Capítulo 20

24 6 0
                                    

O dia amanheceu e ficamos conversando enquanto tomávamos café. Depois me dirigi ao banheiro para tomar banho.

— Por que você está cortando seu cabelo? De novo? — Uma cabeça despontou na porta do banheiro.

— Eu gosto dele curto, é mais... prático.

Escondi as mechas cortadas.

— Você ficaria ainda mais bonita de cabelo comprido, sabia? Seus cachos não são indomáveis como os meus. Os seus são redondos, volumosos e bonitos.

Ela mexia em uma trança apertada que lutava para se libertar.

— Quem sabe um dia — menti, dando meio sorriso.

Levei aquela mecha para a frente da testa e passei a tesoura quase rente à raiz.

Voltei para o quarto e vesti as roupas de Elow. Ela era maior e tinha uns quilinhos a mais do que eu, dada minha magreza.

— Você poderia ir à cidade comprar roupas novas pra mim? Calças e uma capa preta?

— Preto? — Ela franziu o nariz.

— Sim. E uma camisa também. Preta — disse sem mistério.

— Você vai a um funeral por acaso?

— É melhor para me camuflar.

— É inverno, Seraffine. Tem uma semana que entramos no solstício de inverno. Vista algo bonito. Você poderia se vestir igual a mim, olhe esse lindo vestido amarelo — apontou para si mesma.

Franzi o rosto para o vestido.

Vestido...

— Não, obrigado.

Mas realmente era lindo, com flores brancas, bem acinturado, ressaltando suas curvas, um pouco abaixo dos joelhos, de manga curta, com um decote V.

— Você combina com qualquer coisa — afirmei,

enquanto segurava o que sobrara das minhas coisas.

Eu não queria ver aquelas roupas nunca mais. Taquei fogo. Meu único livro estava ensopado, e as letras apagadas. Os papéis grossos e brancos de pintura e meu pequenino estojo de aquarela de seis cores haviam se partido e estavam cheios de lama e em frangalhos.

Foi minha mãe quem me deu, relembro derrotada.

Olhei para aquele desenho do seu rosto no papel manchado de lama e suspirei.

— Eu tenho algo para você. Na verdade, duas coisas —

disse a Elow, enfiando a mão no bolso da calça e tirando uma trouxinha de pano.

Ela olhava atentamente o embrulho, quase tomando da minha mão. Desembrulhei com cuidado, com medo de que tivessem se despedaçado com todo aquele alvoroço. Mas não, estavam intactas.

Primeiro tirei o colar e estendi para ela ver.

— Que coisa linda! — O colar formigou sobre meus dedos, uma sensação bruxuleante.

Afastei meus pensamentos do lobo morto.

— É de ouro, você pode vender se precisar.

Ela pegou o colar da minha mão e colocou no pescoço se olhando no espelho.

— Achei lindo.

Realmente estava bonito. Abri a outra aba do tecido. Ela arregalou os olhos.

— Não brinca comigo! — Falou, tomando da minha mão e sumindo do quarto.

O Festim dos OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora