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Antes de sair, Newt certificou-se que os pneus da velha bicicleta estivessem cheios, soltando um resmungo quando alguns pingos de chuva ameaçaram no céu. Subiu na bike, pedalando sem muita pressa pelas calçadas escorregadias. Malditas áreas sem ciclovia.

Não tinha a menor ideia do que esperar daquela conversa, mas ainda assim podia sentir sua barriga retorcer com a desconfiança. Parte dele talvez nunca confiasse completamente em alguém outra vez, ele só não percebia. Ainda não sabia se contaria para Thomas sobre isso, se valeria a pena trazer o assunto a tona.

Logo podia enxergar o playground, aqueles brinquedos coloridos marcados pelo tempo com ferrugem e tinta descascada. Newt lembrava de ter perdido um dos dentes de leite se atirando do topo do escorregador, nem sabia porque tinha pulado daquele jeito, se achou que voaria talvez, mas era fato que seu canino havia se perdido na areia de procedência duvidosa que inundava o chão.

Com o passar do tempo, se tornou a criança que sentava nos balanços e lia livros infantis, preso em seu mundinho de fantasia. Podia contar três vezes que garotos um pouco mais velhos atiraram seus livros na mesma areia que perdera seu dente. E o chamaram de "bichinha." Ao mesmo tempo, essas lembranças tinham um toque nebuloso, algumas tornaram-se nítidas nos segundos antes dele pegar no sono, muitos anos depois. Ou enquanto estudava algum conteúdo de álgebra que não estava entrando em sua cabeça e de repente: Boom. Um novo trauma relembrado.

Foi deste jeito que confirmou que todos nós somos traumatizados em maior ou menor nível, e ao ver a figura de Teresa surgir lentamente em meio a neblina e chuva fina, ele lembrou-se com uma riqueza de detalhes absurda tudo que ela já havia o feito. Então confirmou outra vez: Sim, todos são traumatizados em maior ou menor nível. Mas porra, Teresa e Alby se esforçaram para elevar este padrão.

Agora a garota estava a poucos metros dele, que havia esperava sentado em um daqueles balanços caindo aos pedaços. Os olhos dela eram gelados, grandes e hipnotizantes, belos olhos com certeza. Sua boca abriu levemente como se fosse falar algo, mas os lábios fecharam-se em seguida e ela sentou-se ao lado, naquele pedaço de madeira pintado de amarelo que fazia um som estridente quando movimentava com o vento.

Segundos de silêncio se mantiveram, como se nenhum dos dois quisesse dar o ponta pé inicial.

— Bom, quem parecia ter algo a dizer era você. — Ele disse sem muita simpatia.

— Acho que você vai ser pra sempre um pouco cínico. — Respondeu-lhe quase como num soco no queixo.

— Você me expôs outra vez na frente de um bando de adolescentes.

— E você fez o que me chamando de "Saco de Pancadas do meu namorado" na frente de um bando de adolescentes? — A resposta saiu queimando sua língua de tão rápida.

O loiro ficou quieto, parte dele não conseguia sentir-se tão mal por ter sido cruel com Teresa naquela festa. Uma parte talvez sem caráter, talvez muito ferida. Provavelmente ambas.

— Eu fui uma babaca e sei disso, sinto muito. — Suspirou, olhando-o diretamente pela primeira vez desde que chegou. — Mas você outra vez presumiu tudo errado.

O rosto de Newt se torceu em uma expressão confusa.

— Albert nunca fez absolutamente nada para mim. — Deu ênfase na frase. — Mas devia saber, como meu melhor amigo de infância, que com o meu pai as coisas não são bem assim, desde sempre.

Mas que merda... — O resmungo saiu ofegante entre seus dentes.

Agora a grande flecha da culpa havia atravessado seu peito. E mais lembranças pareciam se desenterrar do solo daquele parque, feito zumbis em filmes ruins como "Meu Namorado é Um Zumbi" que Thomas o havia convencido a assistir.

movie session | newtmasOnde histórias criam vida. Descubra agora