Capítulo 35

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Kenae não estava nem um pouco feliz com a notícia. Ninguém estava feliz. Se por algum momento eu pensei que sofresse o bastante com a indiferença. Eu descobri que o desprezo, podia atingir um nível mais baixo, e cruel nessas terras miseráveis.
Fui movida da tenda das curandeiras de um lado, para a tenda dos oficiais do outro lado. Uma tenda ao lado da tenda dela. Duas faixas de lona de material bastante questionável, era tudo que nos separavam.

Ela me olhava de longe afiando avidamente uma faca. Os olhos duros e estáticos. Me acompanhando para todo lugar. A pedra raspando o metal com mais força do que o necessário. Eu sabia que ela estava tramando formas macabras de me assassinar.
Eu ficava imaginando se no meio da noite, ela resolveria me fazer uma visitinha. Uma corda no pescoço. Me envenenar. Talvez, me asfixiar durante o sono com o travesseiro. Montar em cima do meu corpo, e me golpear repetidamente com aquela faca enquanto gargalha ensandecidamente. Sinto calafrios pelo corpo. E mesmo sem tanta coragem, ergo a cabeça ao caminhar.
Os mortais, também não gostaram nada.

Por mais que fossemos obrigados a trabalhar em “equipe” com os porcos feéricos. Havia uma fenda, muito larga e profunda que separavam essas relações. Ela chamava-se: escravidão e tratado.
E por mais que eles. Os próprios humanos, não dirigissem mais do que uma frase ou duas a mim, a mestiça, para a preservação das suas alto imagens. No momento em que souberam que eu havia sido transferida para a tenda dos oficiais. Seus olhares, tornaram-se duros, como se eu tivesse cometido a mais grave das traições.
Quando passei com os meus poucos pertences, ouvi-los dizer: O que podíamos esperar dela, é uma Celenial, o povo ganancioso. A notícia já havia se espalhado, e eu temia há velocidade que ela se espalharia para o resto da Corte de Fogo.
Ou para o outro lado do mundo.

Isso me tiraria do anonimato, e olhos demais estariam em cima de mim. Eu precisava continuar no anonimato. Pelo bem da minha missão.
Ou... não.
Talvez ganhar influência facilitasse o meu acesso a informações. O meu acesso ao subsolo e as passagens secretas do castelo. Estremeci ao pensar no castelo. E as poucas semanas que faltavam para voltar para lá. Eu queria achar as páginas faltantes do diário sim.
Quero muito, mas... eu não podia negar.
Isso era apavorante.

Existe muito medo, dentro de um ato de coragem, e muitos e se...? Em um ato de revolução. Todos falam da vitória, é do que mudou. Mas ninguém fala do medo constante de ser apanhado quando você está roubando informações.
Ninguém fala do pavor que eu sentia de ser possivelmente flagrada roubando papéis e mapas. Driblando ouvidos e narizes aguçados a todo momento. Ninguém fala da sensação gelada que escorre pelo meu corpo toda vez que alguém chama o meu nome, e eu penso, em uma torrente de pensamentos obsessivos, que finalmente fui apanhada.
Ninguém fala sobre as noites mal dormidas.
E a insônia perversa, e o medo do amanhã.

E da sensação podre que afoga seus pensamentos, quando você vê seus amigos sorrindo verdadeiramente para você, e você sabe que está os enganando. A sensação perversa de que você é uma fraude.
A sensação confusa nos seus sentimentos, sobre se o que você também sente por eles, é verdadeiro ou é falso. Ou qual nome cada emoção tem. Eu sentia muitas coisas por todos eles. Por Adam, por Bran, por Selene, até por Juno e por... Kay.
Mas eu lutava com a vontade de sentir dentro de mim. E lutava contra o medo de me apegar. Toda vez que o meu peito dava piruetas de felicidade perto deles, e que eu me permitia sentir um pingo de coisas boas. A voz na minha cabeça me atingia como uma facada.

Dizendo: você vai trai-los, você vai deixá-los para trás.
E eu sangrava, sufocando a pilha de sentimentos confusos que habitavam dentro de mim, para que eu não sofresse mais.
Um dia eu ia embora.
E tudo que sobra, é rezar aos deuses, para não enlouquecer, não perder a mente, ou o foco e colocar tudo a perder no meio atribulado dessa revolução. E tudo, tudo, se resumi a colocar uma bela máscara no rosto. E fazer, exatamente o que precisa ser feito. Eu odeio essa máscara. Mas toda vez que penso e, tira-la eu me lembro.
A humanidade depende de mim.

O Festim dos OssosOnde histórias criam vida. Descubra agora