30 ▪︎ Sem Fôlego

12 3 6
                                    

— Pra onde vamos agora, majestade?

— Ainda tá muito cedo pra ir pra emissora e acho que não chamamos atenção o suficiente pro fato de eu estar com a mesma roupa de ontem, então...

— É só nisso que você pensa, Susana? Programa, paparazzi, ganhar...? — Werá não podia tirar os olhos da pista e, de certa forma, achou isso vantajoso: se Susana pudesse ver seus olhos, saberia que isso o chateava. Desde o lance com Jaqueline, tinha percebido que não tinha muito pra onde fugir, aquela pequena e caótica coisinha tinha ocupado um grande espaço em seus pensamentos. Não era uma coisa comum de acontecer, mas ele gostava mesmo de estar COM ela em vez de estar NELA. Nunca esteve dentro dela, mas, honestamente, não importava agora, ele nem estava mais sentindo vontade disso...

FREADA BRUSCA. Ele não sentia mais vontade com ninguém. Mas que merda!

— QUE LOUCURA FOI ESSA, ÍNDIO BARBEIRO??? TOMOU CHAZINHO DE "SANTO DAI-ME" ANTES DE DIRIGIR??

— N...não... eu.. Eu só vou te levar pra praia. Foi isso.

— Você quase provocou um engavetamento só porque quer ir à praia?

— Eu amo MESMO o litoral. — E, numa outra manobra extremamente perigosa e desnecessária, Werá fez uma curva na contramão e seguiu para a praia mais próxima.

**********

A areia quente fazia Susana querer calçar novamente os sapatos, mas sabia que ia enchê-los de grãos e cacos de conchas. Dobrou as pernas da calça jeans na altura do joelho e tentou desfazer a cara de desgosto por estar passando tanto calor. Olhou para o rapaz ao seu lado: um deus folclórico com a psiquê de um adolescente. Sorriu ao pensar no que sabia sobre ele. Era um cara de uma aldeia que largou sua casa para vir pra cidade trabalhar num cartório. Claramente um maluco. Enquanto ele pagava pela água de coco, Susana notou um fotógrafo à espreita e prontamente abraçou Werá por trás, com grande intimidade. Ao ouvir os flashes, o rapaz entendeu do que se tratava e retribuiu o gesto. Dividiram o canudo enquanto conversavam amenidades e forçavam risadas pros paparazzi.

Voltaram pro carro de mãos dadas e chegaram à emissora uns 40 minutos antes da hora marcada. Werá parou para observar Susana saindo do carro. O corpo de estatura perfeita, o formato, as cores... Observava aquela pequena tirana como quem espia uma ave exótica.

— O que é? — Susana questionou, interrompendo seus movimentos — Minha roupa tá suja?

— Não, eu só tô te olhando.

— Por quê?

— Porque você é linda, Susangada. Linda como um pôr de sol.

— Não pode mentir pra mim, já falamos disso. — Susana ergueu uma das sobrancelhas

— Não é mentira, eu só...

— Eu reparei nos olhares que você trocava com aquela funcionária da emissora. Eu sei o padrão de mulher que você e todos os outros homens do mundo gostam de admirar. Eu não me encaixo nele, cara, e tô bem com isso. Agora para de palhaçada que dança da chuva não faz cair dinheiro do céu.

Susana rapidamente ergueu-se do banco e seguiu com passos firmes rumo à porta. Interrompeu o movimento quando lembrou que seu "namorado" estava ficando pra trás. Parou para esperá-lo. Aproveitou para analisar todos os detalhes dele enquanto sacudia a areia dos tapetes de seu Monza. Repensou sobre o elogio inesperado. Ele realmente era um cara estranho. Mas, por algum motivo, ela gostava disso. Era difícil explicar, mas estava começando a ficar complicado se forçar a ver aquilo como um romance forjado.

**********

O concurso ficava mais e mais competitivo a cada dia, mas Susana notava nitidamente o efeito de seu "namoro" nas avaliações gerais. Pessoas saíam e os dias passavam, mas ela e "Martín" permaneciam intocáveis. Suas carícias e abraços saíam semanalmente nas revistas e jornais. Tudo ia estranhamente bem, bem até demais.

Susana enxugava as mãos enquanto encarava seu reflexo no espelho do banheiro da emissora quando a porta abriu de repente. Vanessa Ferraz desfilou até o outro lado da pia de mármore e começou a retocar o gloss labial. Era uma das participantes; ou melhor, A PARTICIPANTE. Era impossível parar de olhar pra ela: cabelos loiros muito lisos, pele levemente bronzeada pelo sol, corpo escultural e um decote generoso. A voz não era lá essas coisas, mas o visual completo fazia de Vanessa uma concorrente a ser temida.

— Susana Carmo, o nome da emissora, não sabia que sumidades como você usavam o mesmo banheiro que o resto de nós, meros mortais. — Vanessa não desviou seus olhos do espelho enquanto limpava os cantos da boca.

— Do que você tá falando? Esse é o banheiro das meninas do High Note, ué...

— Corta essa, garota! Tá todo mundo vendo o que vocês estão fazendo. Esse namorinho tosco não engana a ninguém daqui de dentro. Vocês estão trapaceando na maior cara de pau. Isso tudo é medo de perder? Nada que você, fracassada, não consiga superar DE NOVO.

— Isso tudo é inveja, Vanessa? Todo mundo também sabe que você só tá aqui porque mostra os peitos pros jurados e pra quem mais tiver olhos. Eu, por exemplo, consigo ver até seu piercing no umbigo só de olhar pro teu decote agora. Cada um joga com o que tem: você usa seu corpo e eu, meu talento e meu namorado maravilhoso.

Vanessa se afastou de Susana como se não tivesse ouvido sua resposta. Abriu a porta, mas, antes de sair completamente, olhou nos olhos de sua rival:

— Se teu namorado é tão maravilhoso, por que ele chamou minha amiga pro apartamento dele? Mencione o nome "Jaqueline" perto dele e observe sua farsa ir por água abaixo.

Susana andou em direção à porta:

— Você tá doida pra algo de ruim acontecer com cada um de nós, né? Sinto muito, Vanessinha, mas, mesmo que sobre só nós duas, você ainda vai precisar de mais que um sutiã com bojo pra ter uma chance neste programa. Mas, talvez, teu corpo te dê algum futuro no bordel da tua mãe, aquela piranha. Vá se Ferraz, Vanessa!

Enquanto Vanessa ainda segurava a porta, Susana a atravessou primeiro. Uma provocação simples, mas que desestabilizou até o último neurônio da cabeça loira da jovem caloura. Talvez fosse a água oxigenada trazendo seus efeitos colaterais, mas Vanessa teve certeza de que sentiu até o couro cabeludo queimando de tamanho ódio. Alguma coisa deveria ser feita antes do pior acontecer.

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora