7 ▪︎ Cry-Baby

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A manhã seguinte já começou com um pequeno caos. Enquanto o rádio- relógio tocava a sequência as 10 músicas mais pedidas da semana, as irmãs Carmo se arrumavam para o dia que se iniciava. Cristiane gritava reclamações e esmurrava a porta do banheiro enquanto sua irmã tomava um banho que já estava demorando demais pra acabar. Quando saiu do chuveiro, Susana destrancou a porta e permitiu que a irmã entrasse.

- O que você tem de tão importante pra fazer hoje que justifica meu atraso pra aula? - Cristiane perguntou, enquanto passava shampoo nos curtos cabelos castanhos.

- Vou achar um emprego. - Susana disse enquanto passava um pouco de pó de arroz na pele branca ainda mais clara por não ser exposta ao sol com frequência. Os seus volumosos cabelos castanhos mais escuros que os da irmã estavam presos num coque, como se quisesse dar um ar de madura e profissional à sua aparência, mas a franja irregular deixava claro que não passava de uma jovenzinha.

Ambas fizeram o caminho para o Centro juntas e só se separaram quando Cristiane entrou na escola. Susana passou a manhã inteira andando, pedindo emprego em todos os estabelecimentos nas redondezas, mas sem sucesso. Estava quente demais para andar ao sol de meio dia, então entrou no shopping e sentou-se na praça de alimentação para descansar. Não tinha a intenção de comer nada, porque não tinha mais condição de esbanjar, mas estava faminta. "Se for só uma casquinha, nem vai doer...", pensou. Dirigiu-se à uma sorveteria recém aberta na intenção de repor minimamente suas forças e seguir sua busca por um emprego razoável. A atendente era uma mulher mais velha, olhos e cabelos escuros e muita maquiagem no rosto. Susana pediu seu sorvete e esperava por ele silenciosamente, mas o semblante cansado que exibia chamou a atenção da exótica atendente

- Tu tá caída, hein. Que que é? Que que foi? Por que que tu tá nessa?

- Ah, estou só cansada... - Susana não estava com a menor vontade de conversar

- Cansada do quê? - a mulher mascava ruidosamente um chiclete enquanto colocava o sorvete na casquinha de massa de wafer

- Estive procurando emprego o dia todo e não achei nada - Susana estava quase babando no balcão observando a mulher preparar seu "almoço"

- Pois acaba de achar! - disse a mulher, entregando a casquinha à Susana - Abri a sorveteria aqui no shopping tem poucas semanas e ninguém tinha se candidatado à vaga de atendente. Sou a dona daqui. Meu nome é Wanda. Sei que você deve querer algo melhor que balconista de sorveteria, mas, pelo menos, vai trabalhar num lugar mais fresco e seguro. E vai poder tomar um sorvetinho vez ou outra. Entra aí, vou te ensinar o que você tem que saber e falar das formalidades.

Realmente, Susana queria algo melhor, mas não tinha recebido nenhuma proposta mais interessante que essa. Tinha pressa pra resolver logo isso e se tornar mais independente. Por ainda ser menor de idade, não tinha carteira de trabalho nem nenhuma das grandes exigências que deveriam ser cumpridas. Isso tornou todo o processo de contratação bem mais rápido de resolver. Meio ilegal e contornando as leis trabalhistas, mas foi rápido, principalmente porque dona Wanda tinha pressa. Já começaria no dia seguinte. Mas antes de sair, Susana ainda estava pensando em uma coisa:

- Dona Wanda, por acaso a senhora me reconhece de algum lugar? Tipo, de uns anos atrás...?

- Que eu me lembre, não... Por quê?

- Nada. Só pensei...

Ao chegar em casa e dar a notícia pra irmã, Susana ficou menos angustiada porque Cristiane parecia feliz com sua conquista. Mas a parte que mais a deixava animada era o sorvete de graça.

Dali em diante, a rotina era a mesma: acordar de manhã, ir pra sorveteria, meia hora de almoço, mais tempo na sorveteria e fechar a loja à noite pra repetir tudo no dia seguinte. E assim seria durante os sete dias da semana, só fechava mais cedo no domingo. Às vezes, um cliente a tratava mal, mas ela estava acostumada. Passou a não reclamar mais dos clientes porque sua irmã sempre tinha a resposta pronta: "Se você fosse pro High Note, não passaria mais por isso", mas Susana estava satisfeita com a vida de anônima.

