O dia amanheceu e ficamos conversando enquanto tomávamos café. Depois me dirigi ao banheiro para tomar banho.
— Por que você está cortando seu cabelo? De novo? — Uma cabeça despontou na porta do banheiro.
— Eu gosto dele curto, é mais... prático.
Escondi as mechas cortadas.
— Você ficaria ainda mais bonita de cabelo comprido, sabia? Seus cachos não são indomáveis como os meus. Os seus são redondos, volumosos e bonitos.
Ela mexia em uma trança apertada que lutava para se libertar.
— Quem sabe um dia — menti, dando meio sorriso.
Levei aquela mecha para a frente da testa e passei a tesoura quase rente à raiz.
Voltei para o quarto e vesti as roupas de Elow. Ela era maior e tinha uns quilinhos a mais do que eu, dada minha magreza.
— Você poderia ir à cidade comprar roupas novas pra mim? Calças e uma capa preta?
— Preto? — Ela franziu o nariz.
— Sim. E uma camisa também. Preta — disse sem mistério.
— Você vai a um funeral por acaso?
— É melhor para me camuflar.
— É inverno, Seraffine. Tem uma semana que entramos no solstício de inverno. Vista algo bonito. Você poderia se vestir igual a mim, olhe esse lindo vestido amarelo — apontou para si mesma.
Franzi o rosto para o vestido.
Vestido...
— Não, obrigado.
Mas realmente era lindo, com flores brancas, bem acinturado, ressaltando suas curvas, um pouco abaixo dos joelhos, de manga curta, com um decote V.
— Você combina com qualquer coisa — afirmei,
enquanto segurava o que sobrara das minhas coisas.
Eu não queria ver aquelas roupas nunca mais. Taquei fogo. Meu único livro estava ensopado, e as letras apagadas. Os papéis grossos e brancos de pintura e meu pequenino estojo de aquarela de seis cores haviam se partido e estavam cheios de lama e em frangalhos.
Foi minha mãe quem me deu, relembro derrotada.
Olhei para aquele desenho do seu rosto no papel manchado de lama e suspirei.
— Eu tenho algo para você. Na verdade, duas coisas —
disse a Elow, enfiando a mão no bolso da calça e tirando uma trouxinha de pano.
Ela olhava atentamente o embrulho, quase tomando da minha mão. Desembrulhei com cuidado, com medo de que tivessem se despedaçado com todo aquele alvoroço. Mas não, estavam intactas.
Primeiro tirei o colar e estendi para ela ver.
— Que coisa linda! — O colar formigou sobre meus dedos, uma sensação bruxuleante.
Afastei meus pensamentos do lobo morto.
— É de ouro, você pode vender se precisar.
Ela pegou o colar da minha mão e colocou no pescoço se olhando no espelho.
— Achei lindo.
Realmente estava bonito. Abri a outra aba do tecido. Ela arregalou os olhos.
— Não brinca comigo! — Falou, tomando da minha mão e sumindo do quarto.
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O Festim dos Ossos
FantasyNós tínhamos dois Deuses há algum tempo atrás, - um casal. - Mas eles se odiavam tanto, que se mataram. Nosso mundo dependia intrinsecamente da energia primal deles para sobreviver, e era por isso que a terra estava ficando cinza, cheia de criaturas...