Quinze

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— Eu não consigo arrumar nem o começo de uma letra — Sadie murmura assim que eu saio do banheiro.

Ela estava ainda deitada em minha cama, parecia ter aguardado pacientemente enquanto eu tomava  banho, e eu diria que é verdade se não fosse pela sua veia saltando no meio da testa.

— Sadie, eu demorei tanto assim no banho? Não me lembro de te ver irritado assim antes — Me sentei ao seu lado.

— É só que eu ainda estou pensando naquela droga de música — Ela bate a mão na testa.

— Não xingue dentro dessa casa enquanto meus pais estiverem acordados — Alertei — Por que ficou tão obcecada com essa letra tão derrepente?

A alguns dias Sink comentou sobre o péssimo andamento da sua primeira música, o que sempre me arrancava gargalhadas quando ela fazia uma letra completamente irônica sobre não conseguir nada sério.

— Não esquenta com isso, alguma hora a letra vai surgir na sua cabeça — Me levantei e caminhei para onde meu ukulele estava, o entregando para a ruiva em seguida.

Ele havia recebido uma nova camada de tinta, estava branco agora.

— Enquanto isso não acontece, pensei que poderia me mostrar os acordes que você vai usar — Sorri balançando a cabeça.

— Não está nada certo, quando eu souber sobre o que cantar posso acabar mudando tudo — Sadie bateu o instrumento levemente em minha cabeça.

— Por favor — Me joguei o seu corpo o abraçando forte — Por favor, por favor, por favor!

— Tá bom, bobona — Sink passou a mão em meus cabelos e se ajeitou na cama — Não vá reclamar se essa não for a versão final.

— Vai logo.

Observei a ruiva afinar o ukulele sem auxílio de nenhum aparelho, o que na minha visão era algo sobrenatural.

— Estou pensando em uma pestana na terceira casa, assim o som fica mais bonito ao meu ver — Seu dedo indicador fez uma pressão em todas as cordas da terceira casa.

Ela olhou pra mim e bateu sua mão criando um barulho diferente.

— O que mais? — Perguntei sorrindo boba.

— Quero tentar algo simples... já que é minha primeira vez tentado. Acordes como  o dó maior — Me mostrou o som —  dó com sétima maior — Me mostrou outra vez — E o lá menor.

— Não vai me mostrar esse acorde? — Perguntei confusa.

— Não se lembra qual é? — Me irritei ao vê-la me responder com outra pergunta.

— Esses nomes são muito difíceis...

— Mas os acordes são ridiculamente fáceis, quem sabe algum dia até você toque minha música.

— Como assim até eu? Esta insinundo alguma coisa, Sink?

— Não exatamente,  mas se a carapuça serviu, Brown — Levantou uma sobrancelha.

Retirei meu ukulele de seus braços com graça e delicadeza, para logo em seguida me atirar como um monstro de cócegas em cima da ruiva.

— Crianças, não façam barulho — Papai apareceu na porta do quarto e começou a facha-la lentamente — Boa noite, não vão dormir tarde.

Quando meu pai fechou a porta encarei a ruiva e sorri, recebendo seu sorriso desalinhado como moeda de troca.

— Brincadeiras a parte, eu admiro sua paixão pela musica — Me deitei em seu peito.

— Eu admiro a sua pela escrita — Levantei o rosto surpresa — Andei lendo algumas de suas histórias enquanto estava no banho.

— Como pode? Sua cretina — Bufei irritada.

— Ei, não xingue enquanto seus pais estão acordados — A encarei com tédio — É claro que é brincadeira, eu nunca pensaria em invadir sua privacidade de tal jeito.

Me deitei em seu peito outra vez, sentindo a mão de minha amiga acariciar meu coro cabeludo.

— Não me acho boa escrevendo — Suspirei.

— Isso deve ser fácil, qualquer um consegue fazer — Me provocou.

— Então me faça uma história agora.

— Ok, era um vez, uma garota de capuz vermelho...

— Ei —  a interropi — Essa já existe, é chapéuzinho vermelho — Iria levantar a cabeça outra vez, mas sua mão não deixou.

— Eu falei capuz, não chapéuzinho — Ironizou — Essa garota se perdeu na floresta um dia, e encontrou uma bruxa lhe oferecendo doces.

— João e Maria — Falei com tédio.

— Não tem João, e muito menos Maria — Sadie limpou a garganta e continuou a falar — E na casa dessa bruxa ela encontrou três porquinhos comendo sopa com três ursos...

— Sadie! — Me levantei ficando apoiada nos braços.

— Millie! — Se apoiou nos cotovelos.

— Não teve graça — Me deitei ao seu lado.

— Desculpa,  estava tentando te impressionar — A ruiva sorriu e se ajeitou na cama.

— Vai precisar muito mais do que isso pra me impressionar — Me virei ao lado oposto do dela.

— Eu vou conseguir, eu te garanto.

Eu iria rir de sua fala, isso se não tivesse sido em um tom sério demais.

— Você não está brincando, não é? — Perguntei ainda virada contra a garota.

— Acho que não. Você vem se tornando alguém importante na minha vida, queria ser na sua também — Seu tom de voz era baixo.

Fiquei estatica sem saber o que responder, nunca fui boa com palavras, longe disso. Sempre preferi escapar de qualquer situação em que deveria demonstrar compaixão ao próximo.

Sem saber o que dizer, me virei para seu corpo e o abracei, recebendo os braços de Sink em volta de minhas costas.

— Obrigada — Foi tudo o que disse antes de se acomodar silenciosamente em mim.

Estava ficando intrigada com a quantidade de vezes que sentia meu corpo congelar com seu toque, palavras ou simplesmente seu olhar.  Me sentia uma completa idiota por me sentir perdida ao seu lado, certamente não era assim que ela se sentia comigo.

E o que era isso, afinal? Odiava não entender o que eu mesma sentia, ainda mais quando envolvia Sadie. Pensei em comentar sobre com minha mãe, mas depois de dois segundos esse delírio passou.

— Está com sono? — Sua voz me fez formigar.

— Só um pouco, devo ter dormido muito no quintal. E você?

Me apertei ainda mais ao seu corpo, estava sentindo uma imensa necessidade de me aproximar mais e mais.

— Estou ficando com sono por sua causa.

Senti uma pontada repentina.

— Estou te cansando? — Disse preocupada.

— Não, está me relaxando demais — Sua voz foi se baixando lentamente, como um brinquedo com pilhas prestes a acabar.

Suspirei e me ajeitei em seu abraço, me permitindo fechar os olhos lentamente.

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NÃO REVISADO

Capítulo só pra encher o saco de vcs

Logo logo acabo com seus corações

Que a Igreja pegue fogo {SILLIE}Onde histórias criam vida. Descubra agora