Mais uns dias se passaram e as ordens de dona Wanda foram ficando mais severas. Agora Susana tinha que passar o dia inteiro em pé, porque não dava pra vê-la atrás do balcão quando estava sentada. Também não podia mais sair da loja para almoçar, tinha que comer em pé ainda atrás do balcão. Só podia ir ao banheiro duas vezes ao dia, usava o banheiro geral do shopping, o da loja era exclusivo pra dona agora, e com minutos marcados. Ela nunca pôde pegar o tal sorvete grátis e, agora, nem a água da loja podia beber. Não era nenhum paraíso mesmo.

Passou duas semanas trabalhando até a exaustão. Sentia o corpo arder por causa do esforço pra abrir e fechar as portas de metal da loja e por ficar de pé o dia inteiro. Já era a 2ª sexta-feira que passava ali e, até agora, nada tinha dado tão errado assim. Além do mais, hoje ela receberia seu primeiro pagamento. Tinha combinado com a chefe de dividir o pagamento nesse primeiro mês para poder fazer as compras de comida pra casa com a primeira metade do salário. Tudo tinha ido bem com Susana naquele dia, até uma infeliz surpresa tirar sua paz.

Augusto, o menino de quem ela gostava na escola, e mais uns rapazes também do ensino médio se aproximavam do balcão. Susana os reconheceu, sabia que seu corpo já estava à beira de entrar numa crise nervosa, mas não queria entrar em pânico. Não podia surtar, ela já era praticamente uma adulta agora! Não ia demorar muito pra ser hora de fechar mesmo. Juntou todas as forças do seu ser e, forçando um sorriso, disse:

- Boa noite! O que vão querer? - Susana fazia o possível para não deixar aparente que estava avaliando cada um deles. Olhava cada um de cima a baixo. Eles estavam com um uniforme de alguma conferência de uma faculdade de engenharia que estava acontecendo num prédio ali perto.

- Eu quero um sundae de morang... Ei, eu conheço você? - o primeiro rapaz a pedir agora olhava pra Susana com um olhar inquisidor

- Não.- Sem dar margem para voltarem ao assunto, ela continuou - Um sundae de morango, e o que mais?

- Você fez o ensino médio no Colégio Passos, né? Eu lembro de você - Augusto se aproximou. Susana não conseguiu evitar o pensamento, "ele continua bonito e cheiroso..."

- Foi sim!! Ela foi a garota do concurso lá! - a voz do rapaz ressoou bem alto na praça de alimentação, atraindo alguns olhares - Você era a menina do High Note, né?

Susana ficou totalmente sem resposta. Ao notarem seu desconforto, os rapazes foram bondosos e fingiram ignorar o assunto. Simplesmente fizeram seu pedido e sentaram à mesa. Susana entregou o que foi solicitado e se esforçou para se manter de pé depois daquele choque. Ela não sabia se eles sabiam, mas a conversa deles era facilmente audível de onde ela estava.

- Ela estudou na mesma escola que a gente, lembra? Ela foi finalista no High Note, aquele programa de cantores da TV. Ela era muito boa, mas perdeu pra uma menina que nem continuou com a carreira depois. Tadinha, a galera zoava muito com a cara dela. Só se amontoavam ao seu redor para tentar fazer fama também, ou sei lá. Mas todo mundo falava mal dela pelas costas. Será que ela sabe que era assim? Deve saber, né? Ninguém escondia muito bem as intenções. A maior merda disso tudo é que ninguém lembra dela no programa. Eu só lembro dela sendo zoada à toa.

Susana respirou fundo. "Ninguém lembra de mim no programa... Ninguém lembra de mim"

Dona Wanda saiu da porta dos fundos da loja com um envelope na mão e, cantarolando com sua voz estridente, interrompeu os pensamentos de Susana.

- Sussu! Toma, amadinha. Você mereceu.

Susana tinha até esquecido do pagamento. Abriu o envelope para contar o dinheiro antes de assinar o recibo, mas tomou um susto ao ver as notas.

- Dona Wanda, aqui não tem nem metade do valor que nós combinamos...

- Eu sei, filha, espero que você saiba, né? Você está em treinamento, não ganha o salário todo ainda. — dona Wanda disse, com um sorrisinho no rosto — Agora pode ir lá fazer suas comprinhas que eu fecho a loja. Corre corre, senão o mercado fecha.

Susana engoliu o ódio e foi pros fundos tirar o uniforme. Enquanto caminhava pra casa, pensou em tudo que ouviu naquele dia. Quando chegou, viu Cristiane assistindo TV no sofá e se jogou ao lado dela

- Eu vou

- O quê? - Cristiane parecia confusa

- Se você me cobrir na sorveteria nos dias de gravação, ok, eu volto pro High Note Show. 

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora