- Você pode.. - Heloísa se virou para ele antes de abrir a porta, ela sussurrava. - Não estou dizendo pra tentar fingir que se lembra dela. Só.. Seja legal, está bem? Ela é uma pessoa que te ama muito e vocês dois eram muito próximos. - Ela suspirou, preocupada. - Ela é muito gentil, carinhosa e querida. Eu realmente não gostaria de ver a Creusa tão arrasada assim com.. Todas as mudanças. Ela sabe da situação, mas.. Só.. Tenta ser bacana com ela, pode ser? Eu sei que é esquisito, eu sei que você não a conhece, e eu sei que o que eu to te pedindo pode parecer muito.
Stenio engoliu a seco, assentindo.
- Pode deixar, Heloísa.
Ah, todas as visitas.
Um bando de gente de quem ele não se lembrava. Era legal, no sentido de que Stenio era muito amado por todos seus amigos e colegas. Mas era muito ruim, no sentido de que na verdade eram muitos estranhos dando carinho para ele.
Ele não sabia agir, queria simplesmente sumir.
Aquela não era sua vida.
Não eram seus amigos.Quando Heloísa abriu a porta, uma senhorinha muito gentil entrou com os olhos brilhando para ele. Um sorriso enorme, de orelha a orelha, e uma necessidade absurda de tocar no rosto dele, abraçar, beijar. Stenio ria enquanto era tratado como uma criança.
Heloísa sentiu uma pontada de inveja de Creusa. Ninguém o tinha preparado para ver Helô, ninguém tinha pedido que fosse gentil, então ele não foi. Era um sentimento egoísta querer que tudo explodisse? Não queria ser compreensiva. Não queria ajudar. Queria que alguém o obrigasse a cuidar dela, a amar, como sempre fez. Mesmo que ele não quisesse isso.
Que outra pessoa iria se importar com o bem estar dela, senão Stenio?
Se não tivesse Stenio, não tinha muita coisa. O amor dele por ela sempre foi a coisa mais linda do mundo. O jeito que ele cuidava dela, pensava nela acima de tudo, a protegia, estava lá por ela.. Até quando ela não queria, até quando o mandava embora. A diferença era brusca. Dolorida.
- O sinhô tá bem dotô Stenio? - Creusa se apressou em perguntar, ainda agarrada ao advogado.
- To bem, to bem.. Fisicamente eu to ótimo, mas aparentemente o tico e teco não estão em ordem. - Stenio lançou um olhar para Heloísa.
E pela milésima vez ela forçou um sorrisinho ainda com os lábios selados, fechando os olhos. Era o máximo que conseguia fazer. Em seu peito, sempre um buraco aberto, uma ferida exposta. Mas ela não podia demonstrar, precisava engolir.
- E o sinhô não lembra de nada mermo? Oxi! - Creusa estranhou. - Nem de Donelô?
- Donelô? - Stenio se mostrou confuso, franzindo o cenho. Acompanhou o olhar de Creusa, que apontava a tal delegada que não saía do apartamento dele. - Ah, a Heloísa! - Ele assimilou, tardiamente. - Não, Creusa, eu não me lembro de vocês mesmo. - Disse, com pesar. - E sinto muito por isso.
No entanto, seu braço ainda estava em volta daquela senhora tão gentil, acariciando seu ombro.
Heloísa viu a dor nos olhos de Creusa. Mas era algo controlado. Era só a chateação inevitável, não uma rejeição completa, como Stenio tinha feito com Helô.
Ele estava sendo muito zeloso com Creusa, e ela apreciava isso. Precisava agradecê-lo depois.
Creusa, é claro, fez questão de cozinhar e fofocar muito com Stenio, como se ele não tivesse perdido a memória. Ela não pensou duas vezes em contar para ele tudo sobre sua própria vida. Heloísa, cansada, pediu para se retirar um pouco. Estava dormindo na sala, então Stenio ofereceu que tirasse um cochilo na cama dele.
Aceitou.
Foi até o banheiro, tomou um banho relaxante. Estar na casa dele era gostoso, apesar de tudo. Estava envolta pela aura dele, pelo cheiro dele, as coisas dele e, agora, graças a Deus, por ele. Mesmo que estivesse em outro cômodo, estava ali. Esse era seu maior alívio.
Se permitiu passar pelo closet de Stenio e pegar aquela camisa branca social que ela tanto amava que tinha as iniciais dele bordadas na manga. Estava com saudade dele, e queria dormir pertinho.
Sentindo o cheirinho dele de perto, quase que como se ele mesmo a estivesse abraçando, Heloísa se deitou na cama dele. Abraçou o travesseiro no qual ele dormia e que tinha o cheiro do perfume dele muito forte, deitada de ladinho, com a perna em cima do travesseiro. Adormeceu ali mesmo.
Teve um sono profundo. Delicioso. Descansou o que não havia descansado em tempos, no meio de ele estar sequestrado, procurado, achado, adoecido, depois esquecido. Ter a segurança de que ele estava bem, e que estava com Creusa -o que significava que estava muito bem cuidado- fez com que ela se sentisse tranquila a ponto de finalmente se permitir descansar.
Quando acordou do cochilo, sentia a presença de alguém no quarto. Se forçou a abrir os olhos.
Heloísa experimentou algo que só tinha sentido poucas vezes em sua vida.A sensação de acordar e desejar que tudo que você viveu fosse mentira, e não saber distinguir muito bem a realidade do imaginário. Como se estivesse vivendo um sonho, e que só agora estivesse acordando.. De tudo. Nesse caso, de um pesadelo.
Observou o jeitinho com que Stenio olhava para ela, deitada ali na cama. Ele pendia a cabeça pro lado direito, e observava o corpo dela nos mínimos detalhes. Com muita atenção.
E de repente a realidade de que ele não se lembrava dela, a atingiu em cheio. Queria esquecer também. Queria esquecer ele. De qualquer forma, esse Stenio de agora também parecia ter um fraco pelo corpo dela, porque ele parecia gostar de vê-la só com sua camisa e com a calcinha. Heloísa abaixou o olhar para seu corpo e viu os botões meio abertos, os seios marcados na camisa branca um pouco transparente, a camisa que tinha levantado e agora mostrava a calcinha de renda, vermelha.
E por um segundo, o olhar deste Stenio se parecia muito com o olhar de seu Stenio. O olhar faminto, de admiração, de tesão. O olhar que deixava estampado em sua cara: te acho uma puta gostosa.
Talvez pelos motivos errados, mas seu Stenio ainda estava ali. Heloísa sentiu seu coração arder.
- Eu.. Amm.. Foi mal. - Stenio se justificou, entrando mais no quarto e se aproximando mais da cama. - A Creusa já foi embora e eu vim.. Tomar um banho. Você deve estar cansada, né? Tantos dias dormindo no sofá. Volte a dormir, não quero te atrapalhar.
Heloísa desceu os olhos pelo corpo dele. Estava excitado, e ela conseguia perceber de longe.
Ela se desvencilhou dos lençóis da cama, e se ajoelhou ali, engatinhando mais para a beirada, alcançando ele.
Stenio assistiu, perplexo, enquanto aquela mulher deliciosamente selvagem se aproximava dele com o olhar mais pervertido do mundo e um sorriso malicioso.
Devia dizer não, certo?
Aquela era uma má ideia, certo?