Vinte e sete

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Andava sem rumo pelo meio daquele matagal sem fim. Sadie estava logo atrás de mim, quieta, encolhida, e se rastejando.

Eu e ela não trocamos nenhuma palavra depois de todo aquele confessionário com o sol de testemunha, e eu preferia assim. Se eu ouvisse sua voz tentaria descer rolando o barranco ou me prenderia no galho de uma árvore feito macaco. Eu estava muito constrangida.

Pensar que eu odiei tanto aquela garota atrás de mim apenas por um mal entendido que eu tenho uma grande parcela de culpa, isso se eu não for a total culpada de tudo isso que aconteceu.

O que poderia ter sido diferente? Eu devia ter a deixado explicar, talvez nós duas conseguíssemos bolar um plano mirabolante e incrivelmente irreal para sairmos daquela angústia, talvez nós tivéssemos continuado como antes ou... ou estaríamos tendo algo a mais.

Mas não, isso não aconteceu. Estamos descendo um barranco de terra e pedras sem fim, em um silêncio que está me fazendo querer morrer, e o pior de tudo, eu estou morrendo de fome.

Olho para trás vendo a ruiva parar de andar quando percebe meu olhar.

— O que foi? — Ela pergunta timidamente.

Olho para o chão e respiro fundo.

— Quer ir em uma lanchonete comigo? — Soltei um sorriso forçado e agarrei o tecido da minha própria blusa.

— Millie, acho que eu já disse que não tenho dinheiro.

— Eu não estaria te convidando se não fosse pagar — Bati as mãos nos bolsos na minha roupa e gelei quando não senti minha carteira.

— O que foi? — A ruiva se aproxima mas eu me afasto rapidamente.

— Nada — Coloco as mãos na frente do meu corpo em sinal de espaço — Só deixei minha carteira em casa.

Sadie ficou me encarando constrangida, e eu a encarei igual.

— Que tal ir na minha casa uma última vez? — Mordi o interior da minha boca, sentindo meu estômago se revirando.

— Não sei se sou bem vinda lá.

— Eu também não sou mais.

A ruiva me deu um sorriso acolhedor e então começou a descer o barranco correndo como se estivesse sendo perseguida, mas ela parecia feliz, feliz de verdade.

— Eu vou escolher onde vamos comer — Ela gritou lá de baixo — Quem chegar por último é a mulher do padre.

Soltei uma risada vendo que aparentemente ela não havia mudado nem um pouco o jeito que estava positiva sempre, e logo em seguida comecei a correr atrás dela, tentando ao máximo não cair em alguma pedra ou galho.

— Isso aqui é foda pra caralho! — Eu vi o exato momento em que ela bateu seu pé em uma pedra e caiu com a cara no chão. Mas ela não gritou, não levantou, e muito menos se moveu.

— Sadie! — Comecei a correr mais rápido, e assim que ela se virou  percebi que não era nada sério — Você me assustou — Bufei.

  Ela estava calma, olhando para o céu e o admirando, com uma face angelical e alegre como nunca.

— O que está fazendo? — Apoiei minhas mãos nos joelhos e aproximei meu rosto.

— Aproveitando.

— Aproveitando um calor de 30°?

Sink fechou a cara e me puxou para o chão.

— Você não sabe ver o lado bom em nada? — Neguei com a cabeça — Nadinha mesmo?

— Sadie, eu vejo o sol todos os dias, sabia que isso é normal?

— Você não olha ele direito — Ela continuou me segurando, tentando não me fazer escapar.

Sadie encarava o céu, e eu encarava seus olhos. Da última vez que estivemos aqui eu vi perfeitamente seus olhos brilharem na luz do luar, e agora estamos aqui, quatro anos mais tarde, sendo banhadas pelo sol.

Algumas coisas nunca mudam.

— O que você faz pra se divertir? — Sua voz me tira de um transe, me assustando.

— Eu? Ah — Soltei minha mão e acabei com uma coceira imaginaria no meu braço. Já deveria imaginar que ela tentaria acabar com meu psicológico — Qualquer coisa, eu acho.

— Que tipo de coisas?

Franzi a testa e revirei os olhos. Essa garota ainda vai me fazer ter um treco.

— Eu sei lá, eu vou pra festas, faço academia, ou vou encher o saco do Finn.

A de olhos azuis pareceu apreensiva por alguns segundos. Será que ela está preocupada com Finn?

— É chato.

Coloquei minhas mãos no rosto e urrei — O que eu faço de errado agora, Sink?

— Você não faz nada errado, mas poderia fazer mais.

— O que eu poderia fazer pra' me divertir? Não tem mais nada.

— Qualquer coisa — Ela se apoia nos cotovelos e me encara — Você está fazendo algo diferente exatamente agora.

— Mas não estou me divertindo — Mostrei a língua e fechei o rosto ainda mais.

— Então por que não foi embora?

Fechei os olhos e respirei fundo. Por que eu não fui embora?

— Cansei, você quer comer ou não?

Sadie riu de mim e então encarou o resto da descida.

— Tem um jeito mais legal e muito mais rápido de chegar lá embaixo.

— Não, não inventa.

Falei tarde, quando fui perceber a ruiva havia me dado impulso para sair rolando feito um pneu velho.

— Próxima parada, sua casa! — E então ela saiu rolando atrás de mim.

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NAO REVISADO

Que a Igreja pegue fogo {SILLIE}Onde histórias criam vida. Descubra agora