O som dos passos na escada deixam claro pra Cristiane que Susana não estava sozinha. Honestamente, ela quase nunca está. Desde que voltara ao show business, Susana se tornou o ser humano mais atarefado do mundo. Por mais que odiasse pensar nisso, Cristiane sabia que a culpa era dela. Susana nunca quis voltar ao programa, mas sua vontade nunca foi levada em consideração. Em partes, isso era bom: Cristiane dera à irmã a oportunidade da vingança, do progresso, da vitória. Mas agora havia uma estranha subindo a escada com um rapaz igualmente estranho. A paz do seu pequeno lar fora corrompida pela presença de um índio que se fingia de latino. Índios já não são latinos, oras? Martín, que, na verdade, era Werá, fazia mais parte do cotidiano das irmãs Carmo do que o pai delas. Cristiane não tinha nada contra ele, mas também não tinha tudo a favor. Era um cara metido a gostoso, mas com um passado meio estranho e um objetivo questionável: o tipo de cara que toda leitora de romance quer. Pena que Cristiane apenas lia documentários.
Os passos cessam. Por fim, apenas Susana subiu as escadas. O alívio invisível esvazia o peito de Cris.
— Que apresentação incrível, irmãzona!!!! Aquela Vanessa mereceu! A conta de telefone deve vir uns bilhões, porque eu liguei 597 vezes pra votar pra ela sair.
— Você viu?? Eu adoraria dizer que não foi nada, mas FOI DEMAIS!!! Mas eu tive uma motivação especial.
Nos minutos seguintes, Susana narrou os acontecimentos relacionados a Vanessa. Cris escutava pacientemente enquanto analisava as declarações. Por fim, o estômago de Susana mudou o assunto:
—Cris, cê fez comida?
— Não... eu não passei o dia todo em casa, hoje... Eu...
— Onde você foi???
— Eu trabalhei...
— Você é péssima disfarçando. Fala, eu aguento a verdade.
— Eu dormi na casa do Augusto.
— VOCÊ FEZ O QUÊ????
— VOCÊ DISSE QUE AGUENTAVA A VERDADE, PARA DE SURTAR!! Eu dormi na casa dele porque eu nunca tive que dormir sozinha, tá? Eu tive medo. Aqui é esquisito e solitário sempre, mesmo com a certeza de que você vai voltar logo. Sem isso, eu simplesmente não consegui dormir. Ele é bonzinho, me tratou super bem, me deu todo o apoio do mundo desde o incêndio. E mais: eu não acredito que tenha sido ele a atear fogo na nossa casa. Não mesmo.
— Cris, eu já te disse que não quero você andando com ele...
— Eu sei, mas acontece que minha mãe já morreu e meu pai não se importa, então eu tô cagando e andando. — Cristiane suspirou — Olha, Su, eu sei que fui eu quem te meteu nessa roubada, mas eu não gosto da situação em que estamos. Sempre fomos você e eu contra o mundo, mas agora eu nem pareço ser parte da tua vida. Eu só quero minha irmã de volta...
— Como você disse, Cris, você me meteu nessa. Você quis isso. Agora respira fundo porque eu vou até o fim. Mas, no momento, eu vou tomar um banho. E você deveria ir dormir. Amanhã voltamos à rotina normal.
— O Augusto é legal, tá? Ele é uma boa pessoa.
— Ele incendiou nossa casa.
— A polícia não disse que foi ele.
— Mas também não disse que não foi... — Susana suspirou — Eu não vou dizer mais nada, você é crescida e, como você disse, eu não sou tua mãe, mas...
— Você realmente confia mais no mentiroso profissional do que no cara com quem você passou a vida inteira na mesma turma?
— Não é isso...
— É isso. Mas, ok, você que sabe. Eu digo, e você sabe que pode confiar em mim, que o Augusto é confiável. Ele me acolheu quando não tinha mais ninguém pra isso.
— E se ele tiver feito isso só pra se aproximar de mim?
— Ele não pisou aqui e nem quis te ver. O mundo não gira ao seu redor, Susana. Às vezes, as pessoas apenas são boas porque são boas.
— Não, elas não são.
— Tua vida deve ser bem amarga, né? Eu entendo que te fizeram mal, mas o ensino médio acabou e você é uma mulher agora. Chega de viver essa pindaíba, Su!!
— Que pindaíba, Cristiane? Minha mãe também já morreu, não preciso da minha irmã mais nova tentando me dar lição de moral.
— Como quiser, "Susangada"...
E, cada uma pro seu lado, foram seguir a rotina em completo silêncio.
A manhã seguinte chegou bem mais rápido que o esperado e as irmãs permaneciam chateadas. A empresa agora estava lotada com seus funcionários e isso significava que era hora de sair. Cristiane teria aula e Susana precisava chegar mais cedo na sorveteria para uma faxina especial. Naquele dia, elas não caminharam juntas.
**********
— Temos que passar o feriado juntos.
Sem tirar os olhos do trânsito, Werá respondeu
— Eu vou te apresentar pra minha família.
— A erva tava estragada? — Susana quase engasgou com a própria saliva — De onde você tirou essa ideia, cachimbo da paz?
— Temos que passar juntos, eu quero ir pra casa, então vamos os dois pra minha casa. — a voz de Werá assumiu um tom zombeteiro — Você tem medo de cobra, Susangada? E de insetos? Cara, eu não tinha pensado ainda no quanto isso pode ser divertido.
— A única cobra que me assusta é essa que você tem no meio das pernas. Pelo tanto de mulher que você pega, deve ser cheia de doença venérea. Que nojo!
— Credo, Susana, oh! Também não precisa avacalhar.
— Não me arrependo de nada — Susana sorriu — Mas a ideia é realmente boa. Eu vou falar com a Cris e aí...
— Não, sem a Cris!
— Nossa, mas por quê? Ela não pode ficar sozinha aqui...
— Se somos um casal, tem que ser uma viagem de casal.
Ambos ficaram em silêncio. Aquela frase pegou fundo no coração dos dois. Droga, Werá sabia, no fundo da sua alma, que gostava de Susana. Ela era tão incrível que fazia as outras parecerem sacos de lixo orgânico. E Susana, por sua vez, precisava admitir que era muito difícil lidar com Werá na base da amizade. Ele era bonito, simpático, tinha um sotaque gostoso de ouvir, uma voz linda e um senso de humor ridículo, mas que a fazia gargalhar. Os dois estavam rendidos, mas um não sabia sobre o outro e, por isso, eram apenas dois estúpidos dentro de um Monza vinho.
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It's (NOT) A Love Song
RomanceAnos depois de uma derrota humilhante em nível internacional, Susana recebe a chance de se redimir. Perder não é uma opção e qualquer falha é inaceitável. De volta ao programa de TV dos seus pesadelos, ela conhece Werá, um jovem indígena que só quer...