- Por que ele tá demorando tanto pra chegar? - Heloísa andava de um lado para o outro.
Estavam todos reunidos no apartamento dele. Laís, Monteiro, Creusa, um pessoal do escritório, Moretti e Guida.
- Helô, a situação tá bem mais complicada do que você imagina. - Monteiro tentou explicar.
- Eu não quero saber. - Heloísa bufou. - Vocês não me deixaram falar por telefone, não me deixaram ir até ele, e ele não chega no Rio de Janeiro nunca! Tem algo de errado, eu sei que tem. Meu faro de delegada tá me dizendo, e..
Ouviram a campainha tocar.
O coração de Heloísa praticamente parou naquele mesmo segundo, e os olhos dela ficaram fixos à porta.Ouviu o barulho do molho de chaves, o enfiar de uma delas na maçaneta e aquele momento entre destrancar a porta e abrir pareceu eterno.
Tinham encontrado Stenio há mais de um mês, mas por algum motivo os médicos não o liberavam para falar com ela e nem para terminar o tratamento no Brasil. Ela estava cada vez mais agoniada, e todos ao seu redor percebiam. No entanto, encontrava alívio no fato de que ele estava vivo. Isso devia ser mais do que suficiente, se é que as pessoas estavam dizendo a verdade e ele estava, de fato, vivo. Ninguém mentiria sobre isso, certo?
Quando a porta finalmente se abriu, ele entrou no apartamento, olhando ao redor com estranheza.
Heloisa pensou em como ele devia estar estranhando estar finalmente em casa depois de passar poucas e boas em um sequestro, em cativeiro. Não conseguia nem imaginar como havia sido para ele. Stenio sempre foi extremamente sensível, não conseguia nem olhar para a arma que ela deixava em cima da mesa. Ela sempre teve de guardar seus acessórios policiais numa gaveta específica, a qual ele nunca abria. Nem para pegar algo para ela como favor.
Viu o rostinho dele ainda todo cheio de hematomas roxos e esverdeados, devia ter levado muitas pancadas fortes na cabeça porque 1 mês depois e ele ainda tinha manchas evidentes.
- Meu amor. - Heloísa suspirou aliviada ao vê-lo entrar pela porta da frente. Caminhou até ele em passos duros e decididos, como quem estava completamente desesperada.
Não sabia como estava o psicológico dele. Se Stenio tivesse apanhado muito, talvez pudesse ter desenvolvido algum tipo de trauma em relação a toque físico. Heloísa não teve nem tempo de se preocupar com isso, porque sua necessidade dele era maior que tudo.
Atravessou o apartamento, se aproximando da porta. Ao enlaçar os braços pelos
ombros dele, o beijou de língua, intensamente, descontando toda sua saudade, todo seu carinho, todo seu amor. Gemeu baixo contra a boca dele, de satisfação.Stenio a segurou pela cintura, meio perdido.
Assim que o beijo acabou, eles se olharam nos olhos.
Heloísa esbanjava alívio, e suspirava muito grata a Deus e ao universo por aquele homem estar exatamente ali, bem de frente para ela.
Já Stenio, a olhava diferente.A primeira coisa que Helô notou foi isso. O olhar esquisito dele. O que estava errado? Porque algo estava errado, e disso ela já tinha certeza.
- Quem é você? - Ele murmurou, se afastando dela, com estranheza.
Heloísa o olhava atentamente.
- Como..? - Ela riu, achando graça da brincadeira. Olhou ao redor.. Ninguém estava rindo. - Como quem sou eu? Sou eu, Stenio. Heloísa. - Ela respondeu, como se fosse óbvio.
- Helô.. - Laís se aproximou por trás dela, passando as mãos pelos braços da amiga, afagando. - Por que não deixamos ele descansar? Ele deve estar muito cansado, o fuso horário uma bagunça, sem contar a situação num todo.
Heloísa não tirava os olhos dele.
- Com licença. - Pediu, não querendo ser rude.
Stenio se deixou ser levado pelo amigo, em direção ao quarto. Precisava mesmo dormir horrores.
- O que está acontecendo aqui? - Helô sussurrou com lágrimas nos olhos, olhando ao redor.
Observou o rosto de cada amigo, e eles todos tinham a mesma expressão. Preocupação, e arrependimento. Como se tivessem cometido uma merda coletiva e agora todos, absolutamente todos, estivessem sentindo culpa ao mesmo tempo.
- Quando ele acordou no hospital, ele não sabia nem o próprio nome. - Moretti começou a contar. - Com o tempo foi melhorando. Lembrou o nome, mas não sabia a idade. Sabia o nome dos pais, mas não sabia que era pai. Problemas de memória, dados pela forma como levou muitas pancadas na cabeça repetidas vezes. O pessoal da máfia pegou pesado com ele, Helô.
Heloísa olhava para todos seus amigos, intercalando um olhar com o outro. As lágrimas em seus olhos começavam a se formar e caiam em forma de cachoeiras.
- Vocês só podem estar brincando comigo. Isso só pode ser uma brincadeira de mal gosto.
- É verdade, prima. - Guida suspirou. - Queríamos que ele te visse, porque achamos que assim, talvez.. Quer dizer, com certeza ele ia.. Bom, nós achamos que ia!
Helô respirou fundo, passando as mãos pelo rosto, de forma bruta. Forçava-se secar as lágrimas, tentando evitá-las a todo o custo.
- O Stenio se esqueceu de quem eu sou? - Ela riu, com ironia. - Vocês só podem estar brincando com a minha cara. É algum tipo de brincadeira, eu tenho certeza.
- Queria que fosse. - Laís interviu. - Ele também não se lembra de mim, do escritório, de nada.
Heloisa andava de um lado para o outro, mexendo nos cabelos, ansiosa.
- E não ocorreu a nenhum de vocês me contar? Vocês só acharam que a melhor opção era trazer ele pra mim nesse estado e, assim, eu não ia perceber? - Perguntou, já evidentemente irritada e puta com todos eles ali.
- A gente não achou que fosse tão pesado. A gente jurou que ele saberia quem era você! - Guida justificou.
- Fala sério, se tinha uma pessoa que ele devia lembrar, era você! - Moretti argumentou, se juntando a sua mulher.
- Helô.. - Laís tentou encostar em sua mão, ao que Heloísa recusou.
- O Stenio não lembra mais de mim. - Ela murmurou, se sentindo completamente por absolutamente todos eles ali. - Vocês estão ENTENDENDO o que isso significa? O que isso implica?
Todos olhavam para ela, assustados. Não tinham como negar: estavam errados. Deviam tê-la preparado. Mas o fio de esperança se manteve tão intacto para todos eles, que concordaram em agir assim.
Um clima tenso ficou no ar.
- Quem vai cuidar dele agora? - Heloísa se preocupou. - A família mora em Curitiba, ele..
- Vai ter que ser você, Helô. - Laís suspirou. - Tem que ser você.
- Ele nem se lembra de mim. Como eu vou..? - Heloísa suspirou, frustrada.
Isso seria dolorido.
- Não sei. Mas você vai ter que passar por isso. E quem sabe, com o tempo.. - Guida comentou, esperançosa.
Heloísa suspirava.
Parecia que o pesadelo não acabava, só se estendia.