Capítulo 3

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Você não sabe o que você fez, fez comigo
O seu corpo leve fala comigo
Eu não sei o que você fez, fez comigo
O seu corpo leve fala comigo

Chris Brown - Under the Influence

ARTEMIS KOURIS ESTAVA muito irritada, afinal, não sabia como aquele homem havia adentrado a propriedade privada da sua família. O grande terreno era todo cercado, fora que a cerca de arame era bem alta e pontiaguda. Artemis costumava ir à cachoeira da propriedade para espairecer a cabeça e relaxar, sobretudo nos últimos tempos, apenas para esquecer os problemas, principalmente os de saúde de sua tia Iliana.

O bosque de variados tipos de árvores lhe conferia um ambiente de tranquilidade e relaxamento, lhe dando a paz que tanto precisava. No entanto, com aquela bonita presença masculina próxima dela, ficava difícil raciocinar. O homem era bonito, tinha olhos claros lindos, mas estava mais para o estilo de um nômade, a considerar pelas suas roupas. Ele a fitava com intensidade, deixando claro que ela o interessava, embora Artemis quisesse que ele fosse embora dali. Artemis ficou ainda mais atrás da rocha, escondendo seu corpo do escrutínio daquele sujeito.

Estava nua e não costumava ficar assim na frente de homem nenhum. Aliás, nunca havia ficado e, por isso, sentia o rosto e a pele alva esquentarem diante daquele olhar penetrante e descomedido. O seu cavalo Parnasso deveria estar por ali, mas ela não conseguia mais ver seu animal. Certamente, deveria ter se afastado para se alimentar das gramíneas do bosque verdejante.

- Já vou embora, koukla mou. Estou vagando por essa bela ilha. A beleza desse lugar me surpreende, mas não tanto quanto a sua formosura. - Acentuou o homem atrevido, que continuava a encarar com luxúria.

- Pois dê meia volta e vá embora. E não me chame de "sua querida". - Avisou ela, cortante. - Não vê que tenho que me trocar? Vai continuar me espiando, por acaso?

- A senhorita me desculpe, não quis perturbá-la. - Ele falou com deboche, gesticulando as mãos. - Por acaso, você tem um nome, para que eu não a chame de koukla mou?

Aquele sorriso descarado estava a deixando nervosa e inquieta. Que Deus a ajudasse!

- Meu nome não importa. Afinal, eu mal o conheço.

- Eu me chamo Theodorus e estou indo embora. Venho buscar trabalho por estas terras. - Respondeu o homem, e agora, ela sabia seu nome. - Tenha um bom dia, senhorita.

O tal Theodorus se foi e ela ficou se perguntando por que ele a deixava tão nervosa e qual era o motivo de seu coração bater tão rápido. Aquilo era um absurdo, pensou Artemis. Certamente, mesmo com aquela barba longa e aqueles cabelos nos ombros, ele era o homem mais bonito que já havia visto na vida. Ele era alto, forte e muito másculo, irradiando a sua volta com um intenso magnetismo sexual, capaz de abalar até a paz de espírito de Artemis. Mesmo usando aquele chapéu e as roupas simples, ele continuava bonito, com aquele olhar marcante. Ele também tinha aquela peculiar marca de nascença no pescoço, que lhe chamou a atenção. Não tenho tempo para isso, ela se repreendeu mentalmente.

Ela estava tão ocupada ultimamente que só pensava no bem-estar da tia, que sofria de um câncer colorretal em fase terminal. A sua querida tia, que a criou desde que os pais dela haviam morrido, há 17 anos, estava prestes a morrer. Artemis ia com frequência à cachoeira tomar um banho de rio, mas agora aquele lugar era seu refúgio. Queria paz, sossego e tinha uma responsabilidade grande nas costas. Afinal, a tia lhe depositava a confiança para tocar o negócio da família de produção de azeitonas koroneiki e kalamata, além da produção de leite de cabra, amplamente usado na região jônica.

O tal Theodorus havia conseguido adentrar a propriedade de sua família, algo que não era comum de ocorrer. Ao fim e ao cabo, era um terreno grande, mas bem cercado. Além disso, como Meganisi era muito pequena e quase todo mundo se conhecia, Artemis sabia que aquele homem não era dali. Ele mesmo relatou a ela que não era dali. Contudo, mais do que isso, Artemis tinha a leve impressão de que Theodorus não era sequer das Ilhas Jônicas. Tentando afastar aquele homem singular de seus pensamentos, ela se certificou de que ele não estava mais por perto e se ergueu da água.

Nua, ela se aligeirou em pegar o vestido com estampa floral, as roupas íntimas e as botas de couro, que estavam sobre um tronco velho à beira do lago, nas proximidades das pedras. Ela se vestiu agilmente e assoviou para que Parnasso se acercasse dela, afinal, não sabia para aonde seu cavalo havia ido. No segundo assovio, o animal apareceu e ela o montou. A cachoeira não ficava longe da villa dos Kouris, o trajeto era de cerca de 10 minutos a cavalo. Passou pela trilha e deixou o belo som da cachoeira para trás, avançando rumo à sua casa. Quando chegou, deixou o cavalo na estrebaria e adentrou a villa, onde sua tia a esperava, como de costume, nos aposentos principais.

Há cinco anos, sua tia era uma vívida e exemplar mulher de negócios. No entanto, desde que começou a batalhar contra o câncer, seu viço e a vontade de viver foram se esvaindo junto à doença. À medida que a enfermidade avançava, Iliana Kouris ficava cada vez mais fraca, sem vontade de comer, e pior, nos últimos nove meses não conseguia mais andar, necessitando permanecer na cama o dia todo. Assim, Artemis vinha se virando como podia e, com apenas 20 anos, aprendia as estratégias da tia para administrar a fazenda e auxiliava a cuidadora com a saúde da única parente viva que tinha, e também a única família que conhecia.

Artemis se aproximou da porta e viu Iliana, que estava muito pálida e com o rosto magro, ao lado do conhecido médico que a acompanhou durante todo o tratamento oncológico. Fraquíssima, a tia ergueu a mão no gesto característico que tinha, pedindo silenciosamente que a sobrinha se aproximasse da cama.

- Olá, titia. Como você está hoje? - Perguntou Artemis carinhosamente, sentindo os olhos marejarem ao vê-la naquela situação.

- Está chegando minha hora, minha querida Artemis. - Respondeu Iliana, com a voz debilitada e langorosa. - Preciso que faça algo para mim antes que eu parta deste mundo.

- Qualquer coisa para você, titia. Eu a amo muito. - Quando percebeu, Artemis já derramava um rio de lágrimas.

- Seja feliz, minha criança. Sei da sua dedicação com a minha saúde a à nossa fazenda. - Iliana respirou fundo, as mãos tremiam. - Você ainda é muito jovem e imatura. Tem muito o que viver neste mundo.

- Eu prometo que serei feliz. Prometo que sempre buscarei a felicidade. - Artemis sentiu um tremor na espinha e as lágrimas simplesmente não cessavam.

A tia recostou a cabeça no travesseiro e dormiu, enquanto sua sobrinha tentava aplacar as lágrimas incontidas. O médico, Myron Siderakis, era um dos melhores médicos oncologistas do país, mas não foi suficiente para salvar Iliana daquele terrível tumor.

- Por favor, senhorita Kouris. Podemos conversar em particular?

- Sim, claro. - Artemis pediu um momento, quando pegou um lenço e passou nas maçãs do rosto já vermelhas. - Estou indo.

O médico foi para fora do quarto e ela o seguiu. Quando estavam no corredor acarpetado, ele voltou a falar.

- A doença está numa fase irreversível. - Lamentou Myron. - Fizemos tudo que pudemos. Eu sinto muito.

- Quanto tempo ela ainda tem? - Artemis sentia uma profunda tristeza no peito, um grande desalento, como se uma grande lâmina a dilacerasse por dentro.

- Creio que poucas horas, senhorita. Eu realmente lamento. - Respondeu o médico, com pesar.

- Agradeço por tudo que fez por ela, dr. Siderakis. Agradeço pelas suas sensíveis palavras também.

Artemis pôde se despedir da tia, que a olhou docemente antes de fechar os olhos para sempre, horas depois. O sofrimento, a dor e o luto tomaram conta do ser de Artemis, que apenas conseguia chorar e não parou mais, durante toda a noite. A mulher que havia lhe criado, após a terrível morte de seus pais em um descarrilamento de um trem em Praga, na República Tcheca, havia partido e Artemis nunca mais a veria. Ela estava só naquele mundo, com uma grande fazenda para administrar e uma horda de empregados para orientar.

Alcançado pelo Destino - Série Fascínio Grego - Livro I (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora