24 ▪︎ O Rei Leão

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Werá entrou em sua kitnet e, jogando a chave na mesa de canto, arremessou seu corpo no sofá. Pegou sua agenda telefônica com os números de todas as funcionárias mais bonitas da emissora e do cartório, também tinha os telefones das competidoras do The High Note Show e até das mães de algumas delas. Era o rei das mulheres! Então por que ele estava tão desanimado? O selinho de Susana foi o toque que ele precisava para notar que, de todas as mulheres que ele conhecia, ela era a única completamente imune aos seus encantos. Isso era muito irritante! Furioso consigo mesmo, correu os olhos pela lista de números escritos no caderninho e escolheu o de uma menina que conheceu na boate, uma vez. Era bonita e não era desesperada por compromisso como as outras. Ligou e, para seu completo choque, ela estava noiva. Ligou para outra, mas essa tinha ido estudar em outro estado. Ligou para mais uma, mas essa não tava a fim. E mais outra, que surtou com o telefonema "de um famoso", mas nem mesmo lembrava que já haviam ficado outras vezes. "É, Werá, você está perdendo a habilidade. O jeito vai ser descer o nível de exigência.", pensou. Ligou pra uma ruivinha conhecida, essa era mais animada e lembrou do nome "Martín" imediatamente, em meia hora estaria lá. Levantou-se, tomou um banho e esperou. No tempo marcado, ela chegou. Mas, para surpresa de Werá, as coisas estavam meio diferentes agora.

- Oi, Martín! Quanto tempo, achei que você nem fosse mais me cham...

- Você pintou o cabelo???? - Werá/Martin não foi capaz de esconder seu espanto. As madeixas ruivas agora eram castanhas como as de Susana. A menina agora estava diferente, tinha mais pintinhas no rosto e espinhas nas bochechas. A pele estava mais pálida e ela estava tão magra... Uma lista de comparações passou pela mente dele enquanto ela falava amenidades.

Para fugir da enrolação, Werá beijou a boca falante da menina parada em sua porta. A retribuição foi imediata. Assim que a porta foi fechada, ambos foram para o sofá com os corpos colados num beijo ininterrupto. As mãos delas foram mais velozes que a mente dele, abriram seu zíper numa manobra hábil, a cueca também foi jogada de escanteio rapidamente. Por mais que estivesse divertido, Werá tinha a mente perdida. Notou que, ao se concentrar na jovem de joelhos à sua frente, o sangue não fluía para onde devia ir, mas, se pensasse em outra... O nome veio aos seus lábios antes que o bom senso o interrompesse.

- Ah, Susana...

- QUEM É SUSANA?? - a jovem pulou para trás - MEU NOME É PATRÍCIA!!

A moça levantou com pressa, derramando uma enxurrada de palavrões, e deixou o apartamento sem nem olhar para trás. Se olhasse, teria visto um Werá/Martín correr atrás dela de calças arriadas e uma expressão desesperada no rosto. Aquilo só podia significar o fim dos tempos.

**********

A manhã chegou num piscar de olhos e as irmãs Carmo se preparavam para seus afazeres. Enquanto Susana terminava de se vestir, Cris precisou sair mais cedo para passar na biblioteca da escola e fazer uma pesquisa para um trabalho. Fez o caminho com pressa e chegou ao destino pouco depois do lugar abrir. Antes dela, havia apenas outra menina, Érica, uma linda jovem negra que estudava em sua escola. Ela vivia na biblioteca, sabia o conteúdo de todos os livros e seria uma excelente ajuda se Cristiane tivesse coragem de conversar com ela. Talvez fosse pela sua beleza, ou pela inteligência descomunal, ou só besteira própria, mas Cristiane nunca dera um "bom dia" para a jovem com quem dividia a biblioteca quase todas as manhãs.

- Oi, Cristiane! - o sussurro de Érica tirou Cristiane de seu transe - Eu vi que você leu a série Os Karas. É boa demais, né? Eu li A Marca de Uma Lágrima, que também é do Pedro Bandeira, e eu também gostei muito. Lê também, por favor! Queria ter com quem conversar sobre isso, mas nunca conheci ninguém que lesse o que eu gosto. Você não fala muito, né? Eu nem sabia teu nome, eu só descobri porque vi no cartão de locação de Seja Minha. Temos gostos parecidos.

- Ah... - Cristiane gaguejava - Sim, eu leio tudo que você lê... Quero dizer, não porque você lê, mas é que essa biblioteca é pequena e temos poucos livros...

- Você está se embananando toda - Érica gargalhou - Você é uma graça, Cris. Enfim, leia A Marca de uma Lágrima e depois conversamos mais. Tenha um bom dia!

Cristiane teria passado o resto do dia todo pensando em Érica se não tivesse sido interrompida por uma bomba: o rosto de Susana estava por todos os lugares acompanhado de uma foto do beijo no fliperama. Os jornais voando, as revistas nas mãos das meninas da escola e até a TV da cantina, tudo falava sobre Susana e o beijo em "Martín". Aquilo era tão estranho. Cris sempre pensou que o primeiro beijo dela seria primeiro que o da amarga e fechada Susana Carmo, mas não foi. Agora, pra piorar, o mundo inteiro sabia da intimidade de sua irmã. Como eles sabiam? Susana deveria estar péssima. Achava que ir pro trabalho ia ajudar a distrair, mas só ficou pior, pois lá tinham mais televisões por perto e mais pessoas comentando sobre. Sua mente borbulhava, até receber uma visita muito inesperada.

- Augusto?? O que você veio fazer aqui?

- Ah... Tomar sorvete? Não é isso que fazemos numa sorveteria, geralmente?

- Sim, claro, desculpa, eu só...

- Tenho a sensação de que você precisa conversar...

- Não sei se é uma boa ideia, Augusto...

- Cris, você está péssima e acho que a Susana não vai ter muito tempo pra te ajudar. O que tá rolando? É sobre o beijo da tua irmã?

- Sim e não. Mas não é só isso. Ah, é uma longa reflexão, vai dar trabalho pra explicar, pode ser meio insensível da minha parte, e ainda pode ser que seja a coisa mais imbecil que você já escutou na vida.

- Bem, se for insensível, eu também sou, se for imbecil, pelo menos vai ser engraçado. Sobre ser grande e trabalhoso: meu intervalo acaba em 30 minutos. Vamos lá, comece a falar.

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora