ela não quis nem ouvir nossos motivos.

Todos os dias ela arruma as roupinhas no guarda roupas, como se a menina fosse precisar delas a qualquer momento. Estou preocupado com a saúde mental da minha amiga. E sequer sei como ajudar, pois também venho tentando aprender lidar com o vazio imenso que a Bê deixou.

Para piorar ainda mais, minha avó vem me contar que minha mãe está precisando de mim, no Rio de Janeiro. Minha mãe que me deixou vir com minha avó, quando eu tinha nove anos e nunca mais me procurou. Agora está lá, com três costelas quebradas e querendo me ver.

― Eu sei que é complicado para você. Mas ela é sua mãe. Não importa o que já tenha aprontado na vida. Ela quer te ver. Vai lá.

― Eu vou, vó.

― Leve a Bia contigo. Ela precisa se distrair um pouco e eu preciso de garantias que você vai voltar.

― Claro que volto, vó. Acha mesmo que eu desgrudo de você?

― Não sei... ― ela faz drama.

Mesmo contrariado, concordo em levar Bia comigo ao Rio de Janeiro. Ela tem passado as noites aqui, em casa.

Dias atrás ela finalmente deixou que tirássemos as coisas da Brenda do quarto, mas desde então, não consegue entrar lá. Não está em condições de voltar para a casa dela, acho que nunca estará. Também sei que visitar a minha família materna numa comunidade, não é um belo plano. Mas minha avó insiste tanto e Bia me olha com essa carinha de abandono... Não consigo deixá-la para trás.

Faço uma reserva num hotel confortável para nós dois e partimos para lá. Logo que chegamos e deixamos a bagagem no hotel, saímos para almoçar. Minha amiga mal toca na comida.

É como ela disse outro dia, levaram a alma dela embora. É isso. Nada a deixa feliz. Os olhos dela estão aqui, capturando as pessoas, a beleza da cidade. Ela sorri algumas vezes e comenta sobre a praia, mas não existe entusiasmo. Não há entusiasmo em nada desde que levaram a Brenda embora daquele hospital.

Minha Vida, Meu AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora