3. Fix you

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Charles sentia-se exausto. Era como se, mesmo dando tudo de si, o carro não respondesse. Como se 100% simplesmente não bastasse. A Ferrari vivia mais um ano abaixo das expectativas, repetindo o roteiro do ano anterior: estratégias falhas, desempenho inconsistente. Era sexta-feira, dia de treinos livres, e o primeiro já havia terminado. Charles saía do carro com os ombros pesados. Sentia que os próprios pés respondiam melhor do que aquele carro.

— Relaxa, a gente vai resolver isso — disse Bryan, seu engenheiro, tentando amenizar a tensão. — Vai descansar um pouco. Até o TL2, tudo vai estar no lugar. — Sorriu, esperançoso.

— Difícil desligar a cabeça — Charles murmurou, rindo de leve. — Acho melhor eu ficar por aqui. Senti o carro, posso ser útil.

— Vai dar uma volta, Charles. A gente te ouviu no rádio. Agora confia na gente, tá?

Ele suspirou, vencido. Pegou a garrafa d'água e saiu andando pelo paddock. Precisava esfriar a cabeça, conversar com alguém. Encontrou Carlos conversando com Pierre Gasly, os dois rindo de algo qualquer. Às vezes ele invejava essa leveza.

— Não venha com essa cara de funeral pro nosso lado — Pierre brincou, abrindo os braços. — Meus chacras estão alinhados demais pra sua nuvem negra.

Charles até riu, mas logo balançou a cabeça.

— Estão tentando ajustar tudo, mas... sei lá.

— Você tem ido muito bem, Charles — disse Carlos, colocando a mão no ombro do amigo. — Esses dias ruins fazem parte. Não apagam o piloto que você é.

Antes que pudesse responder, Marjorie passou por eles. A expressão dura no rosto dela chamou a atenção de todos. Não era incomum ela ficar impaciente com Lando — isso era até rotina — mas nunca os ignorava assim. Carlos franziu o cenho, atento. Não demorou para que o suposto motivo também passasse: Enrico com a mesma expressão fechada.

— O que aquele idiota aprontou agora? — murmurou Sainz.

— E quem garante que foi ele? — retrucou Pierre.

— Porque é sempre ele.

Charles já não ouvia mais. Tinha virado o rosto para seguir o casal com os olhos, movido por um incômodo que crescia no peito. Carlos percebeu e, sem pensar muito, puxou-o discretamente para seguir o mesmo caminho. Não demorou até estarem escondidos atrás de uma estrutura, ouvindo a discussão dos dois.

— Você não tá entendendo, Marjorie — Enrico falava num tom ríspido. — Já bastou aquele jantar ontem. Ainda precisava deixar ele pagar suas bebidas?

Charles olhou para Carlos, confuso. Carlos, de olhos arregalados, sussurrou:

— Cara, não foi você que pagou as bebidas dela?

Charles apenas fez sinal para silêncio, igualmente surpreso. Aquilo era por causa dele?

— Enrico, eu já expliquei. O jantar foi por conta do Charles, ele quis pagar. Nem foi só pra mim — ela respondeu, impaciente. — E, mesmo quando ele disse isso, eu insisti. No fim, ele pagou só as minhas bebidas, porque eu insisti.

— Você é muito ingênua, Marjorie. Ele te olha daquele jeito porque quer você.

A voz elevada fez Marjorie recuar um passo. Charles se moveu instintivamente, pronto para intervir, mas Carlos o segurou.

— As suas atitudes com esses pilotos só fazem parecer que você é fácil — continuou Enrico, venenosamente.

— Cale a boca — ela respondeu firme. — Eles são meus amigos, e me respeitam. Eu também sei o limite das minhas atitudes.

Charles sentiu um alívio súbito. Ela sabia se defender, mas aquilo ainda o corroía.

— Norris talvez seja o pior deles, mas ao menos foi honesto em me contar quem realmente paga suas contas nesses jantares por aí — Enrico concluiu com sarcasmo. — Mas tudo bem. Acredito que isso não vá se repetir, né?

Ela apenas assentiu, exausta. Ele a recompensou com um selinho frio. Charles observava tudo, paralisado. O relacionamento era claramente tóxico. Como ela, tão forte aguentava aquilo?

Quando os dois voltaram pelo mesmo caminho, Charles e Carlos se afastaram rapidamente.

— Vocês viram a Marjorie? — apareceu Lando, aflito.

— Aquela ali, sorrindo ao lado do namorado como se nada tivesse acontecido? — Carlos apontou. — Falou demais, Norris?

— Foi sem querer. A gente tava lembrando do jantar, eu comentei que o Leclerc pagou as bebidas dela... e ele ouviu. — Lando parecia culpado. — Não sei por que ela ainda tá com ele.

— Ele tem ciúmes de você com ela — completou Carlos, olhando para Charles.

Mas por quê?

— Porque até o jeito que você olha pra ela entrega — disse Carlos, rindo. — Eu percebi. O George percebeu. Até uma criança perceberia.

— Não tem nada disso — Charles rebateu rapidamente. — Eu só a acho... bonita.

Maravilhosa, ele pensou. Mas jamais diria em voz alta.

— Aquilo ali não vai durar. Ninguém merece ser tratada assim — completou.

— Já tentamos conversar com ela, mas ela insiste que é exagero nosso — disse Lando. — Emma já falou, a gente já falou... mas nada muda. E como engenheiro, ele é bom. Não posso simplesmente tentar afastar.

— Então seja amigo — Carlos aconselhou. — Esteja ao lado dela, só isso.

Charles ficou pensativo. Não esperava que um simples jantar se transformasse nisso tudo. Mas ali, no meio do caos, surgiu uma vontade difícil de ignorar: cuidar dela. Pegou o celular.

Oi. Você passou por nós agora há pouco... e parecia meio abatida.
Espero que esteja tudo bem.

Ela respondeu quase de imediato.

Olá,
Tá tudo bem sim, Charles. Só um dia cansativo... Imagino que por aí também, né?
Espero que o carro melhore.

Ele sorriu. Era ele quem devia estar confortando, mas ela sempre devolvia gentileza com generosidade.

Vai dar tudo certo. No fim, a gente só precisa continuar nadando.

Céus, agora ele estava citando "Procurando Nemo"? Preferiu encerrar ali antes que ficasse pior.

É isso, Charlie. Apenas continue a nadar. 🐠

Ele leu, releu... e sorriu. Sorriso bobo. Que droga, Charles. Sério?


The 1, CHARLES LECLERCOnde histórias criam vida. Descubra agora