Capítulo 44

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Mundo mortal, dentro da barreira. Em algum lugar no território do Soberano Reinado. Três dias antes da reunião do conselho.
 
Olho para a estrada.
— Você tem certeza, que aquele cara te deu a informação, correta?
Perguntava o homem magro com o colar de pequenos ossos no pescoço de pele clara, bem queimada pelo sol. Seus olhos caídos, se estendiam mais puxados por causa do delineador preto. Dois brincos de ossos balançavam com o vento da noite em suas orelhas humanas, e um piercing prateado enfeitava o lado direito do nariz.
Ele brincava com duas adagas de crocidolita negra nas mãos. Fracos resquícios de brilho da lua, tremeluziam no metal bruxuleante. Entediado, movendo-as de um lado a outro, vendo o tempo da noite se arrastar.

— Ele disse que eles passariam por aqui, eu juro.
Uma voz feminina infantilizada respondeu.
Ela tinha lisos cabelos pretos ondulados cheios de friz, caindo nos ombros brancos, quase tapando seu rosto jovem. Entre a adolescência e a juventude.  Olhos azuis céu, com duas grandes olheiras afundando as feições do seu delicado rosto. Seus lábios rosados estavam um pouco ressecados.
Ela era praticamente humana, exceto... pelas orelhas, levemente iridescentes e pontudas.
— E desde quando a Elaine é conhecida pelas informações que dão certo Caorí? — Perguntou uma voz mais séria e enfática.
A garota tinha cabelos nos ombros, crespos, assanhados e tingidos de vermelho vivo. Tinha o rosto em formato de coração. Óculos redondos prateados, e usava uma blusa bege com bolinhas vermelhas do mesmo tom dos cabelos.
Suas sobrancelhas incrivelmente pretas destoavam do resto da combinação. Mas combinavam perfeitamente com a madeira preta do arco que ela apontava para a estrada, — a mesma madeira de um determinado carregamento.
De cima das árvores onde os três estavam agachados próximos a um templo, esperando a algumas horas a caravana passar.

— Ele me disse que eles usariam essa estrada, e rumariam depois para o segundo portão. — Explicou Elaine. — Eu juro! — Sua voz era puro ar sussurrado. — Paguei quinze moedas de ouro por essa informação diretamente do Soberano Palácio.
Quinze! Está ficando maluca? — Protestou Naare em um tom agudo.
— Como assim não dão certo as minhas informações? — Perguntou Elaine fazendo um bico.
— E desde quando dão?
— Das últimas cinco, uma deu certo. — Respondeu ela mostrando nos dedos da mão direita como uma criança.
— Para de gastar nosso dinheiro! — Repreendeu Naare irritada. — Está pensando que Beróis dão em árvores?
— Quietas as duas! — Advertiu Caorí passando as mãos no colar de ossos horizontais.

Um pequeno fragmento de sorriso repuxou os cantos da sua boca. Mas elas não conseguiam ver, estavam atrás dele. Ele gostava de vê-las discutindo. Mas alguém tinha que ser o cérebro maduro dessa operação. Não que ele duvidasse da capacidade homicida das duas. Confiava e muito. Era as peças fundamentais dessa rebelião.
Na estrada a caravana se aproximava por fim, e aos poucos, um comboio guarnecido por soldados humanos, repleto de armas e crianças rumo a Illumyia de cima ou quase.
As lâminas dele reluziram no brilho da noite.

Elaine mostrou a língua para Naare, que revirou os olhos.
— Viu.
— Nosso trabalho é impedir que eles passem a noite no templo. Se entrarem aí podem pegar um portal. — Reafirmou Naare. — Ou nunca mais saírem.
— Eu disse quietas. Vamos nos preparar.
Naare a arqueira de sobrancelhas caídas tinha os olhos mais afiados dos três. Ela acertaria uma uva do outro lado de um campo de Magnetboll. No centro do Aro, com a minúscula argola girando.
Puxou três flechas de uma vez na corda do arco que se retesava, mirou fechando um olho e as soltou. A primeira acertando a roda traseira da terceira carroça do comboio de suprimentos.
E as outras duas seguindo o caminho.

Uma na frente da outra elas acertavam a roda lateral da segunda e da primeira carroça. As rodas se partiram se afastando da condução que se desviava cavando no chão da estrada rumo ao templo. As outras três que levavam as crianças pararam logo depois.
— Estamos sendo atacados! — Gritaram os soldados das caravanas.
— Eu vou primeiro. Fique aqui esperando Elaine. Aqui! — Afirmou Caorí pulando da árvore com passos fluidos como o vento, parecia que seu corpo nem tinha ossos.
As facas sedentas por cortar carne. Encontravam os alvos. Os pescoços dos soldados humanos. E por mais que eles tivessem mandado quase trinta homens. Sentia que suas lâminas amaldiçoadas precisavam de mais sangue.
 
