4 - Lembranças

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PARTE DOIS

Beatriz

Lembranças. É disso que tenho vivido nesses quatro anos, sete meses e nove dias sem minha filha. Não é difícil fingir que estou bem, que sou feliz aqui, nessa cidade linda, nesses cenários maravilhosos. Aprendi a sorrir, mesmo com meu coração em pedaços. Devo isso ao teatro.

Meus amigos daqui, desconhecem minha história, então, tudo bem. Melhor assim. Tocar nessa ferida que até hoje continua aberta, só faz doer e doer, cada minuto mais. Detesto quando as pessoas me incentivam a virar a página, seguir em frente.

Tudo que posso tenho feito, mas o que mais eles querem? Que eu me case e tenha outros filhos? Não quero outros filhos. Queria a minha Bê. Nunca vou conseguir ser feliz daquele jeito sem que eu a tenha de volta. Não adianta o mundo inteiro me mandar virar a página. Não dá.

No início tive um friozinho de dúvida de que ela realmente não resistiu à cirurgia, mas depois de algum tempo, à medida que fui aprendendo a conviver com a ausência dela, as peças foram se encaixando com facilidade.

Eles mentiram para eu não ir atrás, não reivindicar sua guarda. Não tenho prova alguma, por isso não consigo abrir uma investigação. E eu tentei inúmeras vezes nesses quatro anos, mas só consegui reforçar a ideia de que estou louca.

Não tenho como provar que ela tenha sobrevivido, mas eu sinto. Tenho uma certeza absurda dentro de mim de que a minha Brenda está viva e não ter notícia alguma dela me tira a lucidez.

Eu sei que fiz uma escolha. Escolhi a vida dela, sacrificando a minha. Nunca imaginei que eles sumiriam no mundo com ela naquele estado e mentiriam de modo tão cruel, mesmo assim, não me arrependo da minha decisão de deixar que a levassem para fazer a operação. Mas isso não ameniza em nada o vazio da saudade que sinto da minha pequena. Paguei caro. Paguei com a minha alma. Não vivo sem ela, apenas rastejo feito um animal ferido e agonizante. Não há um dia sequer que eu não pense na minha filha e que não chore de saudade. Mas se tem uma coisa que aprendi bem nesses quase cinco anos sem ela, foi camuflar minha dor.

São 3:30 da manhã. E eu aqui, vendo os ponteiros se arrastando, como se debochassem da minha dor. Não consigo dormir. Não sem dois comprimidos de Rivotril, para me dopar por algumas horas. Mas hoje não quis tranquilizante algum. Preciso me livrar dessas coisas. Preciso me reerguer e traçar um plano. Olho para essa gatinha de pelúcia e meu coração aperta tanto. Se eu fechar meus olhos, posso ver a Brenda gargalhando ao brincar com essa gatinha. Posso ouvir o som gostoso das gargalhadas, os olhinhos lindos, felizes, buscando os meus, esperando que eu apertasse o peito dessa pelúcia e a colocasse para funcionar de novo. Que saudade de todos aqueles momentos. Nunca pensei que toda a felicidade do mundo caberia num pacotinho de 2,900 kg e mediria 48,5 centímetros. Eram as medidas que a minha bebê chegou ao mundo. Tão pequena e tão perfeita. Se eu ainda não sabia o que era amar de verdade, descobri naquele momento em que a colocaram em meus braços e senti seu corpinho miúdo junto de mim.

Minha pequena... Como eu preciso vê-la de novo! Mas sequer sei por onde começar a procurar. Não sei nada sobre a família de Daniel e não tenho prova alguma de que minha filha esteja viva. Só tenho essa intuição absurda que só a vó Laura levava a sério.

4:00 da manhã. Meu sono não sabe meu endereço, só pode ser isso. Por que não amanhece de uma vez? Tenho um dia cheio de trabalho, do jeito que eu gosto. Assim, mergulhada em mil compromissos, esqueço um pouquinho a minha tragédia.

O teatro me ajuda muito a viver outras vidas. No palco, sim, consigo esquecer a dor por uma ou duas horas, ou ao menos fingir que esqueci. Mas quando as luzes se acendem, a peça termina e lá vem minha vida de novo. Quando recebo fãs nos camarins e corredores, depois das encenações, quando recebo elogios por ser uma grande atriz, quando as pessoas trazem mimos para mim, fico me perguntando: "O que ela acharia disso tudo? Será que sentiria orgulho? Será que ficaria feliz com a profissão que veio de encontro a mim?". Mas a verdade é que se ela não tivesse sido arrancada dos meus braços, nada disso estaria acontecendo. Eu não teria vindo morar no Rio de Janeiro, não teria conhecido o Carlos que é mais que um pai para mim e, consequentemente, não teria me tornado atriz. Amo essa cidade e amo ainda mais o Carlos e a minha vidinha de atriz de teatro, mas trocaria fácil tudo isso pela minha vida simples em Neville, trabalhando atrás de um balcão, eternamente, se fosse para ter minha filha comigo. Mas não foi assim que Deus quis. Não consigo entender até hoje o que ele quer me mostrar com toda essa provação. Já senti raiva, já esbravejei, já pedi para Ele tirar minha vida porque não quero e não posso viver a vida toda sem minha filha. Mas acho que Deus tem outros planos para mim. Não sei quais. Tenho medo do que virá pela frente. Mas estou aqui. Vivo um dia de cada vez.

Minha Vida, Meu AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora