Precisei de alguns segundos para processar o que o homem à minha frente havia acabado de falar.
— Como... como assim eu sou a única passageira? — tentei falar o mais normal possível, mas era óbvio o temor em minha voz.
— Digamos que eu menti um pouco quando disse que este era um navio que transportava pessoas — ele deu de ombros despreocupadamente, ainda segurando meu cabelo em sua mão.
— Mentiu para mim? — senti o nó em minha garganta se apertando cada vez mais, a sensação de antes mandando sinais para a minha mente cansada. E com as fortes emoções tomando conta de mim, eu estourei — Eu confiei em você!
Afastei sua mão com um empurrão da minha e encarei seu rosto com uma raiva contida, que só aumentou quando percebi o sorriso presunçoso em seu rosto.
— Eu te avisei, lembra? — disse sem mudar seu tom de voz suave.
— Me avisou o quê? — questionei sem entender do que ele falava.
— Eu disse para tomar cuidado em quem confiava — seu rosto se tornou sério pela primeira vez naquela noite — Bom, isso incluía a mim também.
Sem palavras, permaneci em silêncio e ousei olhar para os outros homens ali presentes. A maioria deles carregava um sorriso zombeteiro no rosto, enquanto outros, como Bernard, desviavam o olhar com algo parecido com pena.
Minha mente se obscureceu, conturbada com tudo o que vinha acontecendo nos últimos dias e sem pensar direito, apenas me virei e saí correndo sem rumo.
Corri pelos corredores desviando o quanto podia dos objetos à minha frente, e só parei quando senti o ar frio da noite no convés principal. Minhas pernas protestaram, mas me mantive firme e caminhei rapidamente até a estrutura do lado esquerdo, me apoiando contra ela.
Meu coração estava acelerado e minha respiração inconstante, tanto pela súbita corrida quanto pelos pensamentos sombrios que martelavam em minha mente.
— Eu estou cansada, meu Deus! — exclamei voltando meu olhar para o céu estrelado, estaria encantada com aquela visão se não fosse a angústia que me consumia — Estou cansada dessas provações tão duras... Quanto eu ainda vou ter que suportar?
Abaixei minha cabeça sentindo as lágrimas vindo de prontidão. Tentei enxugá-las com o dorso das mãos, mas elas teimavam em cair sem parar.
— Vai manchar seu belo rosto se continuar chorando desse jeito.
Tive um sobressalto ao ouvir isso, não notei ninguém se aproximando e aqui estava o capitão ao meu lado. Contive os soluços e olhei para ele pelo canto dos olhos.
— Como se você se importasse...
Ele não respondeu e um silêncio se instaurou entre nós por alguns minutos. Seu olhar permanecia fixo no mar à frente e sem conseguir me conter, suspirei pesadamente. Um instante depois, ele se virou para mim.
— Agora que está mais calma, nós podemos conversar — seus olhos procuraram os meus, mas não queria que ele tivesse poder sobre mim, então desviei o olhar dele e cruzei os braços.
— Não é como se eu tivesse escolha — murmurei amarga.
— Certo... — Jack pareceu desconfortável e limpou a garganta — Como eu disse antes, você é nossa única passageira. Entendo que isso provavelmente deve ser assustador para você, mas a senhorita tem minha palavra de que ninguém aqui tocará um dedo em você...
— Desculpa, mas não posso confiar em você — interrompi dando uma rápida olhada para ele — Pelo menos, não mais.
— De qualquer forma... — ele suspirou descontente — Você estará segura aqui, acredite ou não.
— Então por que me enganou? — girei meu corpo em sua direção — O que você quer comigo?
Jack parecia pensar no que dizer, talvez temendo revelar mais do que devia. Por fim, ele pareceu se decidir, me lançando um olhar firme.
— Tudo que precisa saber, é que a deixaremos em segurança em seu destino — disse, dando a entender que não diria mais nada — Agora, o que acha de voltar antes que o jantar esfrie?
Eu não estava nada satisfeita com essa situação, mas eu precisava fingir que sim. Precisava que ele pensasse que eu obedeceria tudo o que me fosse ordenado sem questionar, mesmo que no meu interior eu estivesse furiosa com tudo isso.
— Tudo bem... — concordei resoluta.
Com um aceno de cabeça seu, segui o capitão de volta para a cozinha. Assim que entrei no lugar, novamente o silêncio se fez presente entre os muitos tripulantes que estavam ali.
— Por favor, camaradas, façam com que nossa convidada se sinta em casa! — ele se esgueirou até o centro do local e puxou uma cadeira da mesa — Sente-se, senhorita.
Hesitei por alguns instantes, e então, obedeci caminhando lentamente até o lugar onde ele me esperava. De forma cavalheira, ele empurrou a cadeira para que eu me acomodasse, e eu apenas murmurei um obrigado baixo.
Os homens voltaram a conversar e os instrumentos novamente foram tocados. Permaneci de cabeça baixa até sentir a aproximação de alguém perto de mim.
— Seu jantar — Bernard falou colocando um farto prato de comida na mesa à minha frente. Ele parecia envergonhado e notando que eu o observava, pigarreou — Eu... sinto muito por isso, senhorita.
— Está tudo bem, Bernard — forcei um sorriso e segurei os talheres encarando a refeição — E obrigada pela comida.
Ele assentiu com um fraco sorriso e se afastou, deixando apenas o capitão em pé ao meu lado. Senti seus olhos intensos me encarando, mas não tive coragem de levantar a cabeça.
— Pode comer, não tem veneno nem nada do tipo aí — comentou em meio ao barulho para que apenas eu escutasse — Foi o próprio Bernard quem preparou, então não tenha medo.
— Não é nada disso... — murmurei baixo ainda sem me mover.
— Então o motivo de seu desconforto sou eu? — questionou me fazendo ficar surpresa com sua acusação — Se preferir, posso me retirar...
Ele fez menção de sair, mas em um movimento involuntário, ergui a cabeça e segurei a barra de sua capa. No mesmo momento seu corpo parou e com uma sobrancelha arqueada, ele me lançou um olhar inquisitivo.
— Por favor, não me deixe aqui sozinha com esses homens...
Me arrependi de ter dito isso no instante que vi o sorriso satisfeito em seu rosto.
— Já disse que ninguém fará mal a você, mas não posso dizer não a uma dama adorável como você...
Ele se sentou deixando um espaço adequado entre nós e eu revirei os olhos com suas gracinhas. Finalmente me permiti apreciar a comida deliciosa feita por Bernard.
E enquanto comia em silêncio, pensei em quais seriam os meus próximos passos. Eu não sabia exatamente quais eram as intenções do capitão, mas de uma coisa tinha certeza: eu não podia confiar em ninguém ali.
Com esses pensamentos, percebi que eu tinha mais um desafio pela frente: precisava escapar novamente do meu destino incerto e tentar fugir na primeira oportunidade que tivesse.
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Flora Harper E O Navio Pirata - Amor Em Alto-Mar
RomanceSinopse: Flora Harper, uma garota cristã e gentil, vive em uma cidade portuária com o pai, dono de uma pequena e singela sapataria. Até que um dia, após a repentina morte de seu pai, ela se vê obrigada a se casar com um homem cruel a quem não ama e...