2- Mundo ao Contrário

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Beatriz

Minha mãe fica exatamente três meses sem falar comigo. Chego a confrontá-la, perguntando se ela prefere que eu saia de casa.

― Se sair, pode esquecer que é minha filha. ― é a resposta cortante que recebo.

Como se ela se lembrasse que é minha mãe.

― Então fale comigo o que você quer que eu faça, porque você fica muda e eu não consigo adivinhar, mãe! Eu sei que te desapontei, mas não me abandona agora.

Ela permanece impassível.

― Quero que você vire mãe dessa criança e não uma parideira como tantas que vejo por aí. Fez, não fez? Então arregace as mangas para sustentar esse filho. Não pense que sua vida vai ser confortável, que vou trabalhar duro enquanto você brinca de boneca porque não vai ser assim!

― Eu trabalho há dois anos! - lembro-a, indignada - Eu decidi trabalhar principalmente para desafogar você. Por que está falando comigo como se eu fosse uma irresponsável?

― É sempre bom reforçar. Do resto é isso. Fique na sua que eu fico na minha.

― Só espero que não ignore a minha filha para descontar seu ódio por mim. Ela não tem culpa dos meus erros.

― Quanto a isso, pode ficar sossegada. Agora me deixe trabalhar.

Daquela conversa em diante, ela passou a falar comigo, mas só mesmo o básico. Conversas descontraídas no café da manhã, nunca mais.

No quarto mês, assim que a ultrassonografia confirmou o sexo da minha filha, mandei uma mensagem para o Daniel. A essa altura eu já estava tão envolvida, tão apaixonada pela ideia de ter um bebê, que acreditei que ele precisava viver isso também. Então escrevi:

"Olá, sumido! Por onde você anda? Precisava tanto conversar com você... Aguardo notícias. Bjs, Bia Marques."

A resposta veio num telefonema, uns cinco dias depois, onde ele foi frio e arredio. Nem parecia que a gente tinha um pouco de amizade.

― Oi. Estava numa correria absurda... Nem pude te responder antes. Então, precisa de algo?

― Não... - respondi depressa - Queria saber de você. Pensei que a gente pudesse se ver um dia desses e...

― Acho melhor não, né? Meu mundo é um, o seu é outro. - ele me cortou.

― Desculpe. Só pensei que tínhamos uma amizade.

― Se você estiver precisando de algo, pode dizer.

― Não, obrigada.

Desliguei o telefone.

Nessa época o Marcelo estava começando no seu novo emprego e passava dias embarcado. Quando ele retornou, contei a ele sobre a ligação e a frieza de Daniel.

― Vamos combinar uma coisa? ― ele propôs ― De hoje em diante, esquece esse cara. Não fique correndo atrás dele para assumir uma criança que ele nem lembra ter feito.

― Só queria que ela soubesse o que é ter um pai, sabe? Tive o meu pai do mundo por pouco tempo, mas foi tão importante! Não queria que ela não tivesse essa oportunidade, mas enfim...

― Serve um pai pretinho? ― pergunta sorridente ― Se você não se importar, começo agora mesmo a espalhar pelos sete ventos que fui eu que fiz, que a filha é minha. E sabe o que é mais legal nisso? Amor não vai faltar a ela.

E claro, eu começo a chorar de emoção.

― Para de ser chorona! O que foi dessa vez?

Como explicar que a cada vez que ele age com essa generosidade toda, eu me apaixono ainda mais?

Minha Vida, Meu AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora