5 - Alícia

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Beatriz

Hoje foi um dia puxado. Três sessões da peça, uma atrás da outra. Atendi cerca de trezentas crianças, todas encantadas pela história e acreditando que sou uma princesa de verdade. Amo essa pureza delas e todo esse carinho tão verdadeiro. Nas minhas fantasias, imagino se um dia, por acaso, de passagem em alguma cidade que visitamos com essa peça, minha pequena tenha assistido. Fico me perguntando o que se passaria na cabecinha dela se me visse. Será que sentiria um aperto no peito? Será que teria vontade de ir até o camarim para me ver de perto? Nunca vou saber. Sempre no final das apresentações, peço que a criançada passe no camarim para me dar um beijo. Gosto de ouvir o que elas tem a me dizer, os elogios são uma injeção de ânimo. Mas em cada criança, fico buscando uma semelhança dela. Tem milhares de crianças que lembram ela, que tem as mesmas características físicas. Será que eu a reconheceria se um dia ela entrasse no meu camarim? Será que meu coração daria algum sinal se algo desse tipo acontecesse? Meu Deus, acho que vou enlouquecer com todas essas perguntas que talvez eu nunca tenha a resposta.

Pego minha bolsa e deixo o teatro. Vou sentir falta das apresentações, mas vamos ver o que é que o Carlos tem para mim. Diz ele que vou gostar muito.

Esther

Chego em casa depois de um dia inteiro de trabalho e não vejo a Alícia, o que é absolutamente normal, pois ela fica mais no quarto, trancada, que em qualquer outro lugar da casa. Preciso levá-la ao psicólogo. Tenho notado-a introspectiva demais e a professora já reclamou algumas vezes do comportamento dela em sala de aula. Está dispersa, com baixa concentração e não gosta muito de atividades em grupo. Ontem chegou o terceiro bilhete em duas semanas e hoje ela só entraria com a presença do responsável. Nas outras vezes eu que fui conversar com a professora. Ouvi as preocupações dela com o rendimento da Alícia. Ela não está acompanhando a turma. Quando a professora me perguntou sobre o comportamento dela em casa, fiquei congelada. Eu simplesmente não sabia o que dizer. Vou falar o quê? Que a menina é criada como se fosse um objeto velho e sem valor, largado pelos cantos?

Meu marido está arrumado, me esperando para sairmos para jantar, então me apronto depressa. Enquanto jantamos no restaurante mais sofisticado da cidade, ele passa a maior parte do tempo falando ao celular, resolvendo problemas da empresa da família dele. Tento conversar, mas outra ligação interrompe. Desisto. No caminho para casa, quando ele finalmente larga o celular para dirigir, pergunto:

― Como foi a conversa com a professora da Alícia?

― Ah, ela veio com aquele papo de sempre, insinuando que a menina está passando por dificuldades de relacionamento, que fica isolada na sala, que nunca se concentra em nada... A louca teve a cara de pau de perguntar como é o nosso relacionamento com ela, acredita? Quis saber se a gente conversa com ela, se a levamos para passear, se nossas atividades em família são frequentes. Perguntou até se costumamos discutir na frente dela.

― Perguntas relevantes, não acha?

― Ela é professora. Não tem que se meter em nada. Está lá para dar aulas e só.

Não acredito que estou ouvindo isso.

― Você não foi grosseiro, foi?

― Contei até três e disse que ia tentar descobrir o que havia de errado com a minha filha. Ela sugeriu conversarmos com a psicóloga do colégio. Deixei logo claro que não tenho tempo algum para essas bobagens.

― O que pretende fazer? Ela realmente tem andado quieta, enclausurada no quarto... Isso não é normal para uma criança da idade dela.

― É melhor ela quieta no quarto, do que correndo pela casa, estressando a minha mãe.

Minha Vida, Meu AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora