26 ▪︎ Pânico

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- Eu não vou dar entrevista nenhuma! - Susana cerrou os punhos e sussurrou por entre os dentes

- Por quê? Qual é a dificuldade?

- Simples: eles vão fazer perguntas que eu não sei responder!! Você já esteve com dezenas de meninas e já tem bastante conhecimento sobre o assunto, vai saber inventar alguma coisa, mesmo que eu não seja como elas, afinal, eu tenho personalidade.

- Mau humor constante não é personalidade, Susangada...

- Não fode, Werá! - Susana já tinha se decidido e já tinha se virado para mudar seu caminho, mas uma gargalhada a interrompeu em seu trajeto

- Quem não fode aqui é você, Sussu... - A risada frenética de Werá foi interrompida por uma cotovelada certeira bem no diafragma. A expressão alegre de Susana mostrava que ela estava orgulhosa do próprio golpe - Ai, sua pentelha! Tá, Susana, para pra pensar antes de me agredir de novo, ok? Você está contando que vai ser chamada para fazer propagandas pra ganhar dinheiro, certo? Mas, pensa bem, e se isso não acontecer? E mais: mesmo que aconteça, isso só vai rolar lá pras oitavas de final, daqui a um mês ou mais que isso. Você tem uma casa queimada para consertar, uma irmã caçula para sustentar e a chance de ganhar mais dinheiro em 2 horas respondendo umas perguntinhas de uma senhora simpática do que em 3 dias de gravação de publicidade. Qual é, Susana? Você é mais esperta do que isso...

**********

Alguns dias depois, Susana se viu sentada num sofazinho de camurça violeta num palco de programa de auditório. Era impressionante o poder de convencimento que Werá tinha sobre ela, mas mais impressionante ainda era a quantia em dinheiro que ganharia só por estar ali. Um surpreendente cachê de R$550,00, sendo que o salário mínimo era R$100,00. Isso significava muita coisa. Antes de chegarem, tinham ensaiado algumas respostas e, até agora, tudo ia bem.

Quando perguntado sobre sua origem, Werá, que ali era Martín, declarou ser de um povoado afastado em um país latino; não era mentira, mas era engraçado ver as pessoas comprando a ideia. O programa da Helga Com Amargo era muito conhecido, grandes personalidades iam lá, tipo a cantora de axé Ivonete Gonçalo, um grupo chamado "É o Chan",que Susana não conhecia, mas achava que era de música oriental, e o sambista Dudu Pobre. A apresentadora era um doce, mas bem desbocada, e esse era o medo de Susana. Ela poderia muito bem perguntar sobre, bem... aquilo. Susana não estava preparada pra falar sobre isso, era tão delicado e pessoal. Se era um assunto que ela não gostava de tratar nem com sua irmã, como poderia abertamente falar sobre aquilo pra todo mundo ali? Ela nem sabia o que responder caso entrasse nesse assunto e ela tivesse que falar sobre sua derrota humilhante alguns anos antes. Preferia que falassem de sacanagem, afinal, sobre sexo, ela só diria que não fez. Tava tudo certo, não é?

O som da vinheta soou no auditório anunciando que estavam de volta à transmissão ao vivo. Helga sentou-se na mesa ao lado do casal e sussurrou "preparem-se" antes de dar seu clássico e caloroso sorriso escancarado.

- Voltamos ao nosso programa! Estamos aqui com as gracinhas do momento: Susana Carmo e Martín Rodriguez!

A plateia aplaudiu ruidosamente. Helga continuou:

- Agora que já passamos do horário nobre e as crianças já estão na cama, vamos às perguntas mais interessantes...

Os sons do público enlouquecido explodiram pelo ambiente.

- Vamos falar de nheco-nheco, tchaca tchaca na butchaca, oba-oba e tudo mais. O que o Brasil inteiro quer saber é: Martín e Susana, vocês já transaram?

Todos os presentes riram, gritaram e aplaudiram enquanto Susana sentia suas bochechas arderem. Sabia que esse momento chegaria, mas teve vergonha de falar sobre essa parte com seu parceiro. Acabou brutalmente arrependida de seu pudor porque, no exato momento em que ela disse "não", Werá disse um "sim" debochado. A plateia  se calou e Helga fez uma careta.

- Sim ou não, gente? - Helga perguntou grosseiramente

- Nós já transamos, mas o povo brasileiro ainda encara o sexo como um problema, um tabu enorme, principalmente para as mulheres. Pode admitir, meu amor, ninguém aqui vai te julgar. - Werá tentou soar compreensivo e acolhedor, o que funcionou bem pro público, mas Susana teve vontade de mandá-lo pro inferno pra ser julgado pelo próprio capeta.

Com um suspiro, Susana sorriu timidamente:

- Eu fui criada numa família muito tradicional, nós não falamos dessas coisas... - como o público não pareceu animado com essa resposta, ela tentou aliviar o clima - Até pouco tempo atrás, eu achava que minha irmã mais nova tinha nascido por fax!

Deu certo, Helga sorriu e a plateia riu e aplaudiu. O alívio de Susana foi quase palpável, enquanto Werá permanecia inabalável. A entrevista seguiu e as perguntas foram mais suaves, tipo sobre o primeiro beijo, quem demonstrou interesse primeiro e por aí. Susana pensou que a parte ruim tinha passado, mas se enganou redondamente.

- Susana, pergunta pra você. Sexo oral: fazer ou receber?

Naquele instante, ela agradeceu a todos os deuses da literatura por ter lido O Primo Basílio na escola, pois, graças a ele, agora ela tinha uma noção do que era sexo oral. Um colocava a boca "lá" no outro, e essa era toda a experiência sexual que Susana possuía.

- Sexo oral é fazer "aquilo" com uma pasta de dentes? Brincadeira! - pelas risadas, não era possível que aquele povo estivesse sóbrio - Eu gosto de receber, Helga, é uma sensação nova, mas que me deixa na mão dele...

Helga sorriu e bateu palmas. O público gritou, Susana corou e Werá sorriu, não só pela resposta perspicaz de Susana, mas por imaginar a cena descrita por ela. Discretamente ele pôs uma almofada no colo.

- Pergunta para o nosso adorado Martín: foi difícil seduzir nossa mocinha?

Ia responder qualquer besteira, mas mudou de ideia quando seus olhos encontraram os de Susana. Ela estava nervosa, desconfortável, quase em pânico, mas estava tentava disfarçar encarando-o. Era digna de pena, era quase um bichinho acuado. Não eram tão íntimos ainda, mas já tinha visto Susana em crise antes e temeu por ela. Ele estendeu a mão e a puxou para um abraço carinhoso. O corpo dela relaxou e só então ele respondeu:

- Foi, Helga. Susana é uma das mulheres mais teimosas que conheço, ela demora a confiar nas pessoas. Eu insisti todos os dias durante semanas para poder ter uma chance de me aproximar verdadeiramente dela. - ele ainda afagava a cabecinha que estava encostada em seu corpo - Mas valeu a pena cada segundo e eu faria tudo de novo.

O público fez "Awwn" e aplaudiu. Quando a algazarra cessou, Helga propôs:

- Cantem um dueto pra gente encerrar?

Eles tinham ensaiado Endless Love para esse momento, mas nenhum ensaio fez jus à apresentação daquela noite. A química era tão latente que fez Susana esquecer que odiava o rapaz à sua frente. Os olhos castanhos dele eram inigualáveis, expressivos e meigos. A mão esquerda dele estava suavemente acariciando a pele dela pelo espaço entre a camiseta curta e a calça jeans de cintura baixa, enquanto a dela repousava no cabelo liso e escuro do galã com quem contracenava. O perfume dele a atraía para mais e mais perto até que passaram a dividir o mesmo microfone. Os corpos dos dois foram se juntando como se fosse algo costumeiro e natural.

Ao fim da música, eles não desgrudaram, permaneceram se olhando e sorrindo. Werá nunca iria admitir a ela, mas gostava do toque caloroso de Susana. Ela não dizia nada, mas também não se afastou. Quem se mexeu, além da plateia ensandecida, foi Helga, que disse que, por serem duas crianças, não daria o clássico selinho nos convidados, mas pediu pra que fechassem o programa com um beijo desses de cinema. Nenhum dos dois disse nada, mas ambos agradeceram aos céus por esse pedido. E eles se beijaram intensamente, como se nada ali fosse de mentira.

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora