18 - Um Fio de Esperança

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Marta

Três noites atrás sonhei com o Elias. Fazia tempo que eu não sonhava com meu marido, embora goste tanto quando o vejo em sonhos.

Mas esse sonho foi diferente de todos os outros. Nem comentei com meus filhos, pois eles não iam lidar bem com isso. Principalmente a Bia que vive se agarrando a qualquer esperança de que a Bê esteja viva. Tudo para ela é um sinal. Imagina se conto uma coisa dessas?

No sonho, Elias descia as escadas pela manhã e me abraçava por trás, repousando o queixo em meu ombro, como costumava fazer ao observar nossos filhos.

Dessa vez eu estava distraída, trabalhando na Usina e perguntava o que tanto ele admirava, já que estávamos sozinhos. Então ele respondia:

- Nossa neta... Ela é tão linda, né? Não me canso de admirá-la.

Então eu meio atordoada, achando que ele havia se esquecido que a Bê já não estava mais entre a gente, falava:

- Do que está falando, homem?

Ele apontava para a mesa e eu via uma garotinha de cabelos compridos cantarolando e brincando com uma boneca e me dava conta de que ela sempre esteve aqui e que todo o resto havia sido um pesadelo.

Eu não conseguia ver o seu rosto, mas sabia que ela faria seis anos. Eu estava confeitando seu bolo de aniversário que tinha o nome e a idade dela.

- Tá ficando lindo, vovó! - ela disse

Então eu acordei e por mais que eu tente, não consigo tirar esse sonho da cabeça.

Sei que meus filhos estão entrando novamente numa paranoia de investigar se a Bê está viva. Eles não me contaram, pois sabem o quanto tenho os pés no chão e logo interromperia essas ilusões deles, mas vou respeitar até me contarem. Pelo que entendi, a Alana está de namoro com algum advogado recém formado e ele se interessou pelo assunto, talvez para impressionar a namorada.

Não julgo e queria que a minha neta estivesse viva e saudável. Na verdade queria que nada daquilo tivesse acontecido. Tínhamos uma vida bem menos confortável, mas éramos felizes.

A Bia era feliz.

Hoje minha filha tem tudo, menos paz. Vive procurando algum indício da filha e isso não é uma tortura só para ela. É para todos nós que ansiamos em vê-la feliz outra vez, mas às vezes acho que ela nunca vai se recuperar.

Erro a fornada outra vez. Já é a segunda vez que queimo. O pior é que a Bia está vindo buscar os doces para a festa na emissora e eu ainda não finalizei os brownies.

Ela chega meio apressada, nem parece que está em horário de almoço e enquanto fecha a caixa do bolo, percebo um movimento na porta da cozinha. Levo alguns segundos para entender que não estou sonhando de novo. Tem mesmo uma garotinha nos observando. Seus cabelos claros caindo em volta do rosto e seus olhos quase tão azuis quanto os de Bia me paralisam.

Bia nota sua presença e chama a menina para perto.

Não é sonho, é a garotinha que eles tanto falam. É por isso que Bia está nervosa. Certamente deixou a menina lá fora para que eu não a visse. Bem a cara dela fazer isso.

Alícia... Ela me encara meio séria, mas logo volta sua atenção para os doces na bancada.

- Uau! É tudo de comer, tia? - pergunta, fascinada.

Respondo que sim e lhe ofereço um, mas Bia avisa que ela não almoçou ainda, o que deixa a menina visivelmente desapontada. E nesses cinco segundos de frustração, ela faz exatamente o mesmo gesto que meu marido costumava fazer ao ser contrariado. Ela coça a ponta do nariz com a palma da mão. Muito peculiar para não me chamar a atenção. Nem a Bia tem ou teve esse hábito. E olha que ela sempre imitava o pai.

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