11 ▪︎ Career Opportunities

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Susana abriu o portão tentando combinar pressa e sutileza, na esperança de que sua irmã estivesse dormindo e não tido tempo de notar sua ausência. Ledo engano. Cristiane a aguardava ansiosamente na janela de seu quarto, no andar de cima, e quase se deixou cair lá embaixo quando notou que sua irmã viera de carona com um homem desconhecido e que, aparentemente, era lindo. Enquanto Susana abria a porta e ignorava os acenos do condutor do veículo, sua irmã descia as escadas em polvorosa permitindo-se escorregar pelo corrimão ao chegar ao último lance de degraus.

- SUSANA DE DEUS, ONDE VOCÊ ESTAVA???? QUE SUMIÇO FOI ESSE? Achei mesmo que você tinha abandonado tua irmã e nossa bela história juntas, mesmo tendo tanto para acontecer – Cristiane jogou exageradamente seu pulso sobre a testa para corroborar sua encenação dramática.

- Que sumiço, garota? Eu só voltei da emissora pra casa...

- É, princesa, mas o último ônibus já passou há uns 20 minutos ou mais e nada de você aparecer. Eu me preocupo ok? Eu só te perdoo porque você veio de carona com um gatão amazônico. Tem onça na Amazônia? Esse cara é essa proporção de gato e parece ter vindo direto da selva... Eu não reclamaria se ele me abocanhasse.

- Cristiane, para com isso! Que vergonha alheia, e olha que ele nem está te ouvindo! – Susana gargalhava das caras e bocas da irmã caçula – O nome dele é Werá, ele é indígena mesmo, mas é do Sudeste e não da Amazônia.

- Sempre pensei que você faria a linha Xuxa, tipo "no Brasil não há homem para mim", ou sairia do armário. Essa me surpreendeu, o cara é um pão!

- Para de falar asneira, Cristiane! Ele é bonitinho, mas é completamente maluco! Acredita que ele me pegou no colo, me jogou por cima dos ombros e me jogou dentro do carro?

- Nossa, que selvagem, Su! Não sabia que você fazia o gênero safadona. Bem que dizem que as mais quietinhas são as que mais dão trabalho... – Cristiane tinha se jogado no sofá, rindo-se das próprias piadas e das reviradas de olho que sua irmã lhe dava.

- Agora para, Cris. Meio que precisamos falar sério sobre uma coisa, mas sério com S maiúsculo. Eu já tenho na cabeça uma resposta, mas, como você me jogou nessa bagunça, você vai me ajudar a pensar – Susana sentou-se no sofá e puxou uma almofada para o colo. – O Werá me fez uma proposta: fingir que somos um casal para conseguir arrebatar o público com nosso romance adolescente. Ele acha que eu não tenho condição psicológica de ir ao palco e vou ser um fracasso logo no início e, se eu topar o lance do namorico, a mídia envolvida me leva direto pra final, o que seria muito bom pra mim, mas totalmente desonesto. O fato é que nós dois sairíamos beneficiados, ele quer visibilidade pra causa indígena e eu quero o prêmio. Não é crime ganhar a mídia assim, mas eu não sei se me sentiria bem com isso.

- Olha, Su, eu entendo você não se sentir bem, mas eu concordo com Maquiavel, sabe? "Os fins justificam os meios". Você mesma disse que não é crime e o público ia venerar vocês dois, é sucesso garantido. E, além disso, você ajudaria a causa dos índios.

- Indígenas – Susana corrigiu – aprendi hoje que eles preferem ser chamados de indígenas.

- Tá vendo? Mais motivos pra apoiar a causa deles. Você sabia disso? Eu não sabia disso. Eles não têm voz, mas o Werá vai ter, se você deixar.

- Eu não sei, eu vou pensar nisso. Mas ainda estou inquieta, minha consciência está pesando.

- Se ele não fizer com você, será com outra e, de um jeito ou de outro, o público será ludibriado. Pensa bem, isso pode valer tua vitória.

Com uma expressão tensa, Susana levantou-se do sofá e subiu as escadas. Tomou um banho rápido e foi se deitar, tentando não pensar em nada. Estava cansada demais para lutar com a irmã e sua própria mente, mas, como temia, seus valores morais não a deixavam dormir.

Susana sabia o que diria no dia seguinte. 

Dicionário: 

- Ledo engano: engano bobo, ilusão 

- Pão (como adjetivo): o cara era um gostoso mesmo



It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora