Heloísa foi até a cozinha e respirou bem fundo. Se serviu um copo d'água naquela cozinha que lhe era tão familiar. Lembrava de pouco tempo atrás estar com ele bebendo vinho pelos cantos e transando em cima daquela mesma bancada. Parecia que tudo isso tinha acontecido há um bilhão de anos atrás, talvez até mesmo em outra vida.
Ela precisava chorar até perder o fôlego. Queria gritar, quebrar alguma coisa. Queria xingar. Queria se trancar em seu quarto e só sair de lá depois de um ano. Sentia suas forças indo embora, e já sabia que tinha gasto a maioria delas em meio ao sequestro. Não sobrava muito no que Heloísa poderia se apoiar. Ela sentia seu peito doendo, fisicamente. Como se fosse um princípio de infarte, que no caso ela sabia muito bem que nada mais nada menos era do que uma dor de amor.
Ela queria entrar ali, beijar ele, abraçar. Contar como foi horrível estar sem ele, que ela imaginou a vida sem Stenio e que foi insuportável. Que planejava pedi-lo em namoro, em casamento. Seu Stenio ia achar engraçado, ia rir e ia aceitar. Este Stenio, no entanto.. Este Stenio diria que: não, muito obrigado.
E ela queria sumir. Queria correr dali o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, não queria. Queria estar perto dele, o mais perto possível.
Engoliu o choro, pegou a lista de medicamentos e dividiu tudo por horário nos potinhos, organizando tudo para ele e para ela também. Precisava repousar e descansar. Não estava no auge do machucado. Se ver ele assim já é ruim suficiente, Heloísa percebeu que não queria nem imaginar como estava antes de chegar no Rio de Janeiro, um mês depois.
A imagem de ver ele ainda pior doía nela. Tudo doía nela, como se estivessem constantemente enfiando uma faca em suas costas e torcendo para os lados para causar ainda mais dor e arrebentar o buraco com mais sadismo.
A vida pregava as peças mais feias nela. Era essa a sensação. Tudo de ruim sempre acontecia com ela. De repente sentiu uma urgência tremenda em estar perto dele. Como fosse. Mesmo que distante. Se apressou em pegar um copo d'água, preparou a bebida favorita dele com um sanduíche, e levou a bandeja pronta para o quarto dele.
- Aqui. Se alimenta primeiro, toma os remédios depois. Seu médico recomendou, ele vai vir aqui amanhã cedinho te ver, tá bem?
Stenio suspirou, assentindo. Heloísa colocou a mão na testa dele.
- Tá com febre? - Ela desceu as mãos pelo rosto dele, fazendo carinho, enquanto checava a temperatura. - Você tá meio esquisito.
- Acho que não. - Stenio ficava olhando para ela daquela maneira esquisita. Heloísa resolveu ignorar, tamanha a preocupação.
- Deixa eu te ajeitar aqui. Vem cá. - Ela envolveu o corpo dele com todo o cuidado do mundo, ajeitando os travesseiros atrás das costas dele.
Aproveitou o momento para abraçar ele disfarçadamente. Tê-lo tão pertinho foi tão delicioso! Ela aproveitou para dar um cheirinho nele, bem disfarçadamente. Ainda tinha o cheiro de seu Stenio. Os impulsos e a vontade de beijar ele todo, agarrar e dar carinho ainda eram muito grandes. Mas ela sabia que seria ainda pior, e que a rejeição ia doer profundamente. Se afastou, ignorando tudo que seu corpo pedia para que ela fizesse.
- Bom.. - Ela pigarreou, se afastando, tentando manter a postura, encarando o chão.
Os olhos de Stenio estavam fixos nela. Queria mesmo se lembrar mas quando mais olhava os traços da moça, pior ficava.
- Vou fazer o jantar pra gente. Se você precisar de alguma coisa, você me chama?
- Ta.. Você sabe a senha do meu celular? - Ele perguntou, apontando o aparelho na direção dela.
Helô engoliu a seco.
- Amm.. É quinze onze. - Falou rapidamente, buscando uma coberta para deixar na cama para ele.
Stenio digitou os quatro dígitos.
- Ah. Isso é alguma data importante? Pra ser minha senha.. - Ele raciocinou.
Heloísa engoliu a seco, e olhou para ele enquanto passava a mão pelo cobertor felpudo como se estivesse alisando.
- É meu aniversário. - Ela comentou, num tom mais baixo.
Stenio se surpreendeu.
"Ah. Então eu era esse tipo de cara. O que coloca a mulher na senha" pensou
- Ah, sim. Obrigado. Pode ser que eu precise novamente.
Heloísa assentiu.
- Olha, você não precisa ficar aqui. Eu to bem.. - Ele ofereceu.
Ela respirou fundo, sentindo seu coração acelerar. Ele realmente queria ficar sozinho e estava extremamente incomodado na presença dela, ela podia sentir.
O que aconteceu com os filmes românticos e a ilusão de que o amor verdadeiro te acorda do sono profundo? Que o amor verdadeiro te faz lembrar do amor da sua vida?
- Entendo que você não se lembre de mim e que seja esquisito pra você. Mas eu amo você, Stenio. O meu amor por você não foi embora com a sua memória. - Ela explicou, calmamente. - Você é.. O amor da minha vida. O homem com quem eu escolhi passar o resto da minha vida três vezes. Eu to tentando me acostumar com essa nova realidade, e eu juro que eu vou te deixar em paz assim que possível. Só me deixa.. Cuidar de você até você estar bem. Ou pelo menos, até eu ter certeza de que você está bem. Por favor. - Ela implorou.
O advogado a olhava, assentindo um pouco apreensivo. Ficou com dó dela.
- Prometo que não me demoro. Eu só.. Pensei que você estava morto. E de repente você volta, e volta totalmente diferente. Não é responsabilidade sua lidar com como eu me sinto em relação a isso, só estou te pedindo um tempo, pode ser? Pra eu digerir. Eu preciso de uns dias. Haja como se eu fosse uma enfermeira, uma amiga, eu não sei. - Ela deu de ombros. - Só não me pede pra ir embora agora, pelo amor de Deus. - Ela pediu, e sua voz continha um desespero de dar pena.
Ele assentia repetidas vezes.
- Tudo bem, Heloísa.
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Ela esperou que ele jantasse e pegasse no sono. Os remédios o derrubaram como uma anestesia.
Se sentou no sofá da sala, no escuro da noite. As luzes da casa todas apagadas, no copo uma dose de whisky. Estava ligando para Maitê. Esperava o telefone chamar calmamente, enquanto tomava grandes goles da bebida.
A voz do outro lado da linha finalmente atendeu depois de curtas mensagens trocadas o dia todo, para que Helô conseguisse botar pra fora tudo que estava acontecendo e avisasse Maitê dando updates sobre o que estava acontecendo.
Heloísa sentiu um nó na garganta.
- Eu perdi ele, Maitê. Eu finalmente perdi o Stenio, pra sempre.
Finalmente se permitiu desabar e chorar baixo com a amiga no telefone, no escuro da sala de estar.
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