Capítulo 26

45 6 2
                                    



Adam

Havia uma coisinha pequena correndo de Aidrew por todo o refeitório, como um coelhinho assustado.

Ela era adorável.

Curiosamente, ela estava driblando-o. Seus pés não faziam um único movimento extra. E eu não ouvia os seus passos. Eram os pés mais silenciosos que já havia visto. Uma Navegadora de Estrelas. Quando meus olhos focaram na forma perfeita com que ela segurava o cabo da adaga, isso roubou totalmente a minha atenção para a criaturinha. Alisei com a ponta da língua um canino pontiagudo com animação, e meu sorriso se afiou para ela.

Eu disse:

— Oi...

Seraffine

Os reforços haviam chegado.

Minha pele toda pinicava e se esticava ao sentir a presença do estranho. Meus ossos estalavam e ecoavam o som da palavra. Perigoso. Ele é completamente perigoso. Tinha algo muito mortal por de trás do sorriso. E minhas justas me ordenavam para fugir. Para onde esse estranho fosse, eu deveria correr na direção oposta.

Dei meia volta, levantando-me do chão.

A fumaça já desaparecia. Comecei a correr na direção contrária, onde a fumaça ainda cobria o meio da sala. Eu não acreditava no que acabara de acontecer, nem no que eu teria que fazer para ganhar alguma vantagem nessa situação.

Que os deuses me perdoem.

E eles já tinham que me perdoar por muitas coisas.

Mas era necessário.

Antes que a fumaça desaparecesse por completo, corri em direção à senhorinha. Ela era a única que não parecia fazer nada e ser indefesa. Agarrei-a por trás, colocando meu último punhal no seu pescoço e segurando seus braços nas contas.

— Me perdoe por isso — eu disse a ela, tremendo. — Eu não quero fazer isso, mas eu não tenho escolha.

Senti seu corpo tensionar contra o meu.

— Não cheguem perto de mim! — Gritei, em uma tentativa de os afastar.

A fumaça desapareceu, e ódio, puro e bestial, brilhou nos olhos daquele homem ao me ver. Eu nem pisquei, não queria perder nada. Sabia que meus olhos mortais me trairiam e não conseguiriam acompanhá-lo. Ele se movia de uma forma estranha, sumindo e reaparecendo em outro lugar, e no momento seguinte ele estaria em cima de mim.

Vi o momento exato que ele sumiu de onde estava, no outro lado do refeitório, e reapareceu quase na minha frente. Simples assim. Em um momento, ele estava lá, e no outro, desapareceu. Seus olhos se arregalaram ao ver que não recuei e avançou para cima de mim. Pressionei a faca no pescoço dela, e um filete de sangue escorreu, então gritei mais forte:

Não chegue perto de mim! — Eu não estava brincando.

Eu posso nunca ter tirado uma vida, mas quando se trata de me manter escondida, eu não brinco.

Eu sabia como matar alguém.

Por mais que houvesse uma gota de vacilação fazendo minha mão estremecer minimamente, eu estava pronta para fazer o que precisasse ser feito ali. Matar era sempre fácil. Difícil era conviver com seus pensamentos depois.

Ele parou.

— Eu não estou brincando, eu não quero machucá-la. Por favor, fique longe de mim — minha voz saiu desesperada.

Eu era uma poça funda de desespero. Eu não queria fazer mal a uma senhorinha idosa. Arrependimento escorria por mim como um rio. Ele estava me submergindo nele.

Eu não quero matá-la, eu só quero escapar.

Eu não podia ser pega.

Não podia.

Não ali.

Não com tanta coisa em risco.

Mas mesmo se eu acabasse com a vida em minhas mãos, ele não me deixaria fugir. Nunca. Eu podia apenas negociar minha fuga, permitir que ele me deixasse passar em segurança pela porta e, quando eu estivesse longe, libertá-la.

— Seu inseto insolente. Como você ousa? — Ele rugiu. — Como. Você. Ousa?

Ele gritava mais forte. Sua voz escoava pelas paredes, que tremeram em resposta, e eu estremeci junto. Não haveria negociação. Não haveria fuga. A certeza disso ia me acertando como uma flechada nas costas. Eu não sairia daqui. Eu sabia que havia passado de um limite pela raiva cruel de seus olhos, eu percebi. Ela era a mãe dele.

E eu entendia esse sentimento raivoso também.

A faca foi arrancada das minhas mãos. Um vento forte envolveu o lugar e arrastou as cadeiras. Cipós verdes brotaram por todo o chão levantando o assoalho, e as mesas caíram, fazendo barulho de estrondo. Assustei-me com aquela visão. O pavor me dominou. Eles estavam vindo em minha direção.

Fui arrancada do chão por baixo. Um dos cipós se prendeu aos meus pés com força. Caí no chão e fui arrastada em direção a ele. Eu estava de cabeça para baixo, pairando no ar por um grosso cipó. Outros agarraram meus braços e meu pescoço, com a intenção de me enforcar. Meu fluxo de ar foi interrompido. Ele ia me matar.

Ele, definitivamente, iria me matar.

Eu me debatia no ar tentando puxar o cipó do meu pescoço. Era inútil. Todo meu corpo estava sendo esmagado. Então uma voz idosa invadiu o ar.

— Não mate ela!

A senhorinha gritou, e os cipós afrouxaram por um breve segundo, mas logo voltaram ao seu aperto. Olhei para ela, e ela corria em nossa direção, um corpo frágil se aproximando cada vez mais. Meus olhos se arregalaram, não apenas pela asfixia, mas porque a ferida que eu havia feito em seu pescoço começava a sumir. Ela batia no peito do homem, implorando para que ele não me matasse, e minha visão já começava a escurecer.

Ela gritava com ele, e ele gritava com ela.

— Não mate ela, Aidrew!

— Esse rato tentou te matar! — Ele esbravejava.

— Eu sei, mas não a mate filho, olhe para ela, ela só estava tentando se defender, olhe para ela, é apenas uma criança.

— Esse rato, nojento, de esgoto, tentou te matar!

Ele urrava a frase repetidamente, e os cipós apertavam ainda mais. Ele estava se contendo apenas pela senhora que esbravejava ao seu lado. A qualquer segundo, ele podia quebrar meu pescoço como um palito. Eu sabia, ia acontecer a qualquer momento. Meu corpo começou a estremecer, eu sentia o beijo gelado da morte me circundando.

Fechei os olhos e uma última vez pensei no rosto da minha mãe.

O Festim dos OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora