Capítulo 34

15 4 0
                                    

Acordei com a luz amarela das velas machucando meus olhos. Pisquei para a claridade, desviando os olhos zonzos da força da luz. Aos poucos eu voltava para mim. Abri os olhos e a boca assustada, para dar o primeiro suspiro consciente, e minha boca tinha gosto de féo, amarga.
Levantei sobressaltada.
E minha pressão despencou.

— Vá com calma. — A voz sussurrada de Juno preencheu o espaço, e por mais baixa que foi, minha cabeça violentamente latejou.
Segurei com força na beira da mesa para conter as marteladas. Outra pontada de dor correu pelo meu braço direito, e estreitei os olhos desfocados para observar minha mão, enfaixada. Meu braço, enfaixado, cheios de tiras de sangue a cada poucos centímetro.
Cortes.
Muitos.

— Quanto tempo eu dormi? — Perguntei enquanto absorvia o estado deplorável do meu corpo.
— Cinco dias.
O colar...
Procurei.
— Está no seu pescoço. — Ela falou.
Apalpei a correntinha na minha garganta, e relaxei.
Ela molhava um algodão no unguento, e passava na ferida escura no meu tornozelo.
— O que aconteceu?
Perguntei cautelosa, por causa das memorias que voltavam para mim.

— O Pilar explodiu o ninho, e os ominuns desgarrados fugiram pelo outro lado da floresta. Mas enquanto você brilhava branco feito uma lâmpada. Chamou atenção demais. Foi desarmada e caiu. Eles sugaram bastante energia primal de você. Eles estavam empolgados demais com tanta energia primal pura — ela estreitou os olhos para mim — para pensar na sua carne. Quando finalmente apagou de vez. Por pouco não foi devorada.
— Como sobrevivemos? — Perguntei.
Eu encarava sua mão esquerda de atadura enfaixando meu tornozelo. Onde antes havia um cotoco de mão, seus dedos já cresciam na altura das falanges proximais.
Regeneração.

— O garoto.
As respostas dela eram curtas. A encarei com impaciência.
— O garoto trouxe soldados. Ganhou tempo, e depois o demônio chegou.  — Explicou por fim, e foi a minha vez de estreitar os olhos confusa. — Sobrevivemos mais um dia.
Sua voz era firmada na nossa realidade.
— Alguém mais morreu? — Perguntei angustiada.
— Dois caíram, eram muitos. — Ela suspirou, e por fim disse: — Mas foi tempo suficiente para os outros soldados chegarem. Vencemos. Por hora.
Concluiu ela.
A lona da tenda se abriu, e a luz do sol entrou machucando meus olhos.
Juno fez uma carranca odiosa ao olhar a figura esguia que entrava se coçando.

— Ah. O garoto. — Ela quase revirou os olhos. — Está me torrando a paciência de hora em hora perguntando por você.
Bran entrou na tenda pequena, ansioso, limpando as mãos na calça. Antes que ele abrisse a boca Juno falou erguendo um dedo, para que a voz dele não a perturbasse mais.
— Está acordada.
O suspiro de alivio de Bran foi alto.
Ele ficou parado na porta da tenda, observando Juno catar as coisas e se levantar para partir. Antes dela sair pela abertura, ela olhou para mim, e relutante cedeu.
As palavras saindo sofridas.
— A propósito. — Pigarreou, me analisando. — Obrigado por salvar a minha vida.
Partiu sem esperar ouvir qualquer coisa que eu pudesse dizer. Bran e eu nos entreolhamos um tanto quanto, chocados. Nós dois com olhos bem abertos. Encarando a abertura da tenda por um tempo. Isso foi mesmo real?
Ele quebrou o transe primeiro.

Sentou no banquinho que ela ocupava, olhou para meu corpo dolorido e enfaixado, com olhos ansiosos.
Seus olhos assustados.
— Não precisa ficar me olhando como se eu fosse desaparecer na sua frente.
Ele abriu a boca e fechou de novo.
— Você quase morreu... — Constatou devagar.
— Eu já quase morri muitas vezes. — Falei a ele. — Mas obrigado pela preocupação.
— É sério, Seraffine. Você quase morreu mesmo.
— Mas estou aqui agora não estou? — Constatei.
— Por muito pouco. Eles estavam se alimentando de você. Muitos, ao mesmo tempo. Você murchou como uma uva passa. Ficou tão feinha e deformada.

Ele fez um sinal de pequenininho com o dedo polegar e indicador.
Fala sério.
Onde está o respeito desse pirralho pelo mais velhos? Revirei os olhos. Me retrai com sua afirmação e meu abdome protestou.
— Depois começou a brilhar nos braços, e voltou quase ao normal. Eles ficaram sugando a sua centelha por uns três minutos.
Ele agarrou meu braço esquerdo ao alcance da minha visão, uma pontada de dor correu pelo meu ombro com o movimento, mas ele não parou. Finas veias negras se ramificavam logo abaixo do meu cotovelo, e uma queimadura que tornava a minha pele marrom clara, preta.
Era horrendo de se ver.

O Festim dos OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora