9 ▪︎ Gigante de Ferro

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Como o previsto, Antonio Dias jantou com as meninas na semana anterior, mas não contava com a presença do pai delas na mesa. Pra ser sincera, Susana também não, mas agradeceu aos céus e à sua irmã por aquele favor. Seu pai e Antonio conversaram sobre política e finanças, mas o jantar não se estendeu por muito tempo. Depois que Antonio saiu, completamente insatisfeito por não ter tocado em nenhuma das duas, Susana foi até o pai e, com muita resistência, o abraçou tentando fazê-lo entender que "Tá tudo uma merda desde não sei quando". E ele entendia, entendeu desde sempre. Não era um pai presente em casa, mas ainda assim era um bom pai, nada faltava pra elas. Moravam numa boa casa, num bairro central, usavam boas roupas e nunca precisaram de nada. Pazes feitas.
E assim a paz se manteve reinando absoluta na vida dos Carmo por dias. Mas tudo tem um limite.

Susana olhava o relógio da praça de alimentação o tempo todo. O tic-tac dos segundos deixavam-na perturbada. Era o dia da reunião de elenco do programa e é aqui que o desafio começava de verdade. Ela olhava freneticamente em direção aos corredores e, nos pensamentos, fazia uma prece pra que dona Wanda não a visse agora, pois já estava sem uniforme. Tic - tac. Tic-tac.
Cristiane surgiu no corredor, com o rosto vermelho por causa do esforço de vir correndo da escola pra loja.

-Está atrasada - Susana gritou enquanto saltava por cima do balcão, arremessando seu avental na irmã

-Boa sorte, irmãzona! - Cristiane deu a volta pela portinha no canto - Eu te amo! Você é a melhor!

Susana já estava quase na escada, mas voltou para abraçar Cristiane por cima do balcão

-Obrigada, Cris. Você é a melhor - disse baixinho e, sorrindo, voltou a correr.

Já dentro do ônibus, Susana passou um pouco de maquiagem e tentou ajeitar os cabelos de um jeito mais apresentável, muito embora seu aspecto cansado não colaborassem com sua intenção. Ligou seu walkman e, cantando baixinho, se distraía da ansiedade apertando sua garganta.

Ao chegar na emissora, fez o caminho que já conhecia e entrou no mesmo estúdio de anos atrás. A apresentação estava começando. Um famoso cantor da época explicava como funcionava o jogo: Dois times mistos seriam separados. Cada time teria 8 participantes que cantariam em coro durante os desafios. Cada semana, um participante seria eliminado pelo público, até que restasse apenas um cantor em cada.

Feitas as explicações, começou a separação. Cada nome lido deveria se posicionar junto aos seus parceiros. Ao ouvirem "Susana Carmo", todos os participantes olharam pra ela. Ninguém falava muito até então, mas os comentários foram inevitáveis. Uns avaliavam sua aparência, outros sua voz, mas todos sabiam: Aquela menininha pálida, baixa e mal arrumada era a favorita da edição. Susana já tinha acostumado a ignorar os olhares, mas tinha um que era inevitável. Um rapaz bem alto, talvez uns 20 anos, pele bronzeada, longos cabelos escuros e lisos, a franja caía pela testa, mas isso não impedia de ver os olhos mais lindos que existiam na Terra. Susana não queria admitir, mas, CARACA, aquele cara era um imã de mulheres. Por mais que evitasse olhar e se esforçasse pra fitar o chão, Susana aguardava ansiosamente por ouvir o nome do deus  na sua frente. O anfitrião se enrolava ao tentar ler a identificação do próximo. Apenas pela dúvida, o rapaz já soube que era com ele.
"Pode me chamar só de Martín". Sua resposta ressoou por todo o estúdio e sua voz grave fez Susana tremer da cabeça aos pés. Ele era gato, mas Susana sabia que não estava ali pra isso. Seria necessário mais que um rostinho bonito pra tirar dela o prêmio, afinal, com o contrato que ganharia, depois ela poderia comprar uma homem pra si. Precisava manter o foco principalmente porque ele estava no time rival.

Feitas as devidas apresentações, os grupos foram levados para salas separadas para ensaiarem o que deveriam fazer no primeiro show, no domingo. Tinham poucos dias, pouco tempo, então os ensaios foram até tarde. Susana estava exausta.  Enquanto abaixou a cabeça para enrolar o cabelo num coque desajeitado, foi puxada para outra sala por uma mão firme.

-QUE MERDA É ESSA?- Susana gritou, sem saber exatamente pra quem, já que a sala estava escura. 
Uma luz acendeu rapidamente, revelando o rosto impecável do seu "raptor", e foi apagada logo em seguida.

- Susana, né? Foi mal o mau jeito, mas eu queria muito falar  com você. Só não queria chamar atenção. - Martín sussurrava perto dela, para que ela ouvisse tudo sem que fossem ouvidos

- Me puxar pra uma sala escura é teu jeito de não chamar atenção? Cacete hein! - Susana se assustou com o dedo indicador do rapaz que foi direto nos lábios dela para lhe pedir silêncio.

- Não dá pra conversarmos aqui. Vem pro meu carro, eu te levo pra casa. Aí a gente conversa. Aqui estamos expostos.

- Você, um desconhecido, me puxa pra uma sala escura, quase desloca meu ombro nessa brincadeira, diz que quer falar comigo, que estamos expostos, e quer me arrastar pro teu carro? Qual foi? Tá doidão?

Ele sorriu e, ignorando as reclamações dela, a carregou no ombro até seu carro, como se fosse um saco de batatas. Não foi uma tarefa difícil, afinal, além de Susana ser mais baixa e mais leve que ele, eles estavam sozinhos, já que todos os outros participantes estavam esgotados e já tinham ido pras suas casas assim que foram liberados.

- Onde você mora? - Martín tinha jogado Susana no banco do passageiro do seu Monza vinho

- Tá de sacanagem, né? - Susana queria gritar e sair correndo, mas admitia que talvez precisasse de uma carona pra casa, já que, pela hora, os ônibus já estavam parando de rodar - Acha que só porque é gatinho todas as mulheres do mundo têm que fazer o que você quer?

- Então você me acha gatinho? - um sorriso malicioso cruzou os lábios do rapaz - Ótimo, já facilita muito meu plano. Anda logo, fala onde você mora, porque, se eu não me engano, você veio de ônibus, o 312, né? Aquele ali no ponto é o último do dia e, olha só, ele acabou de sair.

- Você tava me espionando!?

- Eu cheguei um pouco antes de você, estacionei mais perto e te vi descer, mas me adiantei enquanto você dava a volta pra entrar. Não vai falar onde mora? Pois bem, eu faço o trajeto do ônibus.

Dando -se por vencida, Susana apenas colocou o cinto e aceitou seu destino. Pelo menos morreria num banco de couro.

It's (NOT) A Love SongOnde histórias criam vida. Descubra agora