O Rei continuava nos subestimando, mandando seus soldados fracos escoltarem as preciosas caravanas com metal raro. Mas a partir de hoje isso ia mudar. O rei ficaria sem o seu valioso carregamento de metal. E sem as suas preciosas crianças. E, mais uma vez sem a energia necessária para um dos mais importantes orbes da barreira do seu lado do Castelo. Ele acreditava que desviariam dos nossos ataques usando rotas alternativas e partidas secretas a noite. Mas estávamos mais infiltrados no Reino do que pelos em roupas de donos de gato.
Ele nem podia imaginar o quanto.
— Corram. Entre no templo crianças, entrem agora! — Um soldado gritou. Passei minha lâmina pela sua garganta e ele caiu gorgolejando o próprio sangue.

Os gritos de desespero dos pequeninos petrificados se intensificavam a cada rajada de sangue que espirrava pelo chão, e pelos degraus. O soldado humano, o líder da operação, o único restante subia a escadaria o mais rápido que podia.
Batendo desesperadamente nas grandes portas do templo.
Elaine avançou lá de cima, saltando pelos galhos das árvores e pulando nas cotas dele como um macaco. Cravando os dentes afiados em seu pescoço. Ela bebia a energia primal do homem, o drenando por completo. Seus cabelos e lábios ressecados ganhando vida.
— Eu mandei esperar! — Advertiu Caorí.
— Mas ele parecia tão delicioso. Tão vivo. — Choramingou ela. — Eu queria ele.

— Pegue leve com as crianças. — Suplico indo em direção as carroças. Ela escancarou um sorriso para os rostinhos assustados. Mostrando a eles dentes sujos de sangue e liquido primal amarelo. Ela saltitou até eles que se encolheram gritando. O vestido preto rodado com flores amarelas balançando ao vento.
Ergueu os braços acima da cabeça, fios de ouro saiam de seus dedos se ligando ao peito de cada uma delas.
— Vamos crianças, está na hora do sono.
 
Um grande portal amarelo se abriu na frente do templo, e homens saíram de lá, levando com eles os corpos dos pequenos desacordados. Caorí e Naare entravam no portal carregando as últimas armas roubadas.
Cada flecha daquele precioso metal negro, era extremamente valiosa. A único mineral capaz de incapacitar um feérico. Extraída diretamente das minas de ferro, nas terras das areias negras.
Enquanto todo o grupo de rebeldes, iam embora através do portal. Elaine estava na porta do templo, as mãos ensopadas, desenhando com sangue. O homem que ela sugou até a última gota, preso de cabeça para baixo com duas adagas o pendurando pelos tornozelos. Ele arquejava dando seus últimos suspiros de vida. Enquanto fornecia o liquido para a arte.
Ela delicadamente enfitava aquela frase conhecida, com rosas de sangue.
 
MORTE AO SOBERANO REINADO!
ESTAMOS CHEGANDO. — FIRE PRIMAL.
 
— Elaine. O que você ainda está fazendo aí? Nós já estamos de partida. — Perguntou Dion o Corrompido da beira do portal.
Ela gritou da porta do templo.
— Já estou indo titio. Estou apenas deixando a nossa marca.
Ela colocou mais uma rosa de sangue no pingo do i. E caminhou saltitando de volta até o portal.
Dion vestido dentro de um pesado casaco escuro, sorrio segurando a mão pequena de Caorí, o ajudando a atravessar. Olhando para a pilha de corpos mutilados, e brutalizados no chão, e franzindo a testa.
— Sanguinário como sempre. — Constatou o humano de pouco mais de trinta anos.

Caorí o encarou sorrindo, e lhe deu um beijo profundo na boca.
— Se não fosse assim. Duvido que você gostaria tanto de mim. — Ele passou a mão delicadamente pelos poderosos ombros do homem. Desaparecendo dentro das sombras do portal.
As poderosas portas do templo se abriram, e duas sacerdotisas ainda com vestes de dormir surgiram. Lamparinas nas mãos iluminaram o chão coberto de sangue que seus pés calçados em sapatilhas brancas pisavam. Horrorizadas elas seguiam a trilha com a luz que acabava no portal. E quando finalmente seus olhos os alcançaram.
Dion e Elaine sorriram.
Nos lábios dele, uma promessa
Nós lábios dela cobertos de sangue e vida, um desafio.
As sacerdotisas gritaram para os quatro que desapareciam.
— Aberrações!
E correram para enviar um corvo. Não para um dos três palácios, mas diretamente para o Soberano Rei.

O Festim dos OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora