27 ▪︎ Íntimo & Pessoal

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Cristiane assistia a cena de sua irmã com Werá na pequena TV do escritório de seu pai. Depois das 11h da noite, tudo o que ela queria era descansar preguiçosamente em qualquer superfície deitável, mas o toque estridente do telefone interrompeu seus planos.

Não tem como isso ser de mentira, Cris.

A voz desesperada do telefonema era a mesma da noite do incêndio. Internamente, Cristiane amaldiçoou sua irmã por ter dado o número do telefone para o rapaz, mas lembrou-se de que estava na famosa empresa do pai, qualquer pessoa acharia o telefone desde que olhasse a lista telefônica. Malditas páginas amarelas!

— Boa noite pra você também, Augusto. Por que você tava vendo isso? Quanto masoquismo...

— Você tá vendo o jeito que eles se olham?

Contrariando sua vontade de mandá-lo dormir, Cristiane respirou fundo:

— Augusto, você sabe como minha mãe morreu?

— Qual é a importância disso pro assunt...

— Você sabe?

— Não... — Augusto parecia confuso e sua voz embargada dava a Cris uma sensação estranha, achava que era pena.

— Foi overdose. Ela usava altos bagulhos. Um dia, minha irmã encontrou o corpo dela no banheiro, com a cabeça pra dentro do vaso. O que eu quero dizer com isso é: tem coisas que a gente gosta, mas nos fazem mal. Você está abusando dessa substância, Augusto. Não importa o quanto você goste dela, ela vai te consumir. É nocivo.

— Você tá chamando tua irmã de droga? — as risadinhas aliviaram bastante o clima ruim 

— É quase isso. — a jovem suspirou novamente, era impressionante como essa coisa de gostar de alguém era simplesmente complicada — A Susana tá meio fora de órbita com essa parada do programa. Ela não lida bem com isso. Eu a coloquei nessa pra ela se curar dos traumas, mas ela tá se jogando de cabeça neles. Se você continuar tendo expectativas, vai acabar se machucando.

— Você tem só 16 anos mesmo? — risinhos vieram dos dois lados — Obrigado, Cris. Você é ótima. Boa noite!

— Boa noite, Augusto. E cria juízo!

É, era mesmo uma coisa muito complicada.

**********

— Vocês podem parar agora. — a apresentadora sorriu pro jovem casal — Vocês conseguiram. Já têm a atenção do público, não precisam mais fingir pra mim.

— Como a senhora sabe? — Susana ficou chocada, seus olhos quase saindo das órbitas.

— Eu estou na televisão há muitos anos, gracinha. Eu já vi de tudo nessa vida. Mas não se preocupe, eu não vou contar nada pra ninguém. Achei bastante inteligente, na verdade.

— Se a senhora sabe, logo outros vão saber. — Werá fechou a cara

— Sim, criança. Vocês têm que aprimorar essa apresentação. Sugiro que se conheçam bem antes da próxima entrevista. As perguntas serão diferentes, vocês precisam estar preparados pra tudo.

— Como assim? Ai, meu Deus... Se algum peixe grande da emissora perceber, acabou pra nós dois. E agora, dona Helga?

— Susaninha, doçura, vocês estão com a faca e o queijo na mão! Basta continuar o que estão fazendo: sejam vistos juntos em diversos lugares, sorriam juntos e, o mais importante, se conheçam super bem. O resto a magia da TV faz funcionar.

Susana e Werá trocaram um olhar de cumplicidade e Helga sorriu de satisfação. Tiradas as fotos pras revistas de fofoca, trocaram agradecimentos e se despediram. Muitos jornalistas esperavam pelo casal na porta da emissora e mais vários do lado de fora dos portões. Aparentemente, a entrevista tinha sido satisfatória e o público queria mais. Saíram de mãos dadas, sem falar muita coisa. Os flashes ainda brilhavam quando entraram juntos no "indio-móvel". Sorridentes e simpáticos,  porém discretos e misteriosos: o povo ia à loucura. Assim que tomaram distância, suspiraram de alívio.

— Minhas bochechas doem — Susana esfregou o rosto com as pontas dos dedos.

— Nunca sorri tanto na vida. Só espero que valha a pena. — Werá disse, sem parar de encarar a rodovia.

O silêncio durou alguns minutos, cada um perdido nos próprios pensamentos, até que Susana passou a observar o caminho.

— Esse não é o caminho pra minha casa.

— Não. É o da minha.

— Qual foi, Werá? Tá doidão de cachimbo da paz? Eu não vou dormir com você! — Susana passou a cuspir reclamações mal humoradas

— Mas quem falou que vamos dormir? — o sorrisinho sarcástico no rosto do rapaz desapareceu assim que ele viu uma mão erguida vindo em sua direção — NÃO ME BATE, EU TÔ DIRIGINDO!

— Eu quero ir pra casa!

— Susangada, precisamos ser vistos juntos, lembra? Temos que frequentar os mesmos lugares.

— Que jeito conveniente de me chamar pra sua cama.

— Não precisa ser na cama, pode ser na sala, cozinha ou banheiro... ABAIXA ESSA MÃO, DOIDA! Já estamos chegando. Lá, a gente liga pra tua irmã e avisa que hoje você é minha.

— Como é??

— Minha convidada, Susana, minha CON-VI-DA-DA.

Werá sorriu, tinha convencido a megera. Mas algo dentro de Susana dizia que muitas coisas iam mudar a partir do momento em que abrisse a porta.

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora