Quando sentiu-se bem o suficiente para raciocinar, Susana levantou-se com pressa e se pôs a caminhar nervosamente, sem ter uma direção específica em mente, apenas movida pelo ódio. Ao olhar em volta, percebeu que a exibição já tinha acabado e as poucas pessoas no estúdio eram apenas participantes do show que fofocavam entre si enquanto olhavam pra ela. "Bando de filhos da p...". Antes que pudesse concluir seu pensamento, notou que estava sendo seguida por Werá, mas, aparentemente, não só por ele. Várias câmeras estavam apontadas para suas costas enquanto ela se esgueirava pelos corredores da emissora.
- Susana, você não deveria estar tão nervosinha! Isso não te fará bem. - a voz de Werá tinha um Q de preocupação que Susana sabia que era fingimento - Você acabou de se recuperar de um desmaio. Pare de fugir, deixe eu cuidar de você.
- Não é necessário, podem ir embora.
- "Susangada", deixe de ser tão teimosa!
Aquele apelido ridículo foi a gota d'água. Susana passou a correr o mais depressa que seus pulmões sedentários permitiam. Na tentativa de despistar os perseguidores e ganhar um tempinho, bateu uma porta com bastante força para que fizesse barulho e avançou na direção oposta. Ouviu o som dos passos alheios ficando cada vez mais distantes e então se deu ao luxo de andar calmamente por um corredor minúsculo que entendeu se tratar de uma coxia. Encostou as costas na parede e deixou seu corpo escorregar pesadamente até cair no chão com a graça de uma hipopótamo de tutu cor de rosa. "Que comparação estúpida, Susana. Só não mais estúpida que você, sentada no chão frio, fugindo de paparazzi e de um pivete que certamente usa sainha de palha.", suspirou. Aquele definitivamente não era o melhor jeito de começar o programa.
- Você é bem astuta pra uma menininha do centro da cidade. - Werá surgiu pela entrada do palco - O lance da porta foi legal, mas não funciona com quem entende de caça.
Talvez pelo susto, Susana se levantou num sobressalto e oralizou seu pensamento:
- Você já usou sainha de palha?- Quê?
- Nada. Eu só pensei alto... Enfim, o importante é que você é um babaca que cagou pro que eu disse e me meteu numa furada!!
- Ainda estamos falando da sainha de palha? Eu honestamente não sei como você pensou nisso...
- AH, WERÁ, VÁ À M....
- Susana, aqui não - Werá levou a mão à boca de Susana para que ela não falasse - Sei que você está brava, mas, por favor, não me chame assim aqui. Olha, você é inteligente, sabe que não tinha outra escolha. Você apagou em rede nacional, aquilo foi, no mínimo, um micão. Eu não podia te largar lá. E você bateu a cabeça, sabia? Todos ficaram chocados. Uns comemoraram, não vou mentir, mas outros, como eu, realmente entraram em desespero.
- Por que você? De todos os que "entraram em desespero" por mim, só você se prestou a me ajudar. Por quê? Eu já tinha deixado claro que eu não concordava com teu jogo, "Martín".
- Susana, eu juro que não te socorri pensando no jogo, eu faria isso por qualquer outra pessoa ali, mas foi você. Além do mais, quem surtou comigo foi você, e foi isso que chamou a atenção dos paparazzi, ninguém tinha dado atenção alguma até você sair gritando. Você passou mal, eu socorri, mas foi teu pití que deu início aos burburinhos sobre "escondermos alguma coisa"
- Você não entende, cara. -Susana levou a mão à cabeça para demonstrar sua frustração - Eu não quero me meter num romance agora. Eu estou finalmente chegando a algum lugar com o... Isso não importa, eu não quero sair com outra pessoa na capa de uma revista adolescente.
- Uma capa por um desmaiozinho? Quanta prepotência....
- Nossa, como você é ridículo! - Susana deu um suave empurrão em Werá e até se permitiu dar uma relaxada depois de perceber que nada tinha saído do controle. Descontraída, ela perguntou sobre a apresentação e deu boas gargalhadas com Werá imitando as caretas dos outros concorrentes no momento em que ela desmaiou.
Mas nenhum dos dois reparou que já haviam sido encontrados há algum tempo...
**********
No dia seguinte, quando a manhã já estava no fim, Susana trocou seu uniforme sujo de confeitos coloridos por uma camiseta limpa e se pôs a esperar Augusto para levá-la ao estúdio.
Cristiane chegou, almoçou, conversou e nada do rapaz chegar.- Acho que ele não vem, Su - Cristiane disse, com bastante cuidado, afinal, não queria chatear a irmã - Se você não sair, vai chegar atrasada e...
- Olha ele ali!
E Augusto chegou, atrasado, mas veio. Mesmo sendo cumprimentado, ele nada respondeu a ninguém. Trazia na mão um jornal dobrado e sua expressão sempre séria agora parecia ganhar até umas rugas a mais.
Susana entrou no carro e ambos fizeram o trajeto em silêncio. Somente ao chegar à emissora que Augusto verbalizou alguma coisa:
- Eu não sou teu namorado nem nada teu, mas passei a manhã inteira ouvindo e vendo isso em todos os lugares e eu não quero me machucar, então... Fale a verdade pra mim, ok? - a tensão do rapaz era claramente visível - Tem alguma coisa entre vocês?
- Do que você tá falando, Gus?
- Martín, Susana - o jornal que foi estendido à frente da jovem mostrava seu nome numa manchete acompanhada de uma foto dela com Werá. Naquele ângulo, naquele exato segundo, realmente pareciam um casal bem íntimo. - Eu passei meu dia todo tendo que ver fotos e vídeos de vocês e os apresentadores dizendo que tá rolando, todo mundo dizendo que vocês são um casal...
- Não tem nada, eu juro! Não passa de um mal entendido.
- Se não tem, por que tem tanta gente falando?
- Se a afirmação de muitas pessoas fosse garantia de algo estar certo, a multidão não teria mandado matar Jesus...
- É o quê? Olha, Susana, eu não quero me magoar... Eu gosto de você, mas preciso me proteger agora. Eu fiquei muito mal com essa história e eu não gostei do efeito que isso causou em mim. Eu sei que a gente nem namora, e é por isso que decidi me afastar. Eu não tô pronto pra isso tudo. Me desculpa, talvez eu esteja exagerando ou sendo ridículo, mas eu não quero me sentir usado nem sofrer, sabe? Me perdoa...
- Eu acho que entendi. Tudo bem. Você está certo de querer se proteger. Obrigada por ser sincero. Eu ainda insisto em dizer que não tem nada rolando, mas, já que você já está decidido, eu gostaria de ser, pelo menos, tua amiga.
- Claro, tudo bem.
- Me perdoa por esse mal entendido, por tudo. Eu sinto muito, eu espero que a gente possa tentar novamente, um dia... - lágrimas discretas rolaram pelo rosto de Susana quando a porta do carro foi batida e tímidos passos foram dados em direção à porta.
"Maldito Werá, você estragou tudo"
Dicionário:
- Coxia: Parte de trás de um palco de teatro. Lugar onde ficam os cabos, objetos para compor os cenários e esse tipo de coisa.
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It's (NOT) A Love Song
Roman d'amourAnos depois de uma derrota humilhante em nível internacional, Susana recebe a chance de se redimir. Perder não é uma opção e qualquer falha é inaceitável. De volta ao programa de TV dos seus pesadelos, ela conhece Werá, um jovem indígena que só quer...