19. foda-se meu emprego

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- Estávamos casados.

- Porra. - Stenio suspirou, passando as mãos pelo rosto, sem acreditar.

Heloísa sentiu seu estômago revirar.

- Mas a gente tinha brigado. Por.. Você sabe, pelo cofre, a máfia espanhola, toda essa bagunça. Eu nunca gostei das coisas erradas que você faz, eu sou uma delegada, . Eu faço tudo certinho, sempre fiz. E você.. Simplesmente é o oposto de mim. A gente teve uma briga muito feia, eu tava muito preocupada com você. Eu te dei um ultimato, você ficou muito chateado. Te mandei.. Ir embora daqui. Porque você continuou tendo seu apartamento. - Ela engoliu a seco. - E você foi. Pegou suas coisas todas, e foi. Sem olhar pra trás.

Stenio estava com os cotovelos apoiados nas pernas, e as mãos em cima da boca, ouvindo a história quieto e atento.

- A gente ficou uns dias sem conversar. Eu descobri por terceiros que você ia viajar a trabalho. Não estranhei você não falar comigo por isso, porque não estávamos bem. Eu tava agoniada, pensando que íamos nos separar..

Stenio olhou os olhos vermelhos dela. Heloísa estava genuinamente perdida e extremamente sensível.

- E de repente eu me vi num pesadelo cada vez pior. Você sumiu, eu tinha que te achar.. Eu quase perdendo meu emprego, tentando te encontrar..

- Você quase o que? Tá maluca? O teu emprego, Heloísa? Ser delegada é a sua vida.

Ela riu fraco.

- Foda-se meu emprego, Stenio. Se eu fosse pega e perdesse meu cargo antes de te encontrar, você podia morrer. Eu só pensava nisso.

A realidade daquela conversa o atacou em cheio. Ela o amava, e faria absolutamente tudo por ele: não havia nada que ela não fizesse. Era incondicional.

- As horas passavam, eu não te achava. Eu tinha pistas, claro. Algumas coisas me levavam pra ruas sem saída.. Foi desesperador. Até que eu te achei, e por um segundo.. Por um segundo pareceu que estava tudo bem.

Stenio percebia a falta de ar dela ao falar. Heloísa se tremia toda ao contar a história em detalhes, e ele pôde perceber o quanto ela ainda estava traumatizada.

- Mas aí você foi pro hospital, e os dias foram passando. Dias se tornaram uma semana. Uma semana, outra semana.. Várias. E então você voltou, mas eu sabia que tinha algo de errado. Eu tava morrendo de medo de você ter alguma coisa grave que colocasse sua vida em risco, mas aí você não se lembrava de nada, e ninguém me avisou.. E eu entrei em pânico. Você começou a reagir mal, a se afastar, e eu só queria..

Ela respirou fundo, sem ar.
Stenio pegou as mãos dela e fez carinho ali, olhando em seus olhos com toda a atenção do mundo. Todo o cuidado.

Helô se acalmou com o toque dele como se fosse um passe de mágica.

- Fiquei com medo de te contar e você reagir cada vez mais negativamente. Então eu fiquei.. Presa, esperando o momento certo. Mas o momento certo nunca chegava, nunca chegava.

- Tá tudo bem agora. - Ele a tranquilizou. - Hm? - Stenio secou as lágrimas dela com o polegar. - Não tá? Tá tudo bem. Eu to aqui, eu já sei de tudo. Já passou.

Heloísa assentiu.

- Perdão. Por não dizer antes, eu.. Juro que eu tentei.

Stenio ponderou tudo que ela tinha vivido. Não conseguia se ressentir com ela.

- Tudo bem. Você fez o que pôde. Eu realmente não estava bem, e só Deus sabe como eu iria reagir com tudo. Que bom que você não me contou de uma vez. - Stenio elogiou, tentando acalmá-la.

- Você acha mesmo?

- Claro que sim. - Ele assentiu, certeiro. - Eu já surtei com muito menos. - Riu leve, admitindo.

- Ótimo. - Ela suspirou, aliviada.

No rosto, duas marcas de lágrimas escorridas que iam dos olhos até o queixo. Stenio limpou o rosto dela, secando.

- Então.. Quer dizer que você já é avó? Jovem e bonita desse jeito? - Ele brincou, flertando.

Heloísa gargalhou, sem conseguir conter a risada. Assentiu, rindo.

- De dois. E você também. - Ela bateu no ombro dele, ainda rindo.

Stenio se aliviou ao ver o brilho nos olhos dela, descontraída, se divertindo e brincando. Era bem melhor do que aquela agonia de assistir enquanto ela chorava. Não queria vê-la assim nunca mais.

- Mas eu to acabado. Olha só esse tanto de cabelo branco! - Stenio apontou seu próprio rosto.

Heloísa suspirou, passando a mão pelo rosto, e fungando.
Stenio continuou olhando para ela, atentamente.

- Obrigado por me salvar.. O tempo todo. - Ele murmurou. - E por cuidar tão bem de mim mesmo quando eu não merecia. Acho que to.. Não lembrando, porque lembrar é impossível. Mas entendendo cada vez mais essa nossa dinâmica. Eu tenho sorte por te ter. - Ele admitiu. - Essa nossa conexão parece mesmo coisa de outra vida.

Ela riu leve.

- Que bom que você me perdoou. - Disse, aliviada. - Eu tava morrendo de medo do que você ia fazer quando descobrisse.

Stenio suspirou.

- Desculpa se.. Eu reagi mal. Eu tenho lidado com tanta coisa.. Quer dizer, eu não soube lidar com tanta coisa com as quais eu tinha que lidar..

Um silêncio esquisito permaneceu no ar.

- Preciso conhecer minha filha. E meus netos. - Ele pediu.

- Mesmo? - Heloísa se animou.

- Mesmo. - Stenio garantiu.

Ela ficou encarando o advogado a sua frente, confusa.

- Você tá mesmo pronto pra isso? - Heloísa quis confirmar.

- Olha, não to. Mas ficar fugindo de tudo também não me levou a lugar nenhum então.. Eu posso tentar. - Ele deu de ombros.

- Stenio, tem criança no meio. Seu neto é apaixonado por você. Ele é obcecado por você, tudo que você faz ele quer fazer igual. O Fe ele.. - Ela balançou a cabeça negativamente. - Ele vai morrer do coração se você não gostar dele nessa tua versão 2.0.

Stenio se preocupou. Era muita responsabilidade, mesmo.

- Você vai contar pra ele que eu perdi a memória?

- Nós temos que contar. O que acontece a primeira vez que ele comentar algo que vocês já fizeram juntos e perguntar se você se lembra? - Heloísa o provocou.

Stenio assentiu.

- Tá, tá. Sem mais mentiras. - Concordou.

- Certo.. Vamos esperar uns dias. Você fica aqui comigo.. E se nada de fato acontecer, se aquela mensagem que você recebeu tiver sido um alarme falso, e a máfia não der sinal de vida.. Eles podem nos visitar. Eu to doida pra conhecer a Clarinha mesmo.

- Clarinha? - Stenio franziu o cenho, curioso.

Heloísa se esticou até a beira do sofá, pegando seu celular, e passou a mostrar fotos da família. Estava um pouco receosa, então só falava o mínimo. Stenio notou. Foi fazendo uma pergunta e outra, até ela se empolgar. Gostou quando notou que Heloísa voltou a falar com ele como se nada de ruim tivesse acontecido entre eles dois.

Se iam morar juntos, menos mal que fosse enquanto se davam super bem.

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