Capítulo 3

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Corte de Fogo e Cinzas

Território Imortal

Kay

S

entado no banco de uma mesa, Adam jogou a cabeça para trás, passou os dedos da mão direita pelos cabelos pretos e sorriu, alisando o canino direito afiado com a ponta da língua.

— Vamos lutar! — anunciou ele, jogando-se para trás, me olhando de um jeito que parecia que ia cair do banco sem encosto.

— Quê? — franzi a testa para ele.

Estávamos no meio do acampamento militar. Soldados corriam de um lado para o outro, organizando tudo, enquanto o mundo era manchado com os primeiros registros do fim da tarde. O céu estava em tons de amarelo e rosa, sendo gradualmente engolido pela escuridão da noite.

Senti algo estranho, como um calafrio e uma sensação esquisita, como se eu devesse ficar mais alerta, mas ignorei. Volte a olhar para Adam. Ele estava curvado em minha direção então eu via seu rosto.

— Lutar. Eu e você. Nós dois.

— Isso eu já entendi.

— Então? Vamos?

Adam engolia a janta com pressa, como se a ideia de lutar comigo fosse a coisa mais emocionante da vida naquele momento. A sensação estranha voltou, mais intensa, dessa vez em direção ao meu coração. Um brilho dourado surgiu sobre meu traje, e minha runa começou a cantar.

— Pra você perder de novo? — zombei, tentando ignorar o desconforto crescente.

Adam atirou um punhal elegante na direção do meu rosto. Desviei para a direita, sorrindo. O punhal passou rente à minha bochecha, mas, sabendo o que viria a seguir, me movi para a esquerda, desviando do golpe do punhal travesso e traiçoeiro vindo por trás.

Adam sorriu, pegando o punhal afiado no ar, guardando-o e sacando Agnes, uma de suas espadas gêmeas de cabo preto, das costas.

— Então — levantou-se da mesa — vamos lutar?

Olhei ao redor, analisando o acampamento sendo desmontado. Todos se preparavam para a grande festa do solstício de inverno no castelo. Poucos soldados ficariam na fronteira, defendendo o Território do Fogo. A voz de Adam me tirou dos pensamentos.

— Tira a cabeça do trabalho, é solstício — brincou ele.

Troquei o peso de um pé para o outro e saquei minha espada das costas. Tudo bem...

Uma voz feminina, ranzinza, resmungou ao passar por nós.

— No meio do acampamento, não! Vocês dois vão destruir tudo. Lutem longe daqui — reclamou Juno, a curandeira-chefe.

Adam me lançou um sorriso, e eu retribuí. Caminhamos para mais perto da praia, longe do acampamento estacionado temporariamente em Lokin. Meu Caminho ainda cantava suavemente, mas ignorei aquela sensação que, a cada segundo, só estava ficando desesperadoramente mais forte.

Remexi os ombros, me aquecendo. Adam se colou em posição de combate e atacou. Uma luta rápida não faria mal para esquentar o sangue antes da comemoração.

Na custaria nada.

Comprimi a boca, irritado.

Era minha segunda derrota.

O golpe com a lâmina amaldiçoada passou um milímetro para dentro do meu pescoço, sobre a coleira de crocidolita, selando a vitória de Adam. Veios de fogo racharam pela minha garganta, e o calor se compactou como um escudo sobre minha pele, crepitando de agressividade quando a ponta afiada da lâmina dele tocou em mim. A ponta da espada ficou vermelha quando Adam finalizou o golpe.

Um filete de sangue escorreu.

Meu escudo, uma proteção natural e semitransparente que me envolvia e se movia à minha vontade, reagiu de imediato com o golpe de Adam. Pronto para combater e me defender da possível ameaça. A força do corte que Adam aplicou na lâmina teria aberto o pescoço inteiro de alguém comum — seria fatal.

No entanto, eu não era comum.

Mesmo sendo um treinamento, Adam sempre atacava para matar. Não podia ser de outro jeito, pois meus inimigos sempre atacavam para me matar.

Dentro do meu coração, a Runa do Fogo brilhava no lado direito do meu peito. Eu era o guardião do artefato de pedra.

Eu era o Pilar do Fogo

Tudo que possuía fogo se curvava a mim.


O Festim dos OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora