17. perto, perto

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Não conseguia fazer muita coisa.

Ia da delegacia para casa, da casa para a delegacia.

Por algum motivo, não conseguia deixar de reviver a última briga. O Stenio atual constantemente falando sobre não saber o porquê deles terem sido casados lhe dava nos nervos, em parte, porque achava que ele tinha razão.

Depois que se casaram pela terceira vez, ele manteve seu apartamento.
Em partes, porque gostava do lugar.
Em outras, porque eles sabiam que eram instáveis.

Ele nunca tinha saído de casa, mas naquela última briga ela tinha feito isso. Ela de fato tinha pedido que ele fizesse as malas e fosse pra longe dela, voltar para seu apartamento, por mais que não tivesse pedido o divórcio de fato.

Se arrependimento matasse, Heloísa adoraria estar morta.

Se sentia mal, porque aquela sensação que o Stenio atual tinha, de que não entendia o porquê de serem casados.. Era algo que ela também pensava. Entendia que se amavam genuinamente, isso era óbvio. Mas estavam sempre se machucando mais do que tudo, e a prova disso foi a maneira que as coisas ficaram quando ele foi sequestrado. Mas ela podia jurar do fundo de seu coração que tudo agora era diferente, porque sentia a dor de quase perdê-lo dentro de seu coração.

Havia prometido a Deus por tantas vezes que, se Stenio estivesse vivo, ela o pediria pra voltar pra casa. Se ajoelharia, e o pediria em casamento. Faria o que tivesse que fazer!
Pela quarta vez, quinta, quantas fossem suficientes. Renovaria os votos. Fariam outra lua de mel. Nunca mais brigaria com ele por bobeira, por ciúmes. Muito menos por trabalho, como fizeram tantas vezes, o que marcou a fatídica última briga, a que o fez ir embora.

Agora, ela sentia o coração cheio de amor para dar, mas nenhum destinatário. Ele não conseguia receber o amor que ela tinha a dar.

Ela se perdia em pensamentos sobre aquilo tudo ser considerado traição da parte dele, visto que ele nem sequer sabia que ainda eram casados.
Ela precisava contar.
Contar sobre o casamento
Contar sobre Drika.
Contar sobre Pepeu.
Felipe.
Clarinha.

Ele precisava saber que era marido, pai, avô. Que estava vivendo um surto, e que isso estava respingando nas pessoas para quem ele passou a maior parte de sua vida jurando amor eterno e incondicional.

Ao mesmo tempo, Heloísa sentia vontade de pedir outro divórcio, fugir pra outro país como tinha feito da última vez. Fingir que Stenio não tinha nada nem ninguém, e não ter que lidar com absolutamente nada. Fingir que não tinham uma filha juntos. Não tinham construído uma vida juntos.

Helô foi para o trabalho, aérea como sempre. Passou horas interrogando, preenchendo relatórios, subindo dados no sistema. Estava morrendo de sono, na quinta xícara de café, quando percebeu um boletim de ocorrência diferente dos outros.

- O que é isso aqui? - Ela viu o nome de Stenio ali. - Yone? - Ela chamou, falando alto o nome da colega.

Caçaram as informações. Alguém tinha colhido o depoimento dele, não havia sido nenhuma das duas. Aparentemente ele tinha dado queixa on-line.

- Laís. Me escuta. O Stenio tá no escritório? - Ela perguntou, indo direto ao ponto, ignorando o "bom dia Helô, tudo bem?"

- Helô... - A voz de Laís já estava preocupada do outro lado do telefone. - Aconteceu alguma coisa? Ele tá de folga hoje, não veio trabalhar. Amanhã ele tá de home office..

Ela desligou o telefone na cara da amiga.
Pegou as chaves do carro e se apressou a dirigir pro endereço dele, ansiosa. Ligava para ele, que não atendia nunca.

Subiu o elevador, clicando no andar dele. O mecanismo nunca pareceu tão lento.
Tocou a campainha dele repetidas vezes. Na quarta vez, Stenio abriu a porta.

Ela o olhou, com os olhos lacrimejando, e o atacou num abraço super forte, ao qual Stenio não teve muita opção senão corresponder. Ter a mulher ali, o abraçando com tanta força, com tanta vontade, tão aparentemente preocupada e emocionada.. Ele só sentia vontade de cuidar dela.

- Heloísa.. - Ele disse, carinhoso. - Tá tudo bem? - Sussurrou, tomando a mulher que era mais baixa que ele, em seus braços. Descansou o queixo no topo de sua cabeça, enquanto Heloísa escondia o rosto no peitoral dele. A ouviu soluçar em seus braços.

- Cara. Que susto. - Ela respirou bem fundo, se afastando. Se segurava nos braços de Stenio, o olhando nos olhos.

Nem acreditava que estava na frente dele, e estava tudo bem. Heloísa olhou ao redor, buscando por escutas ou câmeras.

- Você tem que vir comigo.. Almoçar no meu apartamento.. A Creusa fez seu favorito, arroz de cuxá. - Ela piscou para ele, como quem queria que ele seguisse a onda dela.

Stenio olhou ao redor. Ela parecia do fbi, deslizando pelo apartamento, fazendo códigos e sinais.

- Tá bem. Você tá de carro? - Ele se preocupou.

Heloísa assentiu.

- Me dá a chave. - Ele pediu, estendendo a mão para ela.

- Eu dirijo. - A delegada insistiu.

- Você tá super chateada, eu consigo ver de longe. Deixa que eu dirijo. - Stenio insistiu.

Ela suspirou, frustrada.
Como era possível conseguir fingir com todo mundo, menos com ele?
Deixou a chave na mão dele, e juntos eles desceram pelo elevador, até entrarem no carro.

Heloísa passou a mão pelo peitoral dele, desceu as mãos para a calça, apalpando os bolsos.

- Opa. Ei. Que isso?! - Stenio estranhou quando ela passou a mão por todo lugar.

- Como você da queixa na polícia de ameaças virtuais e não me avisa, seu infeliz? - Recebeu alguns tapas da delegada.

- Ai ai. - Stenio segurou o braço esquerdo, sentindo dor. - Não quis te incomodar, você parecia brava comigo.

- Que mane me incomodar, Stenio? Eu fico brava com você, eu te odeio, eu quero te matar, mas a partir do momento que alguém encosta um dedo em você, eu...

As palavras lhe faltaram.

- Pelo que eu li do relato, a máfia que te sequestrou ainda não desistiu de conseguir a localização do cofre. Devem estar com escutas, câmeras, cerco montado ao redor do seu apartamento. Você tem que ficar perto de mim.

Ela instruiu, enquanto ele dirigia pro apartamento dela.

- Perto como? - Ficou confuso.

- Perto perto.

- Vou me mudar pro seu apartamento? - Ele riu fraco.

- E se for?

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