Prólogo: A Quarta Fase da Lua

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Saint Luna, 21 de dezembro de 2021
Terça-feira - 09:55 P.M.

A Lua atingia seu ponto mais alto no céu.

O solstício de inverno estava quase chegando ao fim. Flocos de neve caíam lentamente sob as árvores secas e deixavam rastros esbranquiçados por todo o chão de terra. Minha visão estava embaçada, minhas pernas trêmulas e meu corpo umedecido de sangue. Eu não lembrava exatamente em qual ponto da floresta estávamos, mas isso não importava mais.

Não havia nada que pudesse ser feito. O caos já estava instalado em Saint Luna e o pânico voltou a reinar depois de trinta anos de paz. Dessa vez não havia ninguém para nos salvar, não haviam bruxas, não havia tríade de Hécate, não havia Deusa. Estávamos sozinhos, machucados e com medo.

— Finalmente, depois de séculos, estou livre novamente! Tomarei meu trono diante da Terra e do submundo, serei adorada pelas bruxas, pelos humanos e pelos mortos. Voltarei a reinar como a deusa das encruzilhadas assombradas, dos cemitérios, da feitiçaria e da bruxaria, das trevas. - Ouço de longe sua risada, mas não consigo vê-la com clareza, pois a lua estava totalmente escondida devido à sua fase estar na lua nova. O céu estava apenas coberto com algumas nuvens escuras e os únicos pontos visíveis de luz eram os da cidade, a quilômetros de distância.

Trívia. A versão maligna da própria Hécate, a versão romana e oculta que foi aprisionada em outro lugar, em outra realidade através do Livro Primordial das Sombras. Meus olhos arregalaram quando vi sua forma humana, a forma que nos enganou durante todo este tempo. Como fui burra e não percebi? Era ela esse tempo inteiro. Ela montou as armadilhas, ela nos trouxe para cá. Ela roubou o grimório. Estava tudo debaixo do nosso nariz.

— Não... você não... — Tento falar, com total expressão de choque, mas ela apenas se aproxima e se ajoelha ao meu lado.

— Decepcionada? Esperava mais da filha de uma grande bruxa tríade, aquela que ajudou a derrotar Lúcifer. — Sua voz era carregada de deboche e suas mãos tocaram delicadamente seu rosto. — Eu realmente gostava de você, mas sabe, precisava recuperar os meus poderes. Já custou tão caro sair daquele... inferno! Adquirir um belo corpo não foi nada fácil, pelo menos enquanto precisava de tempo para recuperar meus poderes.

No chão, havia um símbolo desenhado com sete velas pretas ao redor apagadas. Rapidamente elas se acenderam, uma por uma, e uma névoa densa começou a circundar aos redores. Desejei que Hécate voltasse e nos salvasse, mas me lembrei de que não sabíamos onde ela estava. Hécate desapareceu, assim como a tríade que foi atrás dela e nunca mais deu sinal de vida. Queria ir atrás da minha mãe, salvá-la, lutar contra a Trívia e encontrar Hécate, entretanto eu era fraca. Inútil, sem poderes, e todos os outros estavam inconscientes.

— Deixem-nos ir! — Imploro com certa dificuldade, sentindo um enorme enjoo. Cuspo um pouco de sangue e me arrasto para perto de uma árvore, tentando apoiar meu corpo afim de conseguir pelo menos me sentar. - Eu fico. Mas deixe meus amigos irem embora.

Deter Trívia não seria fácil, sequer sabia se seria possível. Uma deusa tão forte e antiga, dona de toda sabedoria sobrenatural que queria apenas ser adorada. Se minha mãe estivesse aqui, com certeza saberia o que fazer. Lutaria até o fim, enfrentaria Trívia mesmo que a situação estivesse pesada.

Mas eu não era a minha mãe.

Que nobre gesto! Não se preocupe. Não irei matá-los, a não ser que tentem me impedir. Quero que estejam vivos para presenciarem a minha ascensão e fazerem parte do meu coven, do meu legado. — Ela me responde, puxando um corpo familiar de trás de uma das árvores e colocando-o bem no meio do símbolo. Ele estava morto.

— Você o matou! — Grito o mais alto que consigo, sentindo um nó na garganta e meus batimentos mais acelerados do que nunca. - Nunca iremos nos juntar a você, Trívia!

— Eu não o matei. Ele se ofereceu para morrer em troca de outra coisa. Fizemos um pacto e eu irei abençoa-lo quando chegar ao submundo. Seu amigo sim fez uma boa escolha. — Trívia falava calmamente, fazendo cortes com uma adaga prateada na pele do cadáver. — Vocês deveriam seguir o caminho dele, mas como eu disse, não irei matá-los. Ele é o sétimo corpo que eu precisava, a sétima alma para abrir o portal. De agora em diante, tudo será mais tranquilo. Eu prometo.

O lugar ao redor começou a mudar. Era como se estivesse em uma transição de tempo e espaço, e então, em poucos segundos, estávamos todos em um elevador. Trívia desapareceu, e naquele misterioso elevador só restou nós cinco. O elevador descia de forma rápida, e quando parou no andar T, abriu as portas e nos revelou um lugar idêntico à escola.

Mas eu sabia que não era a escola.

— Onde estamos? O que aconteceu?

Ouço meus amigos acordando e retomando a consciência, enquanto cambaleio para fora do elevador. Minha respiração estava pesada, e aquele lugar frio e mórbido me dava arrepios. A magia lá era muito forte e vinha de vários lugares diferentes. O ambiente estava escuro, úmido e acabado, como se estivesse dá anos abandonado. Havia pessoas que andavam lentamente de um lado para a outro, como se fossem zumbis. Eles param de andar e de repente olham para nós, todos com a expressão sorridente e com os olhos extremamente arregalados. Parecia uma live action de Coraline, mas eu sabia exatamente onde estávamos.

— Que bom que vocês chegaram! É sempre bom termos novos hóspedes. — Eles dizem em coral, tão lentos quanto seus passos.

Trívia havia nos mandado diretamente para Setealem.

• • •

O caos está apenas começando...

A Maldição da Trívia - Uma história de "As Fases da Lua" [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora