Três a menos, vinte e três por vir.

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Jennie se levantou por volta das sete na manhã seguinte, pegando a camiseta de Lisa do chão e a vestindo com uma calcinha limpa. Ela não tinha dormido muito bem, mas ultimamente isso não era tão incomum assim. De uns tempos para cá, seus sonhos têm a deixado acordada durante a noite. Naquela madrugada, ela deve ter tido no máximo umas três horas de sono, em meio a todo o seu vira pra cá, mexe pra lá na cama. Ela estava com muitas coisas em sua mente, mas não sabia nem como começar a dizer o que estava a incomodando.

Na verdade, sim, ela sabia.

Era aquele maldito sonho - o mesmo que ela vem tendo há mais ou menos um mês. Nele, ela dança com um vestido de baile azul royal, e isso era estranho, já que Jennie não sabia dançar. Mas em seu sonho, ela deslizava sobre um lindo piso de madeira brilhante avermelhada, seus pés mal tocando o chão ao ser guiada por uma pessoa misteriosa que valsava com ela. E aí é que estava o motivo de ela não conseguir suportar o sonho: pois lá em seus braços estava uma mulher um pouco mais alta que ela, com bom porte, elegantemente vestida em um terno feminino - mas ela não tinha um rosto. Jennie não sabia quem era. Apenas uma vez, na segunda noite em que o sonho aparecera, ela conseguiu captar um rápido vislumbre do olhar esmeralda estranhamente conhecido. No entanto, algumas pessoas a sua volta tinham olhos verdes.

A mulher de seu sonho jamais falava, ela sequer respirava. Ela apenas a mantinha em seus braços em um aperto firme, valsando com ela pelo salão, e o sonho sempre terminava do mesmo jeito. O mulher sem rosto se inclinava em sua direção e lhe beijava - um beijo tão intenso que mesmo depois de acordada, Jennie ainda conseguia senti-lo em sua boca. Ela não via nenhum sentido naquilo. Ela nem mesmo possuía um vestido azul, ainda mais um vestido de gala como aquele. E ela não entendia como poderia sequer ser possível beijar uma pessoa sem face, mas aparentemente a possibilidade existia, já que ela sentia as mãos quentes segurando seu rosto, os suaves lábios de veludo mexendo junto com os dela, e a língua macia que invadia sua boca. Era o tipo de beijo que você sente dos pés à cabeça; aquele sobre qual você se gaba ao contar às amigas. Era o beijo perfeito, essa era a única forma de descrevê-lo.

Perfeito.

E tudo isso estava levando Jennie à loucura. Quem era aquela mulher misteriosa? Por que ela ficava tendo esse mesmo sonho? Por que ela não tinha um rosto?

O sonho a chateia já há semanas, e ela continuava a voltar com toda a força. E por mais que ela tentasse pensar em outras coisas ao se preparar para dormir, o sonho ainda assim aparecia, e agora a mulher começava a surgir em seus devaneios, quando ela sonhava acordada no trabalho. Mesmo agora, enquanto ela sentava-se desleixada no sofá, comendo cereal e assistindo a um infomercial qualquer sobre implantes capilares, o sonho passava diante de seus olhos como um filme.

Seu devaneio foi interrompido pelos sons altos dos passos de Lisa.

— Bom dia! — Lisa disse, grogue, esfregando os olhos. Jennie ainda se impressionava com a habilidade dela de andar pelo apartamento com a visão limitada. Se ela tentasse fazer isso, certamente toparia o joelho em uma quina.

— Oi... — Jennie respondeu, abocanhando outra colherada da mistura açucarada.

— O que você está comendo? — Lisa perguntou ao sentar-se ao lado dela.

— Cereal.

— Isso é quase cem por cento açúcar, Nini. Porque está comendo isso?

— Eu não consegui resistir ao cartoon do coelhinho saltitante na TV. É culpa sua. É a sua campanha, afinal. Então eu como esse açúcar por sua causa!

— Espertinha — Lisa murmurou, pegando o controle na mesa e começando a mudar de canal em canal. Era domingo de manhã cedo; não havia absolutamente nada passando na televisão.

ALPHABET WERKENDS - JENLISAOnde histórias criam vida. Descubra agora