Cristiane assistia a cena de sua irmã com Werá na pequena TV do escritório de seu pai. Depois das 11h da noite, tudo o que ela queria era descansar preguiçosamente em qualquer superfície deitável, mas o toque estridente do telefone interrompeu seus planos.
— Não tem como isso ser de mentira, Cris.
A voz desesperada do telefonema era a mesma da noite do incêndio. Internamente, Cristiane amaldiçoou sua irmã por ter dado o número do telefone para o rapaz, mas lembrou-se de que estava na famosa empresa do pai, qualquer pessoa acharia o telefone desde que olhasse a lista telefônica. Malditas páginas amarelas!
— Boa noite pra você também, Augusto. Por que você tava vendo isso? Quanto masoquismo...
— Você tá vendo o jeito que eles se olham?
Contrariando sua vontade de mandá-lo dormir, Cristiane respirou fundo:
— Augusto, você sabe como minha mãe morreu?
— Qual é a importância disso pro assunt...
— Você sabe?
— Não... — Augusto parecia confuso e sua voz embargada dava a Cris uma sensação estranha, achava que era pena.
— Foi overdose. Ela usava altos bagulhos. Um dia, minha irmã encontrou o corpo dela no banheiro, com a cabeça pra dentro do vaso. O que eu quero dizer com isso é: tem coisas que a gente gosta, mas nos fazem mal. Você está abusando dessa substância, Augusto. Não importa o quanto você goste dela, ela vai te consumir. É nocivo.
— Você tá chamando tua irmã de droga? — as risadinhas aliviaram bastante o clima ruim
— É quase isso. — a jovem suspirou novamente, era impressionante como essa coisa de gostar de alguém era simplesmente complicada — A Susana tá meio fora de órbita com essa parada do programa. Ela não lida bem com isso. Eu a coloquei nessa pra ela se curar dos traumas, mas ela tá se jogando de cabeça neles. Se você continuar tendo expectativas, vai acabar se machucando.
— Você tem só 16 anos mesmo? — risinhos vieram dos dois lados — Obrigado, Cris. Você é ótima. Boa noite!
— Boa noite, Augusto. E cria juízo!
É, era mesmo uma coisa muito complicada.
**********
— Vocês podem parar agora. — a apresentadora sorriu pro jovem casal — Vocês conseguiram. Já têm a atenção do público, não precisam mais fingir pra mim.
— Como a senhora sabe? — Susana ficou chocada, seus olhos quase saindo das órbitas.
— Eu estou na televisão há muitos anos, gracinha. Eu já vi de tudo nessa vida. Mas não se preocupe, eu não vou contar nada pra ninguém. Achei bastante inteligente, na verdade.
— Se a senhora sabe, logo outros vão saber. — Werá fechou a cara
— Sim, criança. Vocês têm que aprimorar essa apresentação. Sugiro que se conheçam bem antes da próxima entrevista. As perguntas serão diferentes, vocês precisam estar preparados pra tudo.
— Como assim? Ai, meu Deus... Se algum peixe grande da emissora perceber, acabou pra nós dois. E agora, dona Helga?
— Susaninha, doçura, vocês estão com a faca e o queijo na mão! Basta continuar o que estão fazendo: sejam vistos juntos em diversos lugares, sorriam juntos e, o mais importante, se conheçam super bem. O resto a magia da TV faz funcionar.
Susana e Werá trocaram um olhar de cumplicidade e Helga sorriu de satisfação. Tiradas as fotos pras revistas de fofoca, trocaram agradecimentos e se despediram. Muitos jornalistas esperavam pelo casal na porta da emissora e mais vários do lado de fora dos portões. Aparentemente, a entrevista tinha sido satisfatória e o público queria mais. Saíram de mãos dadas, sem falar muita coisa. Os flashes ainda brilhavam quando entraram juntos no "indio-móvel". Sorridentes e simpáticos, porém discretos e misteriosos: o povo ia à loucura. Assim que tomaram distância, suspiraram de alívio.
— Minhas bochechas doem — Susana esfregou o rosto com as pontas dos dedos.
— Nunca sorri tanto na vida. Só espero que valha a pena. — Werá disse, sem parar de encarar a rodovia.
O silêncio durou alguns minutos, cada um perdido nos próprios pensamentos, até que Susana passou a observar o caminho.
— Esse não é o caminho pra minha casa.
— Não. É o da minha.
— Qual foi, Werá? Tá doidão de cachimbo da paz? Eu não vou dormir com você! — Susana passou a cuspir reclamações mal humoradas
— Mas quem falou que vamos dormir? — o sorrisinho sarcástico no rosto do rapaz desapareceu assim que ele viu uma mão erguida vindo em sua direção — NÃO ME BATE, EU TÔ DIRIGINDO!
— Eu quero ir pra casa!
— Susangada, precisamos ser vistos juntos, lembra? Temos que frequentar os mesmos lugares.
— Que jeito conveniente de me chamar pra sua cama.
— Não precisa ser na cama, pode ser na sala, cozinha ou banheiro... ABAIXA ESSA MÃO, DOIDA! Já estamos chegando. Lá, a gente liga pra tua irmã e avisa que hoje você é minha.
— Como é??
— Minha convidada, Susana, minha CON-VI-DA-DA.
Werá sorriu, tinha convencido a megera. Mas algo dentro de Susana dizia que muitas coisas iam mudar a partir do momento em que abrisse a porta.
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It's (NOT) A Love Song
RomanceAnos depois de uma derrota humilhante em nível internacional, Susana recebe a chance de se redimir. Perder não é uma opção e qualquer falha é inaceitável. De volta ao programa de TV dos seus pesadelos, ela conhece Werá, um jovem indígena que só quer...