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O recipiente cilíndrico do spray começa a fazer minha mão suar. Meu polegar brinca com o botão vermelho do topo do frasco, pronto para pressionar forte a qualquer momento, antes ou depois de apontar na direção desse rosto largo e bonito. Eu não teria misericórdia.

Mas ele não parece ameaçador, apesar da carranca rabugenta de sempre. Acho que já me adaptei ao fato de que seu rosto puto da vida não significa, necessariamente, que ele está puto da vida.

Daqui do início do corredor, consigo ver seus lábios movendo sem som enquanto ele meio que cantarola a música que está tocando no meu celular, ao fundo. É uma da discografia da banda Maroon 5 que ainda está tocando, mas essa eu não conheço. Ele, no entanto, sim. Faz isso enquanto folheia o livro que estava sobre a minha mesa de centro — "Mulheres e Tabela Periódica". Vendo daqui ele até parece gente boa. Tipo, ele deve ser gente boa, quando eu não estou por perto.

Limpo a garganta escandalosamente em voz alta para que ele perceba que eu estou aqui. Ele não levanta a cabeça, mas eu tenho certeza de que ouviu. Posso ver seu nariz apontado para baixo, o cabelo caindo na frente do rosto e os lábios se movimentando. Vou à cozinha me esgueirando, sem tirar os olhos dele, desligo a música e quando finalmente desvio o olhar, fico encarando sugestivamente a gaveta, pensando se pego ou não uma faca.

Sua voz me tira do transe:

— Você é pesquisadora?

Viro num susto, apertando ainda mais o spray entre os meus dedos, mas, por sorte, não a ponto de o líquido apimentado esguichar. Pisco algumas vezes para recobrar consciência plena e vou me arrastando até a sala. Agora ele está olhando para mim. Uma de suas pernas está cruzada sobre a outra, e o livro supracitado descansa em seu colo, fechado. Me sinto meio... desconfortável, eu acho, de ter que ver um pertence meu em suas mãos.

— Não compartilho nada sobre a minha vida pessoal com os meus clientes — digo, secamente.

Ele morde o interior da boca, que se retorce toda para a esquerda e puxa a pele de seu rosto limpo, sem barba. O cabelo dele é muito bonito, só para deixar claro. Hoje ele está usando uma camiseta simples pela primeira vez desde que o vi, da exata mesma cor do cabelo. Poderia camuflar com facilidade. Não sei por que estou prestando atenção em tantos detalhes relacionados ao cabelo dele. Enfim... Como ele ocupa quase todo o meu sofazinho, naturalmente, arrasto uma cadeira da cozinha até o cômodo onde ele se encontra e me sento na exata aresta oposta a ele, no que se trata do retângulo que é a minha sala.

— Estou vestida o suficiente para você? — Imito sua pose, embora ele não esteja com um spray de pimenta no colo, e sim um livro muito bom.

Ele me observa. Tipo, toda... De cima a baixo. Está pensando na resposta para a minha pergunta ao checar minhas roupas. Argh.

— Foi uma pergunta retórica — alerto, antes que ele acabe comigo dizendo o quanto me acha insuficiente e porquê.

— Foi?

Ele arqueia as sobrancelhas para o meu rosto de novo. Seus olhos vão pros meus cabelos, redescobrindo a nova terceira cor que vê nos fios.

— Sim — respondo.

— Certo.

Ouço sua respiração. A presença dele é tão cativante quanto uma pedra suja de lama.

— Você não vai se explicar? — Cruzo também os braços.

Joseph abaixa a cabeça e passa a ponta do dedo na borda do livro, entre as páginas. Seu olhar parece perdido lá por poucos segundos.

— Preciso que se case comigo. — Lá está a frase mais horripilante de toda a minha vida novamente. Como alguém pode dizer isso de forma tão apática? — Não verdadeiramente, é claro.

meu nome (não) é Mary || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora