Cap 76

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Depois da aula o resto do dia foi como qualquer outro, digo, qualquer outro depois que eu fiquei com minhas tardes livres para ficar só encarando o teto. O dia foi arrastado, mas no geral nada demais houve. Error não veio pela janela, nem mesmo Kin parecia no clima de me atentar o resto do dia.

No dia seguinte, eu sigo minha rotina normalmente. Não era um dia diferente dos outros, era uma terça-feira comum até eu descer as escadas e ver minha mãe sentada no sofá encarando a correspondência. Me aproximo dela e pergunto:
-O que foi?
Ela estava arrumada para o trabalho, mas parecia preocupada com algo. Seu olhar veio em minha direção e eu gelei um pouco por dentro, ela transmitia seu sentimento com o olhar.
-É sobre meu pai?-perguntei agora mais sério.
-Também, ele está sendo investigado ainda, e não é você que vai lidar com isso, mas..-ela me passa a carta-É uma resposta de uma das faculdades.
-Já?
-Não está tão cedo, você enviou seu portfólio para elas assim que as inscrições começaram.-ela diz e eu observo a carta em minhas mãos, é uma das últimas que eu enviei minha inscrição.-Abre, vai.
-E se não me aceitarem?
-E se aceitarem?
-Tenho minhas dúvidas.
Encaro o envelope mais uma vez.
Eu não tinha nem pensado sobre faculdade durante o ano, tinha tantas outras coisas pra pensar sobre, que rejeição acadêmica era o menor dos meus problemas. Mas agora, segurar um envelope nas mãos e eu poder ser rejeitado assim era uma possibilidade maior, e por mais que a faculdade que me enviou uma resposta não fosse a minha primeira opção, me doía saber que eles podiam só não me querer, ou não me acharem o bastante.
Sem perceber acabo estalando meu dedo indicador com o dedão e é isso que me traz de volta a realidade.
-Tá bem.-digo hesitante e abro o envelope.

"Querido (a) estudante,

Lamentamos informar que..."

-Uau, eles são bem secos.-entrego a carta para minha mãe e suspiro.-Menos um.
-Sinto muito querido.-ela lamenta e amassa a carta.-Eles que perdem.

"Ou talvez só eu mesmo"

Dou de ombros e deixo a frase dela no ar. Vou até a cozinha e pego uma maçã da cesta perto da geladeira e vou para a porta da frente enquanto digo:
-Não precisava ficar aqui por causa de uma carta, mas obrigado, até depois mãe!-saio de casa e fecho a porta.
Não ouço ela me respondendo, então começo a andar até a escola.
Eu sei, é um dos quatro ou cinco planos que eu tenho para faculdade, mas acho que por ser a minha primeira resposta isso deixa as coisas mais tensas.
Parece que o que eu investi não foi o bastante, e eu passei um ano inteiro planejando meu portfólio e parece que não foi o bastante, parece que eu preciso de validação acadêmica para ter certeza de algo sobre mim mesmo. Eu sempre quis ser o melhor aluno, sempre quis ser um modelo, não porque eu gostava do título, mas eu gostava da validação que aquilo me trazia. Eu gosto de agradar as pessoas, mas eu preciso disso? Tipo, isso realmente fala algo sobre mim? O cargo do grêmio, a faculdade, isso tudo de agradar os outros. Eu nem gosto de todo mundo.
Respiro fundo e solto o ar pela boca, frustrado. Eu consigo me questionar, mas como eu paro? Eu não posso também estourar agora no final do ano, as coisas podem continuar assim um pouco certo? Eu só não posso morrer por uma carta de rejeição, mas não parece fácil fazer isso quanto é fácil falar.
-Talvez eu realmente precise de terapia.-falo comigo mesmo e dou uma risada fraca.-Que ridículo, me lamentar não vai mudar aquela carta...

"Mas ficar sem fazer nada só vai te fazer pensar mais."

Continuo caminhando até a escola, ainda pensando na carta e na possibilidade das próximas serem assim também, que por mais que sejam poucas as chances de nenhuma me aceitar, ainda assusta essa chance existir.

Quando chego na escola eu vou direto para o meu armário e começo a me ocupar com encarar o caderno de desenhos que estava lá dentro. Não tinha nada além de rabiscos, acho que o mais interessante era um busto grego desenhado e preenchido com palavras, e não eram nada animadoras. Queria ter coragem de o arrancar mas ele estava muito bonito para ir parar no lixo.
-O que está encarando?
Me viro para trás de vejo Error.
-Desenhos velhos.-fecho o caderno e o guardo em seguida.
-Algo pra mim? 
-Não, nem vou desenhar nada para você.
Mentira, todo artista que se apaixona faz algo para a pessoa que gosta, e não é diferente comigo. Eu só preferia fingir que não existia para não aumentar mais o ego de certas pessoas.
-Eu também não vou escrever meus textos pra você.-ele diz e cruza os braços.
-Você nem escrever com essa frequência toda, para de se achar escritor, você só tem lábia.-o provoco e fecho meu armário.
-Tá bem, talvez eu não escreva de verdade, e daí?
-E daí que você não vai fazer negócios comigo sem nada a oferecer.-digo e tiro uma folha dos ombros da jaqueta dele.-Veio a pé?
-Isso é o Fresh e a mania de deixar a janela do carro aberta.-ele ajeita a jaqueta.-Eu quase não vinha assim, o Geno gosta de implicar.
-Ele não deve gostar de você parecer um delinquente que vende droga, só isso.
-Eu não faço mais a segunda parte.-ele murmura.
-Mas é um delinquente.
-Aqui, faz um bom tempo que eu não vou mais para a detenção ou entro em brigas.-ele se defende.
-Independente.-me encosto no meu armário e o encaro.-Ainda não perdoei aquela briga nossa.
-Ai ai, dramático.-ele revira os olhos.
-Você me mordeu!
-Desculpa se você não adestrou seu cachorrinho antes.-ele dá de ombros.
Fico sem resposta e só fecho a cara.
-Eu ganhei essa.
-Cala a boca.-digo e solto uma risada.
O sinal toca e nos encaramos.
-Vamos?
-Eu tenho escolha?-ele pergunta.
-Pode ficar aqui e pegar detenção se quiser.
Ele beija minha bochecha e depois começa a andar até a cantina.
-ATÉ A DETENÇÃO.
-Não sabia que me chamar para sair era tão difícil a ponto de arrumar problema só pra me ver.-murmuro enquanto entro para a sala de aula.

O Lado Complicado de Amar Seu inimigoOnde histórias criam vida. Descubra